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Papa
Francisco durante missa transmitida ao vivo na
casa Santa Marta, em março deste ano (Vatican
Media) |
Uma
reflexão sobre a suspensão das missas públicas em tempo de pandemia
A Itália reabre aos
poucos. O país que enfrentou uma das maiores crises da sua história, se reergue
a partir da força do trabalho conjunto e da união dos seus cidadãos. Não que os
embates públicos cessaram, haja visto que a conjuntura política italiana é
bastante “explosiva”, como sabemos. Mas os italianos assumiram para si a
situação do país. E foi bonito contemplar tudo isso de perto.
Apesar da nação ter
colhido os frutos amargos de um negacionismo inicial, o andrà tutto
bene - ficará tudo bem - não foi só um slogan. Se trabalhou duro
justamente para que, hoje, pudéssemos dizer essa frase com toda a força. Para
se ter uma ideia, Roma registrou somente 6 novos casos nesta semana. E isso se
tornou mais uma prova irrefutável que o confinamento em zonas de risco, pelo
menos numa primeira fase, faz-se necessário. Sem contar que é a orientação da ciência.
Os católicos in
prima linea - como se diz aqui -, responderam prontamente às duras
restrições impostas pelo governo, que bloqueou o país no início de março - sem
choro nem reza. Alguns pequenos grupos - pouco expressivos, diga-se de passagem
- se opuseram à suspensão das missas públicas. Porém, não tinha como fechar-se
numa “bolha” e ficar indiferente às milhares de mortes que se registravam todos
os dias. Dada a gravidade da situação, concluiu-se que os bispos “não privaram
as pessoas da fé”, como alguns gostam de dizer no Brasil. Ao contrário:
demonstraram que uma fé madura por vezes impõe sacrifícios em vista de um bem
maior. Se na própria Itália cogita-se que o vírus se espalhou rapidamente por
causa da vida social agitada dos italianos - a “movida”, como eles dizem -,
seria incoerente permitir que as grandes basílicas do país, por exemplo,
continuassem a reunir multidões durante suas celebrações.
Estamos diante de um
mal desconhecido, que extermina idosos em alguns lugares e em outros chega a
matar crianças. A Igreja, que sempre reiterou “caminhar lado a lado com a
humanidade”, é chamada justamente a dar respostas concretas em tempo de crise.
As pessoas não aguentam mais esse “catolicismo de corte” e esse revival
renascentista autorreferencial. Querem transformar a igreja numa fortaleza cujo
acesso é permitido somente aos privilegiados e inalcançável ao ponto de
tornar-se alheia ao sofrimento de uma plebe que morre.
Querem materializar
até a missa. É como se as pessoas estivessem mais preocupadas com o preceito
que com o mistério. Independente do local onde esse santo sacrifício seja
celebrado, é instrumento de purificação para todo o corpo, que é a igreja. E
não precisa estudar teologia para saber disso. Sem contar que se o líder máximo
do catolicismo - no caso, o papa -, concedeu até indulgência plenária mesmo sem
a participação física aos sacramentos, é mais um motivo para considerarmos que
vivemos um tempo de graça. Ubi Petrus, ibi ecclesia - Onde
está Pedro está a Igreja -, já dizia Santo Ambrósio.
A eucaristia não é o
“troféu” para os “homens de bem”, mas sustento e alimento para todos; até para
quem está impedido de recebê-la. A eucaristia não pertence a “meu grupo de pios
católicos tridentinos” e só tem sentido quando se faz em comunhão - com o papa
e com os bispos, inclusive. E se essa comunhão foi “virtual” por um tempo, a
eucaristia operou com toda a sua eficácia. Não nos “tiraram a missa”, como
dizia aquela campanha imbecil que fizeram. Simplesmente a celebramos de outra
forma, dadas as circunstâncias. E o que fizemos com esse período de prova?
Pensamos nas comunidades isoladas da Amazônia que têm missa somente uma vez ao
ano? Ou nos pobres que sequer puderam acompanhá-la pela internet?
O fato de ficar sem a
celebração por um tempo demonstrou o quanto somos egoístas e centrados na
materialidade da fé, não no “Espírito Santo que sopra onde quer”, como dizem as
escrituras. Pararam para pensar que grandes santos como Francisco de Assis ou
Santa Teresa D'Ávila, respectivamente o reformador medieval do século XIII e a
“donzela da reforma do carmelo” em fase renascentista, não tinham acesso à
missa diária? E, pelo jeito, colheram ocasião não só para santificar a própria
vida, mas a de todos que estavam ao redor. O que fizemos com essa ausência de missas,
além desta histeria infantil nas redes sociais?
Muitos têm
perdido a oportunidade de transformar a própria casa numa domus ecclesia, como
os primeiros cristãos. Onde estão os estudos bíblicos e os rosários
em família durante essa quarentena? As famílias se reuniram para assistir à
missa pela televisão? Quais novas práticas de devoção foram reforçadas nessa
fase? Ao invés disso, o que vemos é um bando de gente inflamada nas redes
sociais desrespeitando bispos e autoridades religiosas que são, além de tudo,
coerentes em relação à própria missão de pastores neste período de crise. A
eucaristia é carne e somos chamados a encarná-la na nossa vida, não a fazer
dela um “patrimônio” estático que cabe dentro da minha visão e só serve para
amaciar o meu ego de “super católico”. Essa sim, talvez, seja a maior heresia.
*Mirticeli Dias de Medeiros é
jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade
Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no
Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras.
Fonte:domtotal.com
Muitas pessoas que vão a missa uma vez por ano nos povoados fazem gestos de amor e partilha que muitos que quase não saem da igreja e gostam de adoracoes muitas vezes são insensíveis e egoístas se escondendo nas igrejas.
ResponderExcluirE vergonhoso este tipo de gente se dizendo católicos e nao respeitar o papa e os bispos
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