“Maria ficou três meses
com Isabel; depois voltou para casa” (Lc 1,56)
Descobrimos
o sentido da Assunção de Maria não tanto contemplando o céu, mas a terra. Na terra
não veneramos a tumba de Maria, nem celebramos funerais por ela, ou em sua
memória. Embora possa parecer estranho, os santuários onde se venera a memória
de Maria são, para nós, não lugares funerários, mas fontes de vida, espaços
onde a sentimos vivente, mãe, mulher do serviço, cuidadora nossa.
Ascenção, Assunção são dois nomes que damos a esta experiência de presença
transformadora. Em Jesus, e a partir de Jesus, Maria também “é assunta” e se faz presente junto a seus
filhos e filhas. Sua bendita presença nos abençoa e nos enche de graça.
Maria
“foi assumida por Deus” porque “desceu” ao mais profundo da vida,
comprometendo-se e sendo presença solidária. Ela viveu a “assunção” em todos os
momentos de sua vida, de maneira especial, quando se deslocou em direção aos
outros. Por isso, o Evangelho, indicado para a festa de hoje, nos fala da “presença
visitante” de
Maria.
Maria
fecha a porta de sua pequena casa em Nazaré e inicia, apressada, o caminho para
a montanha, onde vivia Isabel. O impulso do seu coração movia velozmente seus
pés. Este relato nos mostra o que é “visitar”.
Maria
“saiu em visita” porque, antes, foi “visitada” pela presença surpreendente de
Deus. Ela entrou no fluxo do “Deus visitador”, prolongando e visibilizando as
visitas divinas. Ela foi “assunta” porque, nas suas “visitas”, ela “subiu e
desceu” em direção aos outros, numa atitude de serviço gratuito.
Maria
foi visitar; podia não ter ido. Isabel, com mais idade e grávida, seguramente
estava bem atendida. Mas, Maria foi... para estar, escutar, partilhar,
ajudar...
Visitar
implica mover-se, para perto ou para longe, sair, pôr-se em marcha; abandonar o
espaço de conforto, adentrar-se na realidade do(a) outro(a), na expectativa de
que este(a) outro(a) abra a porta de seu espaço e de sua vida, entrando em
profunda sintonia com quem o(a) visita.
É
uma ação pessoal, uma atitude aberta, um estar atentos aos detalhes da vida
próxima, do entorno. Visitar não conta nas estatísticas. É uma ação muito
silenciosa que não requer estruturas organizativas, nem contratuais. Visitar
exige irremediavelmente investir tempo, gratuitamente; quem tem tempo hoje para
presenteá-lo desinteressadamente?
A
pessoa visitada tem também sua vida “expandida”, pois, receber o(a) outro(a)
implica mudar a rotina do seu cotidiano, acolher a nova presença que vem,
dedicar atenção e escuta...
Se
re-lemos com atenção o relato de Lucas, encontraremos Isabel, a prima de Maria,
como protótipo de uma vida “visitada”, de uma existência que poderia fechar-se
na pequena felicidade de sua fecundidade surpreendente; no entanto, ela abriu
passagem a uma voz que vinha mais além dela mesma. Isabel escutou aquela voz e
soube reconhecer Maria como a nova Arca da Aliança que carregava a salvação
dentro dela. E Lucas realça o detalhe de que “a criança pulou de alegria no ventre de Isabel”.
Vamos
nos deixar conduzir por Maria e vamos com ela “de visita” à casa de Isabel,
para recuperar o sentido do “visitar” e “ser visitado” no nosso contexto atual.
Deus
visita a nós e visita através de nós, assim como Ele nos visita por meio dos
outros. Há uma infinidade de anjos mensageiros, cruzando nossos espaços
cotidianos, inspirando-nos, ajudando-nos, movendo nossas vidas a saírem de seus
lugares fechados, a romper muros, a ultrapassar fronteiras... A intolerância, o
medo do diferente, a suspeita, o preconceito... são a morte de toda
possibilidade de viver a “cultura da visita”.
