quarta-feira, 1 de julho de 2020
A BIBLIOLATRIA DE VÁRIOS EVANGÉLICOS
Tratar
o texto bíblico como amuleto ou, ainda, rejeitar a
Tradição
cristã está muito longe daquilo que Jesus anuncioue
também
da proposta da Reforma Protestante (Unsplas Ian Espinosa)
O cristianismo não deve se ver como
religião do livro, mas se assumir como religião da Palavra
Todo mundo que conhece
um pouco a respeito da Reforma Protestante sabe o valor que é dado ao texto
bíblico. O princípio da Sola Scriptura de Lutero, que afirma
terem as Escrituras primazia sobre a Tradição (no caso de conflito em relação à
doutrina cristã) foi, sem dúvida, uma das principais mudanças trazidas para o
cristianismo por todo o movimento reformador.
A ênfase nas
Escrituras, por sua vez, ao longo da história do protestantismo, foi criando a
ideia de que a Tradição como um todo deveria ser rejeitada, não importando em
nada para a fé. Embora não tenha sido essa a proposta de Lutero, hoje é muito
comum e grande o desprezo de muitos cristãos, principalmente evangélicos, por
esse tema. Muitas vezes se considera, erroneamente, a Tradição como sinônimo de
idolatria.
No entanto,
curiosamente se nota que a ênfase no texto bíblico se transformou, para muitos
evangélicos, na idolatria que tanto condenam no catolicismo. É muito comum a
bibliolatria no meio evangélico, principalmente entre aqueles e aquelas que
usam versículos bíblicos como uma espécie de amuleto, na esperança de que a
bíblia aberta em alguma passagem (geralmente o salmo 23 ou o 91) previna de
algum mal acontecer ao seu lar; ou ainda, que um versículo pregado na traseira
do carro evite seu roubo ou alguma avaria. Essa visão mística a respeito do texto
bíblico, infelizmente, ainda é muito recorrente, o que revela uma incompreensão
a respeito do que ele vem a ser.
Da mesma forma, é
comum a pregação de sua literalidade, sem se atentar para o fato de que o
próprio texto traz em si diversas incoerências e até mesmo posições
contraditórias (basta, para isso, tomar os escritos da Lei e os Evangelhos para
perceber que não poucas vezes Jesus agiu indo contra as pregações
fundamentalistas dos fariseus que consideravam o texto mais importante do que
os ensinamentos que nele se encontravam). Essa literalidade, por sua vez, tem
como consequência a repetição daquilo que diversas religiões fundamentalistas
de cunho textual fazem: assumirem-se como detentoras de um texto revelado e,
por isso mesmo, responsáveis por converterem todas as pessoas que não pensam da
mesma forma naquilo que suas escrituras sagradas afirmam. Com isso, tornam-se
intolerantes e não raras vezes cruéis, seja em nível físico, seja em nível
psicológico, para com as pessoas consideradas infiéis.
O Evangelho anunciado
por Jesus, no entanto, segue na direção contrária a esse raciocínio e o próprio
movimento inaugurado por ele não se entendeu como uma religião do livro, antes,
como a religião da Palavra de Deus que se fez carne. Ou seja, o cristianismo, a
religião que surge a partir da compreensão da mensagem de Jesus, jamais deveria
angariar para si o desejo de ser uma religião do livro, mas, sim, afirmar-se
por meio de seus atos como a religião da Palavra. Reconhecer a verdade como uma
pessoa (Jo 14,6), assim, deveria fazer com que toda soberba e toda pretensão de
conhecimento absoluto caísse por terra, visto que o caráter da pessoalidade é,
justamente, sua impossibilidade de ser conhecida em sua inteireza, sendo essa
também a característica do próprio Deus que é infinitamente maior do que aquilo
que nossas definições sejam capazes de dizer sobre ele.
Tratar o texto bíblico
como amuleto ou, ainda, rejeitar a Tradição cristã está muito longe daquilo que
Jesus anunciou e também da proposta da Reforma Protestante, quando anunciada
por Lutero. Nesse sentido, recuperar a característica de ser uma religião da
Palavra é fundamental caso a teologia cristã queira ser uma voz digna de ser
ouvida na sociedade atual.
Longe dos
rigorismos dos textos, a pessoa de Deus, que é amor, é reconhecida por meio dos
atos concretos de amor ao próximo. Ser religião da Palavra é, portanto, afirmar
a mensagem de Jesus, a Palavra, levando a boa nova de que Deus se importa com a
humanidade e, em seu amor, deseja se relacionar novamente com ela.
*Fabrício Veliq é protestante e
teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em
Filosofia e Licenciado em Matemática (UFMG) E-mail: fveliq@gmail.com. Site:
www.fabricioveliq.com.br
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