TRUMP INSTRUMENTALIZA RELIGIÃO EM CASO FLOYD E GERA REAÇÃO CATÓLICA E PROTESTANTE
Donald Trump em frente à Igreja Episcopal de São João em
Washington em 1 de junho de 2020 (AFP/Arquivos)
Presidente
posa em lugares de culto para criar dicotomia entre manifestantes e religiosos
Líderes religiosos
americanos criticaram duramente nesta terça-feira (2) a decisão do presidente
Donald Trump de posar com uma bíblia em frente a uma igreja, minutos depois de
ordenar uma repressão a um protesto contra a morte de um cidadão negro por um
policial branco.
"Foi traumático e
profundamente ofensivo no sentido de que algo sagrado foi mal utilizado para um
gesto político", denunciou na rádio pública NPR Mariann Budde, episcopisa
da diocese de Washington, à qual pertence a igreja de Saint John, que Trump
visitou.
O presidente usou
"o poder simbólico do nosso texto sagrado, segurando-o na mão como se
fosse uma reivindicação de suas posições e sua autoridade", acrescentou
Budde.
A Igreja de Saint
John, um edifício histórico perto da Casa Branca, é um templo episcopal
protestante que foi danificado no domingo à noite em meio aos protestos.
Mas na segunda-feira
os manifestantes protestavam pacificamente quando foram dispersados com bombas
de gás lacrimogêneo para que Trump caminhasse por alguns metros entre a Casa
Branca e o templo, onde posou para fotos.
O protesto e a
repressão foram transmitidos ao vivo em muitas emissoras, então as críticas
vieram rapidamente.
"Naquele momento,
o protesto era totalmente pacífico", disse Budde. "Não havia
justificativa para isso", acrescentou.
Na segunda-feira,
antes de visitar o templo, Trump adotou um tom marcial em um discurso solene à
nação, no qual ameaçou mobilizar os militares para reprimir os maiores
protestos raciais vistos no país desde os anos 1960.
Milhares de pessoas
têm ido às ruas protestar desde 25 de maio, quando George Floyd, um cidadão
negro de 46 anos, morreu quando era detido pela polícia em Minneapolis.
Os protestos foram em
grande parte pacíficos, mas houve tumultos à noite, apesar do toque de recolher
imposto em várias grandes cidades.
Outros líderes da
Igreja Episcopal dos Estados Unidos denunciaram a visita de Trump como "um
evento embaraçoso e moralmente repugnante".
"Simplesmente
pelo fato de segurar uma bíblia fechada, ele acreditou que ganharia o apoio dos
cristãos", disseram os bispos da Nova Inglaterra, uma região na costa
leste dos Estados Unidos, em um comunicado.
O
presidente dos EUA, Donald Trump, e a primeira-dama, Melania Trump, visitam o
Santuário Nacional São João Paulo II em 2 de junho de 2020 em Washington, DC.
Brendan Smialowski / AFP
Indignação
católica
Na terça-feira, o
magnata republicano, que busca a reeleição em novembro, visitou o santuário
nacional S. João Paulo II, localizado na capital do país, onde se concentraram
cerca de dois mil manifestantes, alguns dos quais empunhavam cartazes e rezavam
o terço. A presença dele gerou desconforto entre os líderes católicos.
"Considero
desconcertante e repreensível que qualquer instalação católica se permita ser
tão flagrantemente usada e manipulada de uma maneira que viola os nossos
princípios religiosos, que nos apelam a defender os direitos de todas as
pessoas, mesmo aquelas com quem possamos discordar", disse o arcebispo de
Washington, Wilton Gregory, em comunicado.
"O papa João
Paulo II foi um fervoroso defensor dos direitos e dignidade dos seres humanos.
O seu legado é testemunha vívida dessa verdade. Ele, certamente, não toleraria
o uso de gás lacrimogêneo e outros meios para os silenciar, dispersar ou
intimidar por uma oportunidade fotográfica diante de um local de culto e
paz", acrescentou.
