A força da transformação, portanto, nós não a encontramos na superfície ou distante de nós, mas sim, nas profundezas (Joanna Kosinska / Unsplash)
"Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e
compra aquele campo" - Mt 13, 44
As parábolas são uma expressão de surpresa diante da vida, que
nos ultrapassa sempre, fazendo-nos capazes de pensar de um modo diferente,
captar o outro lado da realidade concreta e abrir-nos à dimensão da
transcendência. Dessa forma, elas recolhem e desvelam a vida real dos homens e
mulheres de cada tempo, movendo-os a assumir uma atitude mais aberta e mais
comprometida com a situação onde estão envolvidos. Isso significa acolher o dom
e a missão do Reino.
Em geral, as parábolas evocam experiências desconcertantes e em
quase todas elas se revela um dinamismo que rompe os esquemas
"normais" da vida, conduzindo o ouvinte (ou leitor) a um outro
patamar, mais inspirador e desafiante. Elas removem a vida, arrancando-a
da normose (normalidade doentia) e despertando outros recursos
internos, que não foram ainda mobilizados. Assim, esta mesma vida, começa a
adquirir um outro sabor e um outro sentido.
Reze conosco em Meu dia com Deus
O Evangelho deste domingo recolhe duas pequenas parábolas
fulgurantes de Jesus: uma do tesouro e outra da pérola. São relatos de uma
enorme eficácia. Elas nos situam frente a uma experiência desencadeante de
vida, frente à surpresa de Deus, e assim expõem e põem em marcha o caminho do
Reino. Elas também nos situam diante da máxima riqueza e exigem, ao mesmo
tempo, o maior desprendimento. São imagens que pedem radicalidade, ou seja,
"vender tudo" para adquirir o tesouro ou a pérola.
Mas, quase não percebemos que há um passo prévio: a descoberta,
a iluminação interior, o ver claramente. Tanto o caminhante pelos campos como o
comerciante de pérolas, vendem tudo porque se convenceram de que o investimento
valia a pena.
Nestas duas pequenas parábolas, são apresentadas duas opções
para que cada qual possa identificar-se: ou é aquele que encontra
inesperadamente o tesouro e compra o campo, ou é aquele que tem a vocação de
comerciante e percorre o mundo procurando pérolas preciosas.
Uns serão aqueles que vão passear, deixando-se surpreender pela
vida e pelos acontecimentos, sem perder a capacidade de assombro, de
entusiasmo, de admiração. A pessoa de nossa parábola, ao ser encontrada pelo
tesouro,"sai" de si para vender quanto tem, procura o proprietário e
compra aquele campo. Mas também percebemos que faz tudo isso a partir de
dentro, como se houvesse conectado com algo pessoal e íntimo, que lhe permite
"sair" do mais profundo de si mesmo. E esse duplo movimento é
carregado de uma plenificante alegria.
Outros serão de mentalidade "comercial": encantam-lhes
a aventura, a busca, a estratégia. Não nasceram para estar quietos, nem para se
conformar com boas e bonitas pérolas. O específico seu é continuar viajando e
buscando sempre a pérola maior até encontrá-la. E quando a encontram,
compram-na, e continuam buscando sempre. Porque isso é próprio de um
comerciante: apostar, comprar, vender, às vezes ganhar, outras vezes perder...
A pérola também sai ao encontro daquele que busca.
A decisão e o risco que assumiram, tanto o comerciante de
pérolas quanto o nosso caminhante pelos campos, mudaram suas vidas. O tesouro e
a pérola continuarão sendo valiosos, quer eles vivam com fidelidade e paixão ou
não. O que os transforma não é o tesouro ou a pérola em si, mas a atitude e a
decisão que tomam, atraídos por eles. É um tesouro e uma pérola que exigem uma
transformação do antigo e conhecido passado para um novo e desconhecido futuro.
Quando a pessoa se fecha às surpresas da vida, ou quando deixa
de esperar algo bom e precioso, ela se invalida para ser descobridora de
tesouros ou buscadora de pérolas.
Para deixar-nos encontrar pelo tesouro e pela pérola é preciso
deslumbrar-nos, fascinar-nos, encantar-nos, apaixonar-nos. Parece simples, mas
é muito aberto e evocador. "Aquilo pelo qual nos encantamos mobiliza nossa
imaginação e acaba por deixar sua marca em tudo", dizia padre Pedro
Arrupe.
