“Mas somos chamados a
tornar-nos os instrumentos de Deus Pai para que o nosso planeta
seja o que Ele sonhou ao criá-lo e corresponda ao seu projeto de
paz, beleza e plenitude” (Laudato Si’ no. 53)
O
exercitante, depois de alcançar uma experiência de grande bondade, compaixão e
misericórdia, sente seu coração cheio de gratidão, desejo e generosidade,
e pergunta a si mesmo o “quê poderia fazer” para responder a semelhante
amor compassivo e criativo de Deus.
Neste
momento de transição entre a 1ª. e 2ª. Semanas S. Inácio lhe propõe o “Exercício do
Reino”.
O
objetivo do Exercício do Reino é chegar a fazer-nos discípulos(as) de Jesus para a reconstrução da comunidade
universal de vida. A contemplação nos ajudará a responder melhor ao chamado de Jesus Cristo (EE. 91-98) e
unir-nos a Ele na grande missão de trabalhar por um mundo melhor, de intensa beleza, diversidade e a complexidade. Ao “pessimismo
cósmico” opõe-se
o “otimismo cósmico” próprio da nossa vocação: procurar e despertar a “esperança
cósmica”.
No
exercício do Reino, ter Jesus diante dos olhos que nos convida a unir-nos à sua missão
e nos diz: “Meu desejo mais profundo é mostrar a beleza de nossa terra e
levar todos os nossos semelhantes à libertação e à realização. Eu te peço que
aprecies todos os membros da comunidade, a matéria e os seres vivos, e que
cooperes com eles para cumprir este desejo profundo. Se queres seguir-me nesta
missão, deverás estar disposto a trabalhar e sofrer comigo, e espero que todas
as pessoas de bom coração, juízo e razão se ofereçam totalmente para realizar
comigo esta missão. Eu te peço também que demonstres amor e humildade, e
trabalhes para procurar e sentir a beleza e o verdadeiro parentesco com
toda a comunidade de vida”.
Segundo
o relato bíblico, a primeira vocação do ser humano é a de ser jardineiro, pois recebeu do Criador a
missão de cuidar e preservar a Sua “vinha”: lugar onde os homens, as
mulheres e as crianças convivem em harmonia e com-partilham os frutos
abundantes das videiras.
Na
perspectiva bíblica, a vinha aparece sempre como aliada do ser humano; ela nos ensina a viver em
harmonia com a água, com a terra e com todos os seres, numa relação de aliança,
de gratuidade...
A
primeira relação do ser humano com a Vinha, portanto, não é a de dominação arbitrária e exploradora, mas a da acolhida e da gratuidade, por ela ser dada em herança.
No
fundo, trata-se de reconhecer que a Vinha “dada-a” é “doada-por”. Ela deve, por isso, ser recebida como
fecundidade, não como algo que é objeto de conquista e domínio. Isso fundamenta
não um fazer produtivo, mas um agir compartilhado: o ser humano é chamado
a “trabalhar com” o Criador, cuidando da Vinha para que ela seja fecunda
e alimente a alegria de todos.
A vinha é dada por Deus em função da vida. Por isso a Vinha é sagrada e é lugar
de contemplação e encontro íntimo com o Criador; ela é o teatro da glória de
Deus, isto é, da manifestação da presença divina.
O cuidado e a beleza da vinha impõem-se ao desejo
consumista desenfreado, pois somos jardineiros e não exploradores. Existimos
para acariciar a terra, para prepará-la, para fertilizá-la, para cuidá-la, para
torná-la bela.
Os
profetas sempre insistiram neste ponto: quando o povo guarda a aliança com Deus
e respeita a terra, esta torna-se fértil e generosa. Quando as pessoas rompem a
aliança com Deus e se afastam d’Ele, a vinha fica estéril.
A
vinha não é o lugar para a espoliação e a devastação, mas para o louvor e o
serviço a Deus.
