“E vós, quem dizeis que eu
sou?” (Mt
16,15) “Quem és tu, Senhor?” (At 9,5).
Os
acontecimentos e, sobretudo, as pessoas que encontramos ao longo da existência,
são os que vão nos fazendo passar por contínuas transformações. Por isso,
quando narramos nossa história de vida, quase sempre mencionamos alguém em
particular que nos marcou profundamente. Já não somos mais os mesmos depois de
ter conhecido certas pessoas que se tornaram especiais. Nosso olhar e nossa
memória retornam a elas frequentemente, por sua constante inspiração e
companhia.
Por
isso, a pergunta que Jesus dirige aos discípulos não é superficial – “E vós, quem
dizeis que eu sou?” Esta
é a questão, a grande pergunta de Jesus que continua ressoando em todos nós,
seus(suas) seguidores(as). Dependendo da resposta que damos, isso terá
implicações profundas em nossa existência: a centralidade do modo de ser e de
agir de Jesus em nossos compromissos, a ressonância de suas palavras em nossa
vida, a sintonia com suas grandes opções, a sensibilidade diante dos mais
pobres e excluídos, a nova relação com o Pai... Em outras palavras, o encontro
com a identidade de Jesus des-vela nossa verdadeira identidade e, por isso
mesmo, nosso modo de ser e de agir serão cristificados.
Segundo
o evangelho deste domingo, só reconhecendo a identidade de Jesus estaremos capacitados
para escutar o que Ele tem a nos dizer. Por isso, quando Pedro declarou quem
era de verdade Aquele a quem tinham seguido, o Senhor mudou seu nome – “tu és Pedro,
e sobre esta pedra edificarei minha Igreja”. Só Jesus conhece bem quem somos e o
que podemos realizar.
O
ser humano é um ser chamado. Chegamos a ser nós mesmos graças ao chamado, ao
olhar, à palavra de outro. E na palavra e no chamado que nos vem de Jesus,
vamos percebendo que o mistério de Deus, totalmente outro e absolutamente
íntimo, nos envolve e nos fundamenta.
Não
podemos definir Jesus com dogmas e doutrinas, mas também não podemos deixar de
nos fazer a per-gunta: “quem é este homem Jesus”? Toda tentativa de responder com fórmulas
fechadas não solucionará o problema. A resposta deve ser vivencial, não
teórica: “quê dizes tua vida de mim?”, pergunta Jesus.
Nossa
vida, enquanto seguidores(as), é a que deve dizer quem é Jesus para nós. Do esforço dos
primeiros cristãos por compreender a Jesus devemos fazer nossas as perguntas
que foram feitas, não as respostas que deram. Por mais informações que
recebamos sobre Ele, por mais normas morais e ritos que aprendamos e
pratiquemos, se ninguém nos convida, com sua vida, a prolongar o estilo de vida
de Jesus, tudo permanecerá superficial e em nada nos enriquece.
Dar
por definitivas as respostas dos primeiros concílios acabam nos afundando na
rotina da repetição de fórmulas. O decisivo é descobrir a qualidade
humana de
Jesus e deixar que Ele desvele o que há de mais humano em cada um de nós.
Afinal, o centro da missão do Mestre de Nazaré está em nos ajudar a sermos um
pouco mais humanos, sobretudo nas relações com os outros e com o Pai.
Se
cremos que o importante é a resposta, que já está dada, todos permanecemos em
paz e acomodados; isso é grave. Hoje sabemos que o importante é que continuemos
fazendo-nos a pergunta; a resposta nos paralisa; a pergunta nos mantém acesos e
criativos, pois esta tem impacto no modo cristificado de viver.
Uma
fé, vivida sem perguntas, acaba se esvaziando daquele mesmo impulso vital de
Jesus. Somos segui-dores(as) de uma Pessoa (Jesus Cristo) e não de respostas
teológicas.
Nossa
fé cristã hoje é a mesma de Pedro e de Paulo: seguir Jesus Cristo e, em nossa maneira de viver, oferecer o
Evangelho a todos. Assim se compreende que a Igreja celebre Pedro e Paulo numa
única festa. E, por isso, não devemos nos escandalizar se, com frequência, na
Igreja aflore o “Simão”, ao invés de Pedro: as ânsias de triunfalismos, busca de poder, medos na hora da
perseguição... Também não podemos nos escandalizar se, com frequência, aflore o “Saulo”, ao invés de Paulo: fechamento nas próprias ideias
e convicções, desembocando na intolerância, no dogmatismo e na violência,
inclusive física.
