“Mas, quando o sol apareceu as plantas, ficaram queimadas e secaram,
porque não, não tinham raiz,” (Mt 13,6)
As parábolas são um relato provocativo e aberto, que envolvem o ouvinte
ou o leitor; elas não exigem explicações, mas uma resposta pessoal, vital; move
a assumir uma atitude frente a alternativa de vida que propõem. Se não toma uma
decisão, é sinal que a pessoa já definiu sua postura: continuar com a própria
maneira de ver e viver a realidade.
O objetivo das parábolas é substituir uma maneira de ver o mundo, míope
e limitado, por outra, aberta a uma nova realidade, cheia de sentido e de
esperança.
As imagens de sementes, árvores, terreno..., dão o que pensar;
questionam nossa maneira de ser, nos convidam a descer ao nosso chão existencial, a
olhar o mais profundo de nós mesmos e da realidade que nos cerca, e descobrir
ali ricas possibilidades.
Cada planta procura
seu chão. Não se desenvolve em qualquer lugar. Exige nossa atenção: é preciso
conhecer o chão onde
ela é plantada, observá-la, cuidá-la...
Cada chão tem
uma palavra a nos dizer; o novo vem das raízes, vem de
baixo, da base, do chão. Na experiência espiritual, somos motivados
a mergulhar no terreno da interioridade, como as raízes na obscuridade da
terra, na presença do silêncio.
Aqui o caminho para Deus é “descer” ao
nosso próprio chão e
viver a comunhão universal. Subimos rumo ao Transcendente quando descemos ao
nosso chão da
vida. O movimento de enterrar profunda-mente as raízes possibilita alcançar a
seiva, o pulsar da vida e o equilíbrio.
Faz-se necessário, portanto, lançar raízes no mais profundo de nós
mesmos e despertar todas as energias criativas, todas as grandes motivações
adormecidas, toda bondade aí presente, toda decisão de assumir como
cooperadores e artífices de um novo tempo.
Temos uma identidade que funda suas raízes na família, no povo, na
cultura de origem. Outra, que provém das opções de nossa liberdade, de nossas
decisões. E um terceiro nível de identidade que nos vem da fé quando,
progressivamente, como uma árvore, vamos “subindo” em direção a um novo sentido
para nossa própria existência, deixando-nos conduzir pela força do Espírito
presente no chão de nosso eu profundo. Desse enraizamento é que surgem os
frutos surpreendentes, “à base de cem, de sessenta e
de trinta por semente”.
Somos, portanto, seres de enraizamento e
de abertura. “O ser humano é criado para...”, afirma S. Inácio. A raiz que nos limita é
nossa encarnação na realidade. A abertura que
nos faz romper barreiras e ultrapassar os limites, impulsionando-nos à busca
permanente por novos mundos, é nossa transcendência. Ninguém
segura os pensamentos, ninguém amarra as emoções, ninguém detém os sonhos... O
desafio consiste, então, em manter juntos o enraizamento e a abertura. Encarnados,
mas abertos à transcendência.
Nesse sentido, transcender não
significa fugir da própria realidade, mas mergulhar na própria condição humana; “transcender é humanizar-se”.
A tradição judeu-cristã fala em “trans-descendência”. Somos
convidados não apenas a superar e a voar para cima, mas, fundamentalmente, a
descer e a buscar o chão. É a experiência da Encarnação: o Deus que
envolve toda a realidade, emergiu do chão da realidade e da história. É o Amor que desce.
Ao entrar no “fluxo da descida” de Deus, somos desafiados a deixar a
superfície banal e descer às dimensões profundas da
nossa existência humana. Nessas águas, não nos afogamos; respiramos fundo e
revitalizamo-nos. Por isso, somos chamados a superar ambiguidades, a escolher
rumo construtivo, a definir nossa identidade pessoal e a optar por causas
humanas que nos fazem transcender.
Somos impulsionados a mergulhar na própria existência humana “misteriosa”, e contar com a
inteligência criadora, com a liberdade fecunda, com o coração ardente e com
mãos mobilizadas para o serviço.
