Nos últimos tempos temos vindo a assistir a pregadores que renunciam à Teologia da Prosperidade. Alguns até pedem perdão ao povo cristão porque concluem agora que estavam errados na sua tónica materialista, mas outros ainda resistem.
Uma
das figuras americanas mais conhecidas, Benny Hinn, declarou que o Evangelho
“não está à venda”, depois de passar vinte anos a pregar esta teologia, que
considera agora constituir uma ofensa a Deus ao “colocar um preço no
Evangelho”. Defende mesmo que tal teologia não se encaixa na Bíblia nem na
realidade.
Mas
será necessário que os pregadores da prosperidade venham a público reconhecer o
erro e pedir perdão às pessoas por pregarem um evangelho distorcido, para que
os cristãos abram os olhos? Que dificuldade haverá em discernir que esta
teologia é geograficamente localizada tratando-se de mais um produto religioso
“Made in USA”, tal como algumas vertentes religiosas bem conhecidas?
A
teologia da prosperidade é uma aberração capitalista. A ideia de que Deus tem
casas com piscina, aviões particulares e outras mordomias para distribuir a
granel é um insulto ao evangelho, que é centrado no Ser e não no Ter, essa tara
dos nossos dias. É sobretudo um insulto aos pobres, os quais Jesus declarou que
sempre existirão: “Porque os pobres sempre os tendes
convosco, mas a mim nem sempre me tendes” (João 12:8).
Aliás,
este episódio ilustra exactamente o contrário. Maria de Betânia decidiu ir
buscar um frasco de perfume caro, que representava uma espécie de reserva
financeira para o caso de alguma eventualidade inesperada, e derramou o líquido
sobre os pés de Jesus, ungindo-os em atitude de adoração. Judas Iscariotes, o
tesoureiro do colégio apostólico, apressou-se a censurar o acto, dizendo que
seria preferível tê-lo vendido e dar o dinheiro aos pobres. Mas o evangelho é
muito claro: “Ora, ele disse isto, não pelo cuidado
que tivesse dos pobres, mas porque era ladrão e tinha a bolsa, e tirava o que
ali se lançava” (João
12:6). A versão moderna do chico-esperto.
De
facto, sempre existiram e existirão grandes contrastes sociais e pobreza nas
sociedades, uma vez que as ideologias políticas nunca conseguiram criar
relações sociais justas, equitativas e com igualdade de oportunidades em
ambiente de liberdade. O ideal comunista falhou rotundamente em toda a parte do
mundo onde foi tentado. É por isso que se torna tão irresponsável criar a
ilusão de que qualquer um pode ser abastado apenas em resultado dum acto de fé,
como que por magia.
Mas
o sistema capitalista também está ferido de imensas injustiças e não passa de
outra forma de vender ilusões. Uma teologia que vende a ideia de que se
tivermos muita fé podemos ser ricos, não passa duma tradução do liberalismo
levado ao extremo e de uma aberração capitalista. De facto, o princípio bíblico “No
suor do teu rosto comerás o teu pão” (Génesis 3:19) parece omitir
toda a sorte de especulação, em especial a dos lucros derivados dos mercados
financeiros.
Paul
Collier dizia, em entrevista ao Expresso: “O capitalismo está eticamente nu e
será destruído se não mudar.” Este economista e professor da
Universidade de Oxford, pensa que a pandemia de covid-19 pode agravar ainda
mais a crise capitalista, já que se torna necessário “enfrentar
a ascensão do individualismo e a destruição do sentido de comunidade, bem como
o desvio das empresas de cumprirem objectivos sociais para apenas buscarem o
lucro”.
Ora,
é aqui que bate o ponto. O sistema capitalista, que por influência calvinista
inicialmente apresentava um rosto humano, tornou-se um sistema sem rosto e sem
coração, completamente cego e surdo ao clamor dos pobres. Do princípio
protestante do esforço, do trabalho sério e do investimento derivava uma vida
frugal, em que os lucros obtidos eram canalizados para o apoio social aos mais
pobres e para reinvestir, criando assim mais riqueza e oportunidades de
trabalho.
A
ética protestante não reservava aos investidores vidas de nababo, improdutivas,
totalmente à custa da força do trabalho alheio. Mas tudo isso se perdeu. Pelo
contrário, pensava-se que Deus não só abençoava como recompensava o esforço
individual, o que constituía um signo de salvação.
Assim, a malfadada teologia da prosperidade não passa dum subproduto deste capitalismo selvagem que temos hoje, e que passou a “adorar” um Deus que substituiu o lema “No suor do teu rosto comerás o teu pão” pela tentação do deus Mamom: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares” (Mateus 4:9).
José Brissos-Lino é director do
mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona e coordenador do
Instituto de Cristianismo Contemporâneo; texto publicado também na página
digital da revista Visão.
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