Estes
dois grandes personagens (Simão e Saulo) passaram por uma profunda
transformação, a partir do encontro com a pessoa de Jesus Cristo; foi um
processo lento, sendo lapidados pela graça de Deus até redescobrirem uma nova
identidade escondida debaixo das cinzas do auto-centramento e da prepotência;
identidade que agora se expressa em novos nomes: Pedro e Paulo.
Como
distinguir, na Igreja, “Simão” de “Pedro”?; como distinguir “Saulo” de “Paulo”?
Onde estão as fronteiras, se, ao mesmo tempo, Simão é Pedro e Pedro é Simão?
Onde estão os limites, se, ao mesmo tempo, Saulo é Paulo e Paulo é Saulo?
Estes
dois personagens nos fazem ter acesso à nossa condição humana: somos barro,
frágeis, inconstantes...
mas
carregamos um tesouro que nos dignifica. Nas profundezas de nosso ser, há um
“pedro” e um “paulo”
escondidos,
esperando uma oportunidade para se manifestar. Exteriormente, talvez tenhamos
sido muito mais “simão” e “saulo”, mas, o que decide nossa vida, é a nossa
interioridade, morada do “Pedro” e do “Paulo”. É ali que a Graça de Deus
trabalha em nós, fazendo emergir, junto a estes dois personagens, o que é mais
nobre e mais divino em nós. Deus, na sua eterna paciência, espera momentos
especiais para dar o seu “toque” em nosso eu profundo, e assim despertar o
“pedro” e “paulo” que ainda dormem.
Diante
de nós está Jesus Cristo para nos dar a “chave” como a deu a Pedro; ela nos
facilitará o acesso ao mistério insondável da Vida. Na perspectiva bíblica
“céus” significa vida em profundidade, vida expansiva, vida que nunca se acaba.
Como dinamismo humanizador, a chave da interioridade é mola mestra que movimenta grandes intuições e sonhos,
retira-nos do individualismo, cultiva a solidariedade, corrige rotas de vida,
excita a imaginação, realça o poder criativo...
Temos
em nossas mãos as chaves da vida. O que fazemos com elas? Podemos abrir ou fechar, ligar ou
desligar, atar ou desatar.... “Ter a chave da vida”: abrir ou fechar as portas
do futuro, das relações, dos sonhos, da missão... Dar direção à vida. Atar e
desatar os nós que bloqueiam o fluir da vida.... Aqui está o grande desafio:
abrir-nos ou fechar-nos; abrir-nos à vida, ao novo, ao outro, ao desafiante ou
diferente... ou fechar-nos no medo, no conhecido, no rotineiro...
Deus
confiou e colocou em nossas mãos a “chave da vida”. Ele não impõe, não obriga. Corre o risco de nos criar
livres. Aqui está nossa grandeza, enquanto seres humanos: optar por uma vida
aberta ou fechada, ser nó ou desatar, ligar ou desligar, expandir ou retrair...
Sempre
há o perigo de construir, dentro de nós, um condomínio onde portas se fecham,
chaves se perdem, segredos são esquecidos... e, com isso, mergulhamos na mais
profunda solidão.
Nossa
própria interioridade é a rocha consistente e firme (“tu és Pedro”), bem
talhada e preciosa que cada um de nós tem, para encontrar segurança e caminhar
na vida superando os desafios e as inevitáveis resistências na vivência do
seguimento de Jesus.
É
no “eu mais profundo” que as forças vitais se acham disponíveis para nos ajudar a crescer
dia-a-dia, tornando-nos aquilo para o qual fomos chamados a ser. Trata-se da
dimensão mais verdadeira de nós mesmos, a sede das decisões
vitais, o
lugar das riquezas pessoais, onde vivemos o melhor de nós mesmos, onde se encontram os dinamismos do nosso crescimento, de onde
partem as nossas aspirações e desejos fundamentais, onde percebemos
as dimensões do Absoluto e do Infinito da nossa vida.
Texto bíblico: Mt 16,13-19
Na oração: A oração nos torna-nos diáfanos (transparentes); ela
deixa transparecer o “simão” e o “pedro” de nossa interioridade; ela
des-vela o “saulo” e o “paulo” que atuam em nós.
A
interioridade é espaço aberto, onde, a intimidade com Deus não anula nossa
personalidade, mas nos capacita a fazer uma contínua passagem do “simão para o
Pedro”, do “saulo para o Paulo”.
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O que tem predominado em sua vida: “simão ou Pedro”? “saulo ou Paulo”?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Fonte:centroloyola.org.br
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