Na “parábola do semeador”,
Jesus compara nosso interior com um campo dotado de diferentes “espécies” de
terra, mas habitado por uma semente de
vida. A semente é poderosa e eficaz. Mas estão em jogo nossa acolhida e nossa
receptividade: podemos permanecer no nível da superfície; podemos nos deixar
prender por outros interesses ou prioridades sensíveis; ou podemos nos abrir às
dimensões mais profundas de nós mesmos, à nossa “terra boa”, ao nosso
“bom lugar”. Lida dessa perspectiva, a parábola não nos deixa indiferentes;
motiva a nos questionar sobre a partir de onde nós estamos vivendo e, para
chegar à resposta adequada, convida a nos fixar nos frutos que saem de nós.
A experiência espiritual cristã implica, portanto, “mergulhar os pés no chão da vida”.
É na obscuridade da terra que a planta vai buscar a força que a manterá
viva, que lhe dará condição de expandir sua copa em direção à imensidão do céu.
As raízes mergulham na terra de modo profundo, silencioso e lento. Expressões
do nosso cotidiano como “pôr os pés no chão”, “estar com os pés na terra”, significam
enraizar-nos e comprometer-nos com a realidade que nos afeta.
No “chão”, à
primeira vista, estão todas as sujeiras, os detritos e as coisas em
decomposição. Mas, para as raízes, tudo isso significa o alimento da vida.
Um “chão” é
sempre mais do que um simples chão: cada “chão” revela lembranças, referências,
ansiedades, medos, saudades...; cada “chão” guarda histórias, presenças e tem
força de memória. Há vidas, pessoas, caminhos, acontecimentos, experiências...
Chão amplo é convite a sonhar alto, a pensar grande, a aventurar-se...;
ousar ir além, lançar por terra o modo arcaico de proceder, romper com os
espaços rotineiros e cansativos.
“Chão humano e humanizante”, porque carregado da presença divina.
É o ser humano mesmo o verdadeiro chão a partir do qual
Deus se deixa encontrar e se dá a conhecer; cada pessoa é o autêntico chão da eterna
presença de Deus.
Geralmente caímos na armadilha de acreditar que dar fruto é fazer obras
grandes. A tarefa fundamental do ser humano não é fazer coisas, mas “fazer-se”. “Dar fruto” seria
dar sentido à nossa existência de modo que, ao final dela, a criação inteira
possa estar um pouco mais perto da meta, graças à nossa presença nela. Não se
trata simplesmente de ativismo, mas de engendrar, de gestar algo novo, viver o
Evangelho como novidade. Uma coisa é ter êxito e outra é ser fecundos, gerar
vida.
Este é o desafio: gerar o novo a
partir de dentro de nós mesmos, como se o sugássemos da terra com nossas
raízes, para que nossas palavras e nossas ações sejam originais e criativas, e
revelem uma força transformadora, com impacto na realidade onde nos
encontramos.
Na fecundidade há
espaço para o “mistério”. A
fecundidade tem lugar no oculto, nas entranhas da terra. A fecundidade supõe
confiança e abandono, uma atitude aberta e serena, sem ansiedade nem tensão,
sem deixar-se desanimar pela insignificância dos primeiros resultados.
Viver em chave de fecundidade supõe
aceitar ritmos, tempos longos como se dão na natureza. As plantas necessitam
tempo para florescer e meses para crescer. Isto supõe excluir toda impaciência.
A fecundidade perdura
e aumenta com os anos, embora as forças físicas se debilitem.
Texto bíblico: Mt. 13,1-23
Na oração: “Pensamos e sentimos a partir
do lugar onde nossos pés estão plantados”. Onde
seus pés estão plantados? O seu “terreno cotidiano” tem facilitado ou
dificultado o surgimento de novos frutos?
- Vivemos em um contexto marcado pela cultura da superficialidade, da
aparência... Onde está enraizada sua vida? Ela tem se revelado como “terra
boa”, verdadeira e fecunda, de onde brotam novidades surpreendentes?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
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