E como encantar-nos? Não é só questão de vontade, mas de viver
com os olhos abertos, atento à realidade, externa e interna, ser poroso para
que nos deixemos encontrar pela pérola preciosa e pelo tesouro escondido;
diante desta surpresa, não poderemos deixar de ficar fascinados.
E então, sim, estaremos dispostos a queimar barcos, vender tudo,
dar o salto. Talvez nosso maior problema é que, na realidade, o que nos
interessa são nossas posses, poder, objetos, apegos à auto-imagem e não
descobrimos ainda o tesouro escondido e a pérola fina, que não estão distantes
de nós; pelo contrário, encontram-se no mais profundo de nós mesmos.
"Descer" ao chão de nossa interioridade é a
oportunidade para descobrir regiões novas e novos horizontes, para conhecer o
reino interior, para encontrar a riqueza interior e assim experimentar a
transformação. O caminho para uma nova qualidade de vida passa pela
"descida" aos campos de nosso coração.
Isso requer coragem para passar por todas as regiões, mesmo as
sombrias, e chegar ao mais profundo. Mas essa descida nos possibilita descobrir
um mundo diferente que não conhecíamos, ou que havíamos perdido. Lá no fundo,
encontra-se um bem precioso que podemos levar conosco, que nos ajuda em nosso
caminho e que nos faz totalmente originais e criativos.
É preciso "descer" até o fundo para descobrirmos uma
nova riqueza para a nossa vida. É "descendo" que poderemos
revitalizar a vida que se tornara vazia e ressequida.
Trata-se de despertarmos, de escavarmos, de avançarmos em
direção ao "veio de ouro" e de sabermos que este não é nossa
propriedade; ele nos é oferecido como dom. Não basta falar de "pedra
preciosa", é também necessário "escavar" nosso "chão
interior", alargar nosso coração, garimpar em direção às riquezas que
estão no eu mais profundo, assim como o "fio de ouro" no meio dos
cascalhos.
Cada um de nós possui uma fonte inesgotável de
qualidades-habilidades; podemos dizer: "somos um presente", um valor
para os outros. A vida sempre está oculta nas profundezas. A pessoa superficial
é aquela que se confunde com suas ideias, coisas... A pessoa do "eu
profundo" é aquela que vive a partir da raiz, da fonte mesma da vida, e
deixa vir à tona todas as suas riquezas, dons, capacidades...
É no coração que existem, em abundância, os aspectos positivos
de nossa personalidade, os talentos naturais e as boas tendências. Aí se
aninham imensas riquezas que se exprimem de maneira diferente, dando a cada um,
uma fisionomia própria, um caráter único.
Esta região profunda coincide com o mundo das certezas, dos
valores, das ideias-força que formam o eixo da nossa existência, o melhor de
nós, o lugar de nossa recuperação e de nossa realização, o positivo que nos
solicita continuamente a nos tornar o que devemos ser.
A força da transformação, portanto, nós não a encontramos na
superfície ou distante de nós, mas sim, nas profundezas. Para ter acesso à
riqueza no interior de nós mesmos, podemos imitar, simbolicamente, os hábitos
dos pescadores de certo atol do Pacífico. Eles vivem pauperrimamente sobre uma
terra desprovida de vegetação e açoitada pelos ventos; mas o fundo do seu mar é
muito rico em pérolas.
Desenvolveram aí aptidões excepcionais para o mergulho; descem
sem qualquer aparelho, ao fundo do mar, localizam as pérolas, arrancam-nas,
trazem-nas para a superfície, atiram-nas no barco, para depois mergulharem de
novo.
Este é o caminho da verdadeira espiritualidade:
"descer" até o fundo, mergulhar no oceano interior onde estão
escondidas as pérolas que dão significado e sentido às nossas vidas. Encantados
com a descoberta, trazê-las à tona e colocá-las a serviço dos outros,
multiplicando-as.
Texto bíblico: Mt 13, 44-52
Na oração: Para realizar-te e desenvolver toda a tua potencialidade,
busca, na oração, cavar mais profundamente, até atingir as raízes de teu ser, o
núcleo original de tua personalidade.
Olha no profundo de teu coração, olha no íntimo de ti mesmo, e
pergunta: "tenho um coração que deseja o maior ("magis") ou um
coração adormecido pelas coisas? Meu coração conserva a inquietude da busca ou
deixa-se sufocar pelos apegos, que acabam por atrofiar-me?"
*Adroaldo
Palaoro é padre jesuíta e atua no ministério dos Exercícios Espirituais
Fonte:domtotal
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