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Como
a ânsia de se garantir um lugar no paraíso, infelizmente
,
ainda é a grande tara do movimento cristão, discursos
fundamentalistas
agradam muito. (Unsplash/ John Price). |
Agarrar-se
a algo que traz certezas bem definidas é um convite bastante tentador
O fundamentalismo religioso é algo crescente no mundo contemporâneo. Não somente o de matriz evangélico-cristã, mas também os que existem em várias outras religiões. Geralmente associados a uma espécie de nacionalismo, têm sido utilizados em campanhas eleitorais de cunho conservador para atrair uma parcela da população que tem na religião seu ponto de apoio e regra de vida.
A questão que surge é:
por que o discurso fundamentalista ganha tantos adeptos na contemporaneidade,
quando se tem cada vez mais acesso à informação, ao conhecimento do universo,
das culturas e das sociedades? Mesmo em países considerados "mais
desenvolvidos", esse crescimento também pode ser observado. De certa
maneira, isso joga por terra o velho discurso colonial eurocêntrico, em que o
restante do mundo precisa ser educado na racionalidade e, portanto, seria
carente de salvadores que instruíssem nos caminhos verdadeiros.
Se esses movimentos
fundamentalistas crescem independentemente da região do globo, deve haver algo
que torna seu discurso atrativo. Talvez esse fascínio se dê pelas certezas que
trazem. Afinal, todo fundamentalista tem como certo aquilo que deve ser feito,
bem como o modo de se fazer e o que é requerido pela divindade a qual se segue.
Está tudo lá de maneira clara e objetiva. Até mesmo as recompensas e as
condenações estão bem delimitadas, podendo, muitas vezes, ser critério para o
ranqueamento de fieis, classificando-os como mais perto ou longe do que se
considera realidade última e sentido da existência. Embora em nosso país
estejamos mais acostumados a ver o fundamentalismo no cristianismo, isso não é
característica exclusiva sua.
Contudo, nesse caso
específico, ainda há um livro que, de acordo com as posturas fundamentalistas,
seria indefectível e palavra ipsis litteris de Deus. Isso
agrava ainda mais o cenário, dado que é difícil discutir contra os argumentos
"Deus disse" ou "Deus quis dessa forma".
Uma vez que vivemos em
uma sociedade com relações cada vez mais líquidas – consequência de um
capitalismo feroz e um modo de vida baseado no consumo –, na qual as certezas
são constantemente questionadas por todos os lados, e considerando que grande
parcela da população cristã liga o termo fé a "ausência de dúvidas",
não é difícil entender o porquê de tamanha adesão ao conservadorismo e
fundamentalismo. Afinal, esses movimentos propõem as respostas e os modos
corretos de se fazer as coisas.
Diante do vazio no
qual o sujeito contemporâneo ocidental se encontra, agarrar-se a algo que traga
certezas bem definidas é um convite bastante tentador, mesmo que tais
movimentos neguem a mensagem cristã – muito embora eles atribuam a si a
característica de portadores da "verdadeira mensagem de Deus", que
levará todas as pessoas que as seguirem para um lugar chamado céu. Como a ânsia
de se garantir um lugar no paraíso, infelizmente, ainda é a grande tara do
movimento cristão, tais discursos fundamentalistas agradam muito.
A mensagem de Jesus,
porém, não tem a ver com certezas, mas com compromisso e entrega ao próprio
Deus e, consequentemente, ao próximo que carece de nós. Esta atitude é a única
comprovação possível de que realmente se ama a Deus, como nos mostra a carta de
1 João, em seu capítulo 4. Nesse cenário, o anúncio evangélico de que Deus ama
a todos, independentemente do que fazem (colocando até mesmo as pessoas
consideradas escórias da sociedade em primeiro lugar no Reino de Deus), e que
sua graça é ofertada sem demandar nada de volta de ninguém, soa como discurso
absurdo, libertino e comunista para muitos fundamentalistas, como algo que visa
desvirtuar a vontade divina para a humanidade.
Diante disso, vale
lembrar que Jesus também foi considerado assim pelos fundamentalistas de seu
tempo, tendo sido acusado por eles de ser o blasfemo contra Javé, deturpador da
fé que acreditavam ser a verdadeira e, portanto, digno de morte.
Tomando tudo isso em
consideração, somente uma teologia que recupere a boa nova do amor de Deus, que
está muito além dos fundamentalismos textuais e religiosos, é capaz de fomentar
o mesmo movimento revolucionário e não violento que foi o de Jesus. O filho do
carpinteiro, nascido no meio do povo simples, animado pelo Espírito, mostrava
que era possível uma sociedade diferente, na qual não havia rico ou pobre,
livre ou escravo, servo ou senhor, visto que, no novo Reino que há de vir, toda
desigualdade é suplantada. É com base nessa esperança que se deve buscar hoje
uma sociedade que traga as marcas daquilo que se crê ser o governo de Deus
sobre o novo céu e a nova terra, nos quais habita a justiça.
*Fabrício Veliq é protestante e
teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em
Filosofia e Licenciado em Matemática (UFMG) E-mail: fveliq@gmail.com. Site: www.fabricioveliq.com.br
Fonte: domtotal.com
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