quarta-feira, 12 de agosto de 2020

A SANTIDADE ESTÁ NO TUCUM E NA RENDA?



Por Guilherme Ribeiro

Em um mundo cada vez mais sem referências e num Brasil cada dia mais sem expoentes, despedimo-nos de dois grandes arautos dos valores cristãos: Dom Henrique Soares da Costa, bispo de Palmares e Dom Pedro Casaldáliga, prelado emérito de São Félix do Araguaia.


A morte destes homens, sentida de igual modo por seus admiradores, teve grande repercussão, não por eles mesmos, mas pela causa que eles empregaram suas vidas. Um senhor de 92 anos e o outro mais novo de 57, ambos ao serviço de Cristo e sua Igreja.


Dom Henrique ganhou espaço nas mídias com seu carisma nordestino, prosa mansa e convicta. Dizia verdades doa a quem doer. Tornou-se o “Leão de Palmares”, por meio de suas eloquentes falas, sermões, catequeses e alocuções. Foi um grande defensor da ortodoxia católica, da tradição religiosa e da hierarquia episcopal. Era o bispo da zona da Mata pernambucana, de batina preta, cruz no peito e solidéu. Andava a pé, cantava com o povo, abençoava sua gente, visitava os doentes, e um padre por ele ordenado me disse que tinha seus padres como verdadeiros filhos. Corrigia com amor e exortava suas qualidades, tudo pela edificação do Reino.


Dom Henrique foi um bispo a moda antiga. Teve a sabedoria e humildade de colocar o primado de Deus sempre afrente de suas ideias. Usava as insígnias episcopais, alvas rendadas e até casula romana. Os panos não fizeram ele melhor nem pior, mas a graça de Deus o fez um bispo santo para sua Igreja.


Dom Pedro, espanhol radicado no Brasil, missionário claretiano, inaugurou a missão de sua congregação na terra dos posseiros. Dos “grandes” gananciosos pelo poder e pela riqueza. Expoente da teologia da libertação, Dom Pedro teve sua vida gasta nas terras do Mato Grosso, na defesa da vida, dos mais pobres, dos desfavorecidos, dos indígenas e de todos aqueles quais o Cristo estaria do lado. 


Nunca vi ele paramentado com as insígnias, somente em uma visita ao Papa João Paulo II, ele usava a batina, que segundo um professor meu, foi emprestada de outro bispo porque ele não tinha. Talvez para ele isso não era importante, mas sempre trazia consigo uma cruz de madeira no peito e o anel de tucum no dedo. O anel de Tucum, longe do que hoje se entende e interpreta, vejo que para o prelado do Araguaia, era o sinal de sua causa e sentido de sua luta. 


Ele foi um bispo despojado, caminhava descalço, amante da natureza e da poesia. Longe de ser panteísta, era um homem que reconhecia em tudo e todos a presença de Deus. Comparava sua vida como um rio, que percorre longas distâncias, levando vida, esperança e tomando forma por onde passa. Seu despojamento, de modo especial o anel de tucum, não fez ele melhor nem pior, mas a graça de Deus o fez um bispo santo para sua Igreja.


Diante destes exemplos tão diferentes, recordo as Escrituras que diz: “...há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo...” (1Cor 12, 4ss). Cada um deles santificaram suas vidas a medida que viveram os ensinamentos de Cristo, não foram os aparatos externos que os santificaram. Jamais uma renda, uma insígnia, ou um anel de tucum santificará alguém! Mas o Espírito, que tudo vivifica e inspira, é quem santifica os que usam a renda e o tucum. Há pessoas não muito santas toda indumentada, como há pessoas pouco santas de tucum no dedo.


A polarização religiosa é um grande mal dentro da Igreja, já a diversidade de carismas é um dom e o respeito por ela é uma graça que somente quem fez experiência de Deus o tem. Este ou aquele modelo de Igreja quando imposto e tido como verdadeiro, já está longe do que propôs o Cristo. O apóstolo dos gentios nos exorta a examinar tudo e reter, ficar com o que é bom (1 Tessalonicenses 5,18-21). É uma excelente oportunidade para aprendermos deles que tudo fizeram por Cristo e que agora diante de Deus, são chamados a apresentar-se com suas santidades e pecados, com suas glórias e misérias.


São santos? Sim. São perfeitos? Não! Até que tudo se renove em novos céus e nova terra, rezemos por eles, para que Deus perdoe suas faltas e concedam-lhes sua misericórdia. Que seus exemplos nos inspirem e ajudem-nos a superar nossa débil mediocridade de comparação, competição e arrogância religiosa. 


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Guilherme Ribeiro da Silva

Poços de Caldas, 11 de agosto de 2020

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