A
qualidade do sistema democrático depende de sua conformidade com a lei moral,
que deve reger o comportamento humano
Os
estudos analíticos indicam: todo método é indispensável, pois nenhum é completo.
Isso porque a verdade não tem dono. Todo indivíduo há de fazer-se
"caçador" da verdade, crescendo sempre na consciência de que cada
pessoa é um peregrino aprendiz: isso exige permanente abertura para o diálogo.
Assim, evita-se o risco de perder o rumo da verdade e tomar caminhos que levem
a escravizações. A convicção de que a verdade não tem dono precisa orientar a
organização de um povo, em sua complexidade. Essa organização requer um sistema
capaz de cultivar, permanentemente, o diálogo construtivo, respeitando
princípios e valores que não podem ser relativizados. Um sistema que garanta o
respeito à dignidade de cada pessoa, fortalecendo e ampliando o exercício da
cidadania. Eis, pois, algo que define o sistema democrático: permanentemente
promover a participação cidadã, possibilitando aos governados a capacidade de
escolher e controlar os próprios governantes.
É
um atentado à democracia restringir a participação cidadã, com a consequente
usurpação do Estado na defesa de interesses particulares ou ideológicos. A
Doutrina Social da Igreja Católica, por isso, defende que uma democracia só é
autêntica quando edificada em um Estado de direito, alicerçada sobre as bases
de uma adequada concepção sobre a pessoa humana. Há de se considerar e
respeitar as subjetividades que integram a sociedade. Isto significa investir
em estruturas de participação social e corresponsabilidade. Nenhuma pessoa, em
nome de uma convicção, pode se achar no direito de afrontar a democracia,
agredi-la com a promoção de autoritarismos. Também não é aceitável combater o
sistema democrático para definir, por imposição, quem irá exercer o poder,
rifando a participação cidadã que demanda uma construção educativa permanente.
A
participação cidadã requer que sejam aceitos, com convicção, os valores e
princípios que sustentam a própria democracia. Nesse horizonte, não se pode
apagar a referência fundamental ao bem comum, que deve orientar as ações na
vida política. Nos parâmetros da democracia é, pois, inadmissível desconsiderar
a sacralidade e a dignidade das pessoas – os direitos de cada ser humano
precisam ser respeitados. Não são aceitáveis, consequentemente, obscurantismos
nascidos de fixações que venham a relativizar valores e princípios
indispensáveis na proteção e promoção da vida. A Doutrina Social da Igreja
Católica adverte que o relativismo ético é grande risco para as democracias.
Esse relativismo cria a ilusão de que inexiste um critério objetivo e universal
para se estabelecer uma correta hierarquia dos valores.
Há,
pois, dois extremos que igualmente ameaçam a democracia: por um lado, existe a
ilusão de que podem ser alcançadas conquistas sociais de modo mais acelerado
abrindo mão das etapas inerentes ao sistema democrático. Isso leva a
autoritarismos e a escolhas cegas, equivocadas. Por outro lado, é
tremendamente arriscado pensar que o agnosticismo e o relativismo ético possam
alicerçar comportamentos idôneos, que garantam políticas mais democráticas.
Ambas as tendências podem levar a instrumentalizações para se conquistar poder
e contemplar interesses particulares, desrespeitando o bem comum e a dignidade
de cada pessoa. A qualidade do sistema democrático depende, assim, de sua
conformidade com a lei moral, que deve reger o comportamento humano. E o
indispensável equilíbrio que a moral confere à democracia incide também no
equilíbrio entre os poderes no Estado. Dessa forma, a vontade arbitrária dos
homens perde espaço – prevalece a soberania da lei.
A
democracia necessita de uma representação política assentada sobre componentes
morais inegociáveis. Entre esses componentes, governantes dispostos a
compartilhar dos mesmos problemas enfrentados pelo povo para, juntos, buscarem
a solução dos desafios sociais. Para equilíbrio e qualidade do sistema
democrático é imprescindível à autoridade política cultivar ainda uma adequada
compreensão sobre poder: forma de servir ao povo, o que exige as virtudes da
paciência, caridade, modéstia, moderação, esforço de partilha, a serviço do bem
comum, acima da busca por prestígio ou pelas vantagens pessoais. A democracia
também pede que a população não se deixe manipular – busque, cotidianamente,
qualificar-se para o exercício da cidadania. Nesse processo de qualificação,
importante não permitir desmandos e nem eleger quem afronta o próprio sistema
democrático. Os horizontes da democracia são largos, trabalhosos, incluindo
processos educativos permanentes, correções oportunas. Esses horizontes
desafiam a sociedade, os representantes do povo. Todos, no caminho de um
desenvolvimento integral e da promoção da dignidade humana, busquem alinhar-se
à democracia.
Dom
Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, MG - Brasil. Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma (Itália) e mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma (Itália). Membro da Congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé. Dom Walmor presidiu a Comissão para Doutrina da Fé da CNBB. Também exerceu a presidência do Regional Leste II da CNBB - Minas Gerais e Espírito Santo. É o Ordinário para fiéis do Rito Oriental residentes no Brasil e desprovidos de Ordinário do próprio rito. Autor de numerosos livros e artigos. Membro da Academia Mineira de Letras. Grão-chanceler da PUC-Minas. Dom Walmor escreve toda sexta-feira para domtotal.
Fonte:domtotal
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