No domingo, o prelado
tinha-se juntado ao coro de vozes que, dentro da Igreja, manifestaram revolta
pela morte de George Floyd, sufocado por um agente da polícia em Minneapolis,
no dia 25.
"São João Paulo
II afirmou que o racismo é um pecado. E nós pensamos que o presidente está a
promover políticas racistas. Estamos aqui para dizer 'Black lives matter'"
"Muitos de nós
lembram-se de incidentes semelhantes na nossa história que acompanharam o
Movimento dos Direitos Civis, nos quais vimos repetidamente na televisão e em
fotografias de jornais negros americanos brutalizados pela polícia. Esses
momentos históricos contribuíram para despertar a nossa consciência nacional
para a experiência afro-americana nos Estados Unidos, e agora, em 2020, ainda
continuamos a ver incidentes repetidos de brutalidade policial contra
afro-americanos. Deparamo-nos novamente, neste momento nacional, com o
despertar da nossa consciência através de fotos e vídeos desoladores que
confirmam claramente que o racismo ainda persiste no nosso país", apontou.
O diretor executivo da
Rede de Ação Franciscana, Stephen Schneck, também reprovou a visita de Donald
Trump: "É absolutamente inapropriado o presidente dos Estados Unidos estar
usando um espaço católico como o santuário para uma foto com vista à sua
reeleição. Temos de insistir que a Igreja católica nos Estados Unidos deve
manter distância de uma pessoa que não representa nada do que a nossa Igreja
representa".
"São João
Paulo II afirmou que o racismo é um pecado. E nós pensamos que o presidente
está promovendo políticas racistas. Estamos aqui para dizer 'Black lives
matter' (vidas negras importam); estamos aqui para dizer que, a menos que as
coisas mudem, vamos ser destruídos como país", frisou irmã Marie Lucey,
que se juntou aos manifestantes reunidos diante do santuário visitado por
Trump, evento planeado antes da morte de George Floyd.
A diretora-executiva
da Network, lóbi católico ligado à justiça social, irmã Simone Campbell,
declarou que Trump "está agora usando a fé católica noutra operação
fotográfica para defender a sua recusa horrível de combater o racismo e a
violência policial nos Estados Unidos. Ele está tentando criar uma falsa
dicotomia entre manifestantes pacíficos e a Igreja. Isso não pode estar mais
longe da verdade, e qualquer cristão que acredita nisso não entende a mensagem
de Jesus".
O papa Francisco
sublinhou nesta quarta-feira (3) que se une à oração "pelo repouso da alma
de George Floyd e de todos os outros que perderam a vida por causa do pecado do
racismo".
"Rezemos pelo
conforto das famílias e dos amigos dilacerados, e rezemos pela reconciliação
nacional e a paz a que aspiramos. Nossa Senhora de Guadalupe, Mãe da América,
interceda por todos aqueles que trabalham pela paz e a justiça na vossa terra e
no mundo", disse aos peregrinos de língua inglesa no final da audiência
geral realizada no Vaticano.
O prefeito do
Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Integral, o cardeal ganês Peter
Turkson, frisou, também esta quarta-feira, que "quando se verificam
situações que vão radicalmente contra a dignidade humana, que se lhe opõem ou a
matam, isso torna-se fonte de grande proecupação".
"É neste contexto
que o presidente da Conferência Episcopal dos EUA, ao refletir sobre esta
situação, afirma que as desordens nas cidades dos EUA refletem a justificada
frustração de milhões de irmãos e irmãs que, ainda hoje, vivem a humilhação, a
mortificação, a desigualdade de oportunidades só por causa da cor da sua pele",
assinalou.
O responsável apoia a
atitude do irmão de George Floyd, que defende o protesto civil não-violento, e
recordou o legado de Martin Luther King, lembrando que é também necessário
"o perdão": "Creio que esta é a maneira com a qual podemos enobrecer
a memória de George Floyd".
Nenhum comentário:
Postar um comentário