sexta-feira, 20 de novembro de 2020

A RELIGIÃO EM CONTRAPONTO AO SISTEMA: A LUTA ANTIRRACISTA

O estado de São Paulo teve a ordenação de seu primeiro bispo negro, dom Eduardo Vieira dos Santos, apenas em 2015 (Reprodução/Pastoral Afrobrasileira)

O cristianismo precisa atuar diretamente para a superação do racismo
Há quem negue o racismo e, consequentemente, a luta antirracista. As ciências humanas podem, cada uma a partir de seu lugar de análise, oferecer várias razões que levam uma pessoa a negar a realidade do racismo. O racismo, apesar da negação de muitos, está aí: e todos os dias, invariavelmente, pessoas sofrem na própria pele a dureza do preconceito racial. Se cada um de nós pararmos para refletir sobre nosso comportamento, perceberemos que estamos todos e todas ?" em maior ou menor medida ?" envoltos nessa teia nefasta. É o que chamamos de racismo estrutural.

Nosso país foi o último no mundo a abolir a escravidão. Faz apenas 132 anos que negros e negras não são mais escravizados legalmente em nosso país. Uma abolição feita não em caráter humanitário, mas econômico, deixou marcas profundas em nossa sociedade. Um século e meio é nada, diante de uma longa história construída sobre o preconceito, a exploração, a exclusão, a tortura... A mentalidade brasileira é, ainda, escravocrata. E a luta antirracista é critério essencial se queremos nos tornar uma sociedade mais humana e igualitária. É como tem se dito, com muita razão: não basta não sermos racistas, é preciso que sejamos antirracistas.

O cristianismo teve sua parcela de responsabilidade na manutenção de práticas escravocratas e excludentes. Além do já feito mea culpa, é preciso que o cristianismo, tanto em sua face institucional quanto no exercício cotidiano da existência de cristãos e cristãs, atue diretamente para a superação do racismo. Não basta que nos indignemos quando temos acesso a vídeos que captam situações de racismo: é preciso que criemos práticas efetivas que tornem possível a superação deste mal que tanto nos desumaniza a todos e todas, sobretudo àquelas pessoas que vivem na pele a tragicidade do preconceito. Essa é, inclusive, uma das pautas possíveis de união entre pessoas de credos diferentes, num diálogo inter-religioso: pessoas de fé, unidas de modo atuante, na superação do racismo.

O Dom Especial desta semana, com as reflexões propostas pelos três artigos que aqui seguem, quer ser um contributo de inspiração para que assumamos uma postura antirracista, como compromisso nascido a partir da fé. No primeiro artigo, Todo dia deveria ser 20 de novembro, Mariana Gino reflete sobre a necessidade de uma atuação estrutural, para a superação do racismo, tendo como ponto necessário de atuação, o protagonismo negro e a memória, tão fundamentais. Daniel Couto propõe o segundo artigo, O papel antirracista da religião, no qual reflete sobre os propósitos de inspiração divina de todas as religiões, que são, necessariamente, uma exigência de tomada de postura, na luta antirracista. Por fim, celebrando a ancestralidade como elemento fundamental de construção de identidade da religiosidade em nosso país, Guaraci dos Santos e Glaydson Souza propõem o artigo A fé que canta e dança: a expressão da negritude na religiosidade brasileira, em que chamam a atenção para o aspecto dialogal presente em nossa cultura religiosa.

Domtotal

Boa leitura!

*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas 'Imprevisto' (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com

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