quarta-feira, 17 de junho de 2020
QUE SALVAÇÃO É ESSA?
A não compreensão da salvação como
narrada nos Evangelhos gera posturas que nada têm a ver com a proposta de Jesus
Cristo
No meio evangélico é
ainda muito comum e forte a ideia de que somente uma salvação individual é
importante. Dessa maneira, cada pessoa deve buscar fazer o melhor possível e
seguir aquilo que Deus deseja para de alguma forma poder ter alguma segurança a
respeito da sua vida pós-morte.
Reze conosco
em Meu dia com Deus
A preocupação para com
a salvação é tão forte em alguns meios, que chega ao ponto de se considerar
tudo que não se coaduna com uma norma específica como pecado que afasta o
cristão do caminho de Cristo e o conduz à perdição. Claramente, os movimentos
fundamentalistas se alimentam desse tipo de postura. Afinal, onde a obediência
a uma norma é a régua de medir o compromisso de determinada pessoa com Deus,
torna-se muito fácil para as lideranças controlar os afazeres de seus membros
em todas as áreas da vida.
Da mesma forma, essa
preocupação excessiva com a salvação individual comumente faz com que muitos
evangélicos não se envolvam com as questões de cunho social, político e
econômico, preferindo se alienarem desses compromissos. Uma vez que tais
envolvimentos são coisas ?do mundo? ao qual não se veem pertencentes aqueles e
aquelas que aguardam uma ?pátria celestial?, ocupar-se dessas questões muitas
vezes é visto como tempo não dedicado a Deus.
Por outro lado, há
aqueles e aquelas que entram nas questões políticas (como vemos tantos
atualmente nas diversas câmaras espalhadas pelo país), não com o intuito de
tornar a sociedade um lugar melhor, mas para tentar, por meio de suas visões de
mundo, transformar os locais nos quais estão em uma extensão da igreja a qual
pertencem. Nesse sentido, tomam atitudes de cunho proselitista, tentando por
meio das leis e da máquina pública empurrar goela abaixo determinado discurso
que afirmam ser a palavra de Deus. Curiosamente, essa ?palavra de Deus? da qual
tanto se fala em nada muda as estruturas que geram as pobrezas, misérias e
desigualdades existentes na sociedade, estando mais preocupada em legislar
sobre relações sexuais do que fazer com que as pessoas tenham vidas mais dignas.
A não compreensão da
salvação conforme narrada nos Evangelhos faz com que diversas pessoas se
apeguem mais às formas do que ao conteúdo dessa salvação anunciada. Quando se
foca numa salvação meramente individual, na qual um ?eu? solitário precisa prestar
contas diante de um Deus contabilista, que tem uma planilha de débito e crédito
para julgar a vida de cada um no juízo final, perde-se o conteúdo da mensagem
anunciada por Jesus. Mensagem esta que visa justamente libertar o ser humano de
todas as amarras da lei, revelando que o amor de Deus é maior do que toda e
qualquer legislação; que a salvação é de graça e, somente pela graça por meio
da fé que é possível aceitá-la; que não há nada que possa ser feito para que
Deus nos ame mais ou menos; que a salvação é direcionada a todos e todas.
A salvação não deve
ser desejada somente em seu caráter individual, mas deve ser pensada também em
seu caráter social, de maneira que a minha ação na sociedade é o que dá
testemunho da salvação que me alcançou. Em outras palavras, as boas ações não
são feitas para que eu seja salvo, mas, antes, porque eu sou salvo que as boas
ações, também frutos dessa salvação, transbordam e alcançam às outras pessoas.
Essa consciência de
uma salvação não merecida faz cair todo proselitismo, toda intolerância, todo
medo e toda indiferença para com os sofrimentos deste mundo, porque bem
compreendida deixa claro que o mundo a ser transformado por Deus, a ?nova
Jerusalém que desce do céu? não tem a ver com um ?subir? para se estar com
Deus, mas reconhecê-lo presente e atuando no mundo.
O tão orado ?venha a
nós o teu Reino? deveria deixar claro que a salvação desejada por Deus não é
somente a minha salvação, mas a salvação de todo o cosmos, ou seja, uma
salvação social, política, econômica e estrutural da sociedade para que ela
experimente o governo amoroso de Deus sobre a terra, onde, de acordo com nossa
esperança, não haverá as estruturas de morte que continuamente matam e segregam
principalmente os mais pobres deste mundo.
*Fabrício Veliq é protestante e
teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em
Filosofia e Licenciado em Matemática (UFMG) E-mail: fveliq@gmail.com. Site:
www.fabricioveliq.com.br
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