Uma
característica de nossa sociedade é o individualismo, o fechamento narcisista
que nos centra e nos concentra em nosso “ego” como lugar preferencial de
atenção, dedicação, cuidado e investimento de quase todas as nossas energias
disponíveis. Neste contexto social em que vivemos, cada vez mais fragmentado e
individualizado, as relações vão se tornando líquidas, restando as
manifestações muito superficiais, reduzi-das, talvez, a um mero contato
tecnológico através das redes sociais.
Temos
a sensação de que, a partir de fora, tudo nos convida a viver
auto-referenciados e surdos às vozes que nos vem do mais além de nós mesmos.
Muitas forças externas a nós nos pressionam a reduzir nossa vida ao tamanho de
um “bonsai”, a atrofiar os desejos até reduzi-los aos pequenos bens acessíveis
e a conformar-nos com pequenas doses de prazer egoísta.
Mesmo
numa vida fechada, também aí irrompem as “visitações”; Maria, a “visitante” e
Isabel, a “visitada”, podem nos ensinar a reconhecer Aquele que nos visita e
vem a nós escondido no humilde e insignificante. Aquelas duas mulheres
grávidas, Maria e Isabel, cheias e fé e grandes expectativas, envolvidas no
silêncio da promessa de Deus, se encontram e no mesmo instante do abraço,
a palavra se faz presente com a intensidade da compreensão, da acolhida, da
alegria e da intimidade partilhada.
A
visita começa a dar fruto desde o primeiro instante se há uma boa
predisposição. A atitude de quem vai ao encontro e quem acolhe é elemento
primordial.
Elas
estavam felizes. Isabel gritou de júbilo e “a criança saltou de alegria em seu
ventre”. E Maria proclamou, exultante, a oração de louvor e agradecimento ao
Deus da Vida. “O Magnificat recolhe a prece da orante que se descobre, desde a humildade, fecundada por seu Senhor
dentro da História da Salvação” (Mari Paz Lopes).
O Magnificat é o grande resumo da
experiência de Maria; Magnificat não é um parêntese: supõe tudo o que Maria
viveu. É impossível conhecê-la sem saborear demoradamente estas palavras, que
são a tradução dos seus sentimentos íntimos diante da nobre missão de ser a mãe
do Salvador.
No
Magnificat, Maria canta a sua própria história. E isso nos desafia a fazer o
mesmo. Ninguém vive uma vida espiritual fecunda enquanto não for capaz de
construir a relação com Deus como um diálogo vivo entre um “eu” e um “Tu”. A
oração de Maria não é feita de fórmulas. Ela expõe a sua vida naquilo que diz.
Através
do Magnificat Maria vai ter a oportunidade de prolongar o seu “sim”, revelando que conhece bem as
suas implicações profundas. No Magnificat, Maria sai de seu silêncio e explica
o que significa o seu consentimento a Deus. E faz isso da forma mais simples e
verdadeira, interpretando primeiro a sua própria experiência de fé e
ancorando-se, depois, naquilo que a História da Salvação lhe ensina sobre a
ação de Deus e sobre a missão do Povo de Deus neste mundo.
Maria
permaneceu em casa de Isabel “três meses e voltou para sua casa”. Moveu-se,
investiu seu tempo e podemos imaginar quê maravilhosos três meses passaram
juntas, vendo como a vida crescia dentro delas, cuidando-se, rindo,
partilhando.... Deixemo-nos inspirar por este “ícone da Visitação”.
Texto bíblico: Lc 1,39-56
Na oração: Depois de empapar-se do evangelho deste dia é preciso
perguntar-se: “o que me inspira o ‘movimento’ de Maria visitando Isabel? E se
realmente, o fato de visitar, tem um significado em minha vida.
-
Diante da situação pandêmica, quê outras formas de visita poderiam ser
ativadas? São tantas as pessoas que estão esperando uma visita, mesmo
virtualmente. Há muitas carências de abraços e de afeto.
-
Recorde aqui as obras de misericórdia: duas delas se referem ao fato de
“visitar” – “enfermos e presos”.
Pe.
Adroaldo Palaoro sj
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