Internado
há um mês, Josaphat morre aos 99 anos (Reprodução/Arquidiocese de São Paulo)
Teólogo, pesquisador, escritor e
professor deixa grande legado, que inclui 63 livros e inúmeros artigos
Frei Betto
Tivesse eu que indicar
um frade dominicano exemplar não relutaria em apontar frei Carlos Josaphat,
falecido em Goiânia ontem, dia 9/11, cinco dias após comemorar 99 anos. Mineiro
de Abaeté (MG), ingressou no seminário de Diamantina (MG) aos 12 anos e estudou
filosofia e teologia em Petrópolis (RJ). Ordenado sacerdote em 1945, foi
professor no renomado Colégio do Caraça (MG), onde estudaram Juscelino
Kubitschek e o economista Roberto Campos. Em seguida, ensinou no seminário de
Mariana (MG) e também em Fortaleza e Recife. Na capital pernambucana, se tornou
amigo do educador Paulo Freire.
Em 1953, aos 32 anos,
padre Josaphat deixou os lazaristas e optou por ingressar na Ordem de São
Domingos. Na França, onde foi completar seus estudos, conviveu com eminentes teólogos
católicos, como os dominicanos Congar e Chenu, e o jesuíta Karl Rahner. Foi
amigo também de destacados filósofos, como Jacques Maritain, Etienne Gilson e
Emmanuel Mounier.
Retornou ao Brasil em
1963 e assumiu, em São Paulo, a função de regente de estudos dos frades
dominicanos. Aproximou-se da esquerda católica por meio da JUC (Juventude
Universitária Católica) e da organização política Ação