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Quando
no número de vítimas da Covid-19 chegou a 10 mil,
foi decretado luto oficial de três dias no
Congresso Nacional.
Atualmente
o número supera 61 mil (Roque Sá/Agência Senado) |
Há um clamor silencioso, mas
ensurdecedor, que vem do luto das famílias de vítimas da Covid-19
O mundo acompanha, pelos
meios de comunicação, a dor do luto sofrida, anonimamente, por uma grande
multidão, revelando, de maneira desconcertante, o sofrimento humano, provocado
pela pandemia da Covid-19. Muitas famílias sequer tiveram a oportunidade para
se despedir de seus entes queridos. Uma dor sem bálsamo, um peso necessário
ante as exigências para a prevenção de novas contaminações. Há, pois, um clamor
silencioso, mas ensurdecedor, que vem do luto dessas famílias. Esse clamor deve
sensibilizar a sociedade, para que seja adotada a lógica da compaixão
solidária, capaz de aliviar a dor dos enlutados e de promover a aprendizagem de
um novo jeito de viver.
É preocupante a
indiferença em relação ao luto vivido pelo outro. Essa indiferença, entre
tantas outras, aumenta ainda mais o risco de um colapso humanitário. A
insensibilidade para a dor do outro, que é irmão, impede a construção de um
tempo novo para a humanidade, pois leva à banalização da vida – um dom
precioso. Sua preciosidade deve ser tratada com ternura, nobre reverência e
sempre a partir de gestos solidários entre as pessoas. É nessa perspectiva da
solidariedade que se deve, inclusive, lidar com as muitas perdas que fazem
parte da vida. No caminho oposto – o da indiferença – é ainda mais difícil
passar pelo luto, não somente aquele provocado pela morte, mas também pelo fim
de ciclos. Cegamente, muitas vezes, as pessoas não aceitam nem a perda daquilo
que, na verdade, constitui oferta para o bem de todos. Em vez da consolação,
essas pessoas cultivam a revolta.
O luto é inevitável nas
circunstâncias da vida humana, mas pesa muito mais aquele que se origina nas
irresponsabilidades, a exemplo do que é imposto pela atual pandemia. O luto
torna-se especialmente pesado quando não é vivido adequadamente, pois não se
alcança a sua fecundidade dolorosa, a força de redenção que surge nos limites
próprios da condição humana. Não se pode tratar o luto com indiferença.
Trata-se de experiência a ser vivida considerando a singularidade de sua dor, a
consolação que se recebe das pessoas próximas, a oportunidade para aprendizados
e qualificação da própria existência, alcançando sentidos profundos sobre o dom
da vida.
Assim é o luto cristão,
caminho experiencial terapêutico que se distingue por estar fundamentado na
esperança. Essa experiência no contexto da fé cristã é convite a vislumbrar,
para além da separação terrena, o reencontro com Deus. Os cristãos consideram
seus falecidos não como pobres mortos – eles são os que nos precedem e nos
esperam diante de Deus. A morte provoca uma separação muitas vezes desconcertante.
Há os que ficam extremamente desconsolados e até deixam de enxergar sentido na
vida. O luto cristão se assenta na certeza da vida pós-morte. Assim, reorienta
o viver de enlutados, ajuda a permear o coração com recordações consoladoras
dos que morreram. E, mesmo na impossibilidade do contato, na invisibilidade,
continua forte a presença de quem parte, ajudando a superar tristezas e
angústias dos que ficam.
A fé cristã leva à
certeza da vida eterna, conquistada com Jesus – Filho de Deus. Sua morte e
ressurreição abriram as portas da vida que nunca passa. A morte é um trânsito
pascal, significação luminosa que devolve a certeza de uma vitória definitiva.
Essa certeza, se cultivada, ameniza a sensação de fracasso que a perda e a
partida sempre trazem. A dor da morte impõe sempre o luto, alguns ainda mais
dolorosos, sobretudo por circunstâncias incompreensíveis à racionalidade
humana. O cristão também sente o trauma da morte biológica, com as suas
angústias e sofrimentos, mas deve deixar-se orientar sempre por uma luz
amorosa: a vitória da vida sobre a morte, bálsamo para a dor humana. No caminho
indicado por essa luminosidade, os que professam a fé em Jesus devem se
comprometer com a vida, zelar por ela em todas as suas etapas. Isto inclui
saber sobre a tarefa cristã de se dedicar aos enlutados, sensibilizar-se ante a
dor do próximo, que é irmão, tratando-a com o bálsamo da consolação e da
solidariedade.
Neste contexto
contemporâneo de tantas feridas, de corações tomados pela dor, é urgente que
cada pessoa busque ser presença solidária, compartilhando palavras que devolvam
a esperança. Trata-se de cumprir missão paraclética, isto é, consoladora,
responsabilidade de todos – uns cuidando dos outros, unidos, para levar luz aos
momentos de luto e aliviar a dor humana.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Fonte:domtotal.com
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