A
vinha não foi dada em herança para o consumismo, mas para a vida; não é para
que uns poucos se apropriem dela como donos, mas para todos abrigar e
alimentar; ela não é campo para a guerra, mas para a convivência fraterna, a
solidariedade, a justiça e a paz. Somente a vivência dessa relação do ser
humano com a vinha possibilitará novas relações sociais e ambientais, o novo tempo de
paz e justiça.
Os
homens e as mulheres de todos os tempos e lugares trazem, como que enraizados
nas fendas mais profundas de sua alma, sonhos de rara beleza. São desejos de convivialidade, de superação da
dor e da solidão, sonhos de fraternidade e da harmonia cósmica...
Era
certamente nessa direção que Jesus apontava ao falar do Reino de Deus como o mundo das esperanças e possibilidades. “Um outro mundo é possível”.
O
que caracteriza essa nova atitude é o cuidado em lugar da dominação, o
reconhecimento do valor de cada criatura e não sua mera utilização humana, o
respeito por toda forma de vida e os direitos e a dignidade da natureza, não
sua exploração.
Assim,
o exercício do cuidado, por parte do ser humano, deve significar respeito à
ação criativa divina e contribuir com o crescimento e a evolução da natureza em
todas as suas dimensões; igualmente, cuidar e
fazer
da vinha uma fonte inesgotável de bênçãos, ou seja, de comunhão com ela e, a
partir dela, crescer em harmonia interior, comunhão com as outras pessoas e
estreitamento de relações com o próprio Criador.
Como
seguidores(as) d’Aquele que veio “trazer Vida, e vida em plenitude”, somos convocados a desenvolver uma
consciência criatural, em que a Criação deixa de ser vista como objeto de
domínio. Ela é um dom de Deus que deve ser acolhido com reverência, respeito e
louvor.
É
nesse momento dramático que uma nova cosmologia se revela inspiradora. Em vez de “dominar” a natureza,
situa-nos no seio dela em profunda sintonia e sinergia.
Enfim,
a imagem bíblica da Vinha aponta para uma relação de acolhida agradecida e
reconhecida, pois ela é o lugar no qual não só existimos, mas somos chamados a
uma plenitude de vida, em aliança e comunhão com o Deus Trindade.
Somos
todos “lavradores” encarregados de tornar a vinha fecunda. Quem sabe, um dia,
olharemos novamente para a Vinha do Senhor com olhos encantados e sofreremos ao vê-la violentada
pelos vândalos que a estupram em nome do crescimento econômico.
Textos bíblicos: Lc 10,1-12 Gen 2,1-17 Mc 3,7-19
Na oração: - O exercício do Reino deve afetar o mundo
dos desejos, aspirações, sonhos, esperanças...
-
quais são seus sonhos? Quê esperanças você carrega no coração? A quê você
se anima a gastar sua vida? Que medos o(a) paralisam?
-
assumir gestos de cuidado para com o meio ambiente: reduzir, reciclar, reutilizar,
replantar...
-
Peça a Deus para que lhe conceda a graça de poder responder com generosidade ao
apelo de Jesus para dedicar-se a promover o bem-estar ecológico. Ofereça todo o
seu ser com palavras como estas:
“Eterna fonte de todo criado, na presença de Tua bondade
infinita, de Tua Mãe e de todos os santos do céu, eu me ofereço a Ti com tua
graça e tua ajuda. Desejo de todo coração e decido... …(escrevo).
Tenho consciência daquilo que eu gostaria de fazer para
colaborar contigo em promover um aumento da beleza e do parentesco na
comunidade universal de vida, bem como ser um defensor da vida, sabendo que
isto pode me acarretar situações de afronta, de incompreensão e de perseguição.
Peço a graça de poder chegar a servir-te melhor, sempre que seja Teu desejo
admitir-me neste estilo de vida. Amém!”
Pe.
Adroaldo Palaoro sj
Fonte:centro loyola.org.br
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