Rodrigo Maia foi presenteado com uma Bíblia
durante a solenidade no Congresso pelo Dia da Bíblia (Cleia Viana/Câmara dos
Deputados)
Atuação parlamentar pode ser
profundamente corporativista, visando apenas interesses de sua Igreja e não do
bem comum
No momento de crise econômica, com aumento acelerado do
desemprego e certa inflação, você abriria mão mesmo de 1 bilhão de reais?
Tramitou nos últimos meses, no Congresso Nacional, o Projeto de
Lei nº1581/2020 de autoria do Deputado Marcelo Ramos (PL/AM) que regulamenta
acordos para os precatórios federais. Segundo o projeto, essa lei visa facilitar
o acordo entre devedores e governos e, também, destinar parte do dinheiro
obtido com a quitação desses débitos para o enfrentamento à Pandemia de
Covid-19 que assola nosso país e hoje é um dos principais temas eleitorais. No
entanto, uma emenda parlamentar chamou mais atenção do que o próprio PL, a
emenda de autoria do Deputado David Soares (DEM/SP) que tem como objetivo fim o
perdão de uma dívida bilionária das igrejas.
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PSOL, PT, PSDB, PDT, NOVO e REDE foram os partidos que
orientaram o voto não à emenda, desses, apenas PSOL e REDE foram unânimes nessa
votação. Segundo a bancada do PSOL, essa emenda trata-se de um
"Jabuti" - um jargão legislativo que implica a inclusão de uma medida
não relacionada com o texto em questão. Essa manobra é muito comum para aprovar
questões que produzem dissenso entre os representantes. Nas palavras de Sâmia
Bomfim (PSOL/SP) "Não faz sentido se aproveitar de um contexto de pandemia
para implicar um perdão de dívida que possui uma quantia significativa".
A emenda está recebendo críticas à exaustão, não apenas pela
questão financeira à qual ela implica, estamos falando aqui de um impacto de R$
1 bilhão, mas também pelo recorrente debate sobre a relação Igreja-Estado. É
sabido que, constitucionalmente, o Brasil é um Estado laico e, por isso, deve
manter separado as questões tangentes à religião das decisões governamentais.
Segundo inciso 1 do artigo 19 da Constituição de 1988, é vedado ao governo
manter relações de dependência ou aliança com qualquer crença religiosa. Mas
não é o que presenciamos nos últimos anos com o crescimento da bancada
evangélica e, principalmente, com o apoio do presidente da República a esses
parlamentares.
Para contrapor, devemos lembrar que a Igreja possui uma função
social para com a sociedade, também garantida constitucionalmente. E, por isso,
independente do credo religioso, é isenta de tributos comuns a outras
organizações e aos cidadãos. Todavia, a dívida a ser perdoada não infere necessariamente
a um imposto cobrado dos templos religiosos, e sim às bonificações especiais
recebidas por seus líderes. Para explicar, os líderes religiosos recebem uma
forma de salário conhecida como prebenda que, por não ser considerada uma
remuneração direta, é isenta de tributação. A prebenda possui um teto e tudo
que excede esse valor pode ser considerado como uma repartição dos lucros dos
templos religiosos. É sobre esse excedente que a dívida se constitui. Em
síntese, a emenda parlamentar tem como termo a isenção do pagamento da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a anistia das autuações
anteriores, bem como das multas provenientes de tal dívida.
Deve-se lembrar que o parlamentar responsável pela emenda é
filho do Missionário R.R. Soares, pastor fundador da Igreja Internacional da
Graça de Deus, que acumula uma dívida de 37,8 milhões à União. Tal correlação
põe em cheque a isonomia do legislativo e faz a população se questionar sobre
as reais motivações da bancada evangélica e sua função no Congresso. Sobre
isso, Giumbelli vai afirmar que:
Vê-se que não se pode problematizar o espaço público sem atentar
para as condições dos atores que se localizam na sociedade; a noção, no
entanto, coloca permanentemente em jogo a constituição e o papel do Estado.
Estamos, assim, ainda às voltas com o argumento da secularização e suas
expectativas para a relação entre religião e espaço público.
O que está sendo levantada então é a questão: será que a
ascensão da bancada religiosa está diretamente relacionada ao detrimento da
ideia pétrea de laicidade do Estado? Se sim, quais impactos isso teria na vida
política, econômica e social do país?
Esse projeto não é recente, ele surge na redemocratização
reforçado por bordões como "irmão vota em irmão" que contou com, nada
menos que, 33 deputados na Assembleia Constituinte. E, seguindo o caminho da
própria igreja, seus representantes eleitos cresceram exponencialmente,
angariando 91 das 513 cadeiras no último pleito eleitoral.
Em 2006, Paul Freston escreveu em seu livro Religião e política, sim.
Igreja e Estado, não sobre o resultado eleitoral de 1998 e a crescente da
Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) sobre as demais denominações que
compunham a bancada evangélica. Na época, a IURD tinha logrado 16 das 36
cadeiras da bancada e, segundo o autor, esse fato se deu por dois motivos:
recursos financeiros e midiáticos que a instituição dispunha e, principalmente,
à mobilização eleitoral de seus fiéis. Hoje, essa proporção mudou, mas a
análise feita por Freston (2006) ainda pode ser muito atual quando ele afirma
que "a atuação de seus deputados [da IURD] no passado foi fortemente
corporativista; ou seja, como me disse certa vez um deles, 'estou aqui somente
para defender os interesses da igreja'".
Poderia me desdobrar aqui sobre o conceito sociológico de bem
comum, que pressupõe a necessidade de governar para o bem da sociedade como um
todo, não implicando em políticas corporativistas e nucleadas, mas vou me ater
a um último questionamento. Cada político eleito possui um eleitorado
específico que espera dele a representação devida, isso é o básico do modelo
democrático. Mas quais os limites dessa representação? E em que medida ela pode
prejudicar o conjunto da população?
*Rachel Dornelas de Azevedo Fernandes é Cientista Social formada pela Universidade Federal de Viçosa e Professora de Sociologia da Rede Estadual de Minas Gerais.
Fonte: domtotal.com
Como o nosso povo nasce, cresce e morre votando nos mesmos. Mudança não está no horizonte . E com a religião para justificar a desigualdade pior ainda.
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