De Paulo VI ao Papa
Francisco, o "sonho" de plenos direitos para a comunidade
afro-americana nos Estados Unidos encontrou o apoio apaixonado dos Pontífices
que indicam Martin Luther King como um exemplo a seguir na batalha não violenta
pela igualdade
Alessandro Gisotti
A trágica morte de
George Floyd mostrou dramaticamente que o sonho de Martin Luther King ainda
está longe de se tornar realidade. No entanto, o histórico discurso “I have a
dream”, proferido pelo líder do movimento de direitos civis em 28 de agosto de
57 anos atrás, continua a ressoar, ainda nestes dias, nos apelos de todos os
que exigem justiça e dignidade para a comunidade afro-americana e com ela para
todas as minorias de todos os tempos.
Esse
"sonho", enraizado no Evangelho e na força libertadora do amor de
Deus, encontrou nos Papas que se sucederam grandes aliados, a começar por São
Paulo VI que recebeu Luther King no Vaticano em 18 de setembro de 1964 e o
encorajou a continuar sua luta pacífica contra a discriminação racial. Quatro
anos depois, Paulo VI recebeu com consternação a notícia da morte do pastor
batista, Martin Luther King, em 4 de abril de 1968 em Memphis, Tennessee.
No domingo de
Ramos, de três dias depois, o Papa Paulo VI recordou comovido a figura do
Prêmio Nobel da Paz com palavras de extraordinária atualidade. O Papa rezava
para que este crime possa "assumir o valor de sacrifício". "Que
não se aprofunde o ódio, nem a vingança, nem um novo abismo entre cidadãos da
mesma grande e nobre terra - adverte - mas que se imponha um novo propósito
comum de perdão, de paz, de reconciliação na igualdade de direitos livres e
justos às injustas discriminações e lutas presentes". Nossa dor se torna
maior e mais temerosa por causa das reações violentas e desordenadas que o
triste fato provocou. Ao mesmo tempo a nossa esperança cresce quando vemos que
de toda parte responsável e do coração do povo saudável cresce o desejo e o
compromisso de tirar da morte iníqua de Martin Luther King uma efetiva
superação das lutas raciais e estabelecer leis e métodos de convivência mais
conformes com a civilização moderna e a fraternidade cristã".
Vinte anos depois,
em 12 de setembro de 1987, outro Papa Santo relembra o sonho do líder
afro-americano. São João Paulo II estava em Nova Orleans, onde encontrou a Comunidade
Católica Negra da cidade. Karol Wojtyla lembrou do longo e difícil caminho da
comunidade afro-americana para superar a injustiça e se libertar do peso da
opressão. “Nas horas mais difíceis de sua luta pelos direitos civis em meio à
discriminação e opressão", enfatizou, "o próprio Deus tem guiado seus
passos no caminho da paz. Diante da história, a resposta da não-violência
eleva-se na memória desta nação como um monumento que honra a comunidade negra
dos Estados Unidos". João Paulo II fala do "papel providencial"
desempenhado por Martin Luther King "ao contribuir para a justa melhoria
da condição dos negros americanos, e como consequência para a melhoria da
própria sociedade americana". Como Paulo VI, encontra uma particular harmonia
com a visão cristã da fraternidade humana encarnada pelo pastor da Atlanta que
acreditou, até ao sacrifício extremo, na ação libertadora da fé em Cristo.
Esta visão é também
referida por Bento XVI que, na cerimônia de acolhida em Washington, em 16 de
abril de 2008, sublinhou que a fé em Deus tem sido "uma inspiração
constante e uma força motriz" na luta liderada por Martin Luther King
"contra a escravidão e no movimento pelos direitos civis". Palavras
reforçadas dois dias depois no encontro do Papa Ratzinger com a filha do
Reverendo, Bernice Albertine, em uma celebração ecumênica em Nova York. Tinha
passado sete anos: pela primeira vez na história, um Pontífice se dirige ao
Congresso dos Estados Unidos.
Em 25 de setembro
de 2015, na sede do mesmo Congresso estadunidense, o Papa Francisco fez um
discurso sobre o espírito dos Estados Unidos observando que “uma nação pode ser
considerada grande, quando (…) promove uma cultura que permita às pessoas
‘sonhar’ com plenos direitos para todos os seus irmãos e irmãs, como procurou
fazer Martin Luther King”. Para o Papa, aquele “sonho continua a inspirar-nos”,
porque, “desperta o que há de mais profundo e verdadeiro na vida das pessoas”.
E como em muitas outras ocasiões, faz questão de destacar que este gênero de
sonhos “levam à ação, à participação, ao compromisso”.
Francisco como seu
predecessor João Paulo II também encontra a filha de Martin Luther King, que é
uma ativista, como seu pai, pelos direitos civis. Desta vez o encontro com
Bernice Albertine foi no Vaticano, em 12 de março de 2018. A audiência foi
privada, mas seu significado foi muito grande porque ocorreu três semanas
depois do 50º aniversário da morte de Martin Luther King. Para o Papa, como
escreveu na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2017, Martin Luther King
conseguiu sucessos contra a discriminação racial que “jamais serão esquecidos”.
No entanto, a forma
como estes foram alcançados não conta menos do que os próprios resultados.
"A não-violência", escreve Francisco, "praticada com
determinação e coerência produziu resultados impressionantes". Pelo
contrário, como afirmou na audiência geral desta quarta-feira (03/06) dirigindo
seu pensamento aos acontecimentos nos Estados Unidos, “nada se ganha com a
violência e muito se perde”.
Fonte: Vatican News
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