Dom
João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo de Montes Claros
A história de Jesus de Nazaré deixa muitas interrogações para aqueles que têm
em suas mentes e corações a imagem de um Deus revestido de glórias, senhor de
exércitos, sentado em trono glorioso, com vestes luxuosas, com coroa de ouro e
pedras preciosas, cercado de servidores… Ao contrário disso, Deus se fez homem
no ventre de uma jovem, foi dado à luz numa estrebaria, deitado em uma
manjedoura. Quando criança foi perseguido por Herodes e foi, com seus pais, um
refugiado. Nasceu como pobre e cresceu entre os pobres da Galileia. Foi vítima
do preconceito por ser filho de carpinteiro. Ao iniciar seu ministério, depois
de ser batizado por João, chamou seus primeiros discípulos entre rudes
pescadores. Não tinha sequer onde reclinar a cabeça. Quase nada possuía.
Inclinou-se para lavar os pés de seus discípulos. Condenado à morte de cruz,
foi despojado de suas vestes, coroado de espinhos. Até o túmulo onde foi
sepultado era emprestado.
A Igreja nascente fez caminho parecido. Os apóstolos foram perseguidos e
martirizados. Um número incontável de cristãos derramou seu sangue, “semente de
novos cristãos” no dizer de Tertuliano. Ultrapassando séculos e milênios, houve
períodos em que muitos na Igreja se distanciaram do projeto de Jesus: pobreza, profecia,
diaconia. No entanto, nunca faltaram verdadeiros ícones para lembrar do caminho
ensinado por Jesus de Nazaré, o Filho do Deus vivo. Francisco de Assis, Vicente
de Paulo, Charles de Foulcaud, Teresa de Calcutá, Dulce dos Pobres, Hélder
Câmara, Luciano Mendes, Jean Vanier, Júlio Lancellotti, são alguns entre uma
multidão daqueles que compreenderam Jesus e sua mensagem e abraçaram a
vulnerabilidade humana como lugar da experiência do amor de Deus.
Sim. Custa-nos muito contemplar Jesus vulnerável. Melhor seria tê-lo sempre
glorioso. Custa-nos mais ainda contemplá-lo vivo nos vulneráveis da história.
As palavras do Senhor, no capítulo 25 do evangelho de Mateus, parecem não nos
convencer de que ele está nos pequeninos e pobres, nos enfraquecidos e
marginalizados, nos descartados e oprimidos. Quando se trata de estar com os
pobres e experimentar a mesma sorte deles são poucos os que se arriscam.
Numa sociedade que exalta o sucesso a todo custo, que elege o luxo como
expressão do belo, que gasta quantias milionárias em esportes caríssimos, que
cultua o conforto como objetivo de vida, que cria todos os dias sonhos de
consumo, urge o resgate da espiritualidade cristã, da vulnerabilidade. Jesus
apontou que o essencial está no amor e, por isso, seu mandamento novo é a ordem
de amar como ele amou, isto é, entregando a própria vida, derramando-a
cotidianamente em favor da vida ameaçada e ferida. Para os cristãos, não há
outro caminho senão amar como Jesus amou e abraçar a sua cruz e com ela os
crucificados. Para isso é necessário purificar o olhar, a mente e o coração das
visões de um Deus cujo poder se confunde com as forças deste mundo. Como Jesus,
é preciso viver a “kenosis”, isto é, o esvaziamento, o despojamento para dar
espaço ao verdadeiro amor que será sempre vulnerável. Os místicos e os profetas
compreenderam bem isso. Eles encontraram nas chagas de Jesus crucificado a
expressão de um Deus ferido de amor, de um Deus vulnerável. E é esta a força
revolucionária da fé cristã.
Fonte:cnbb.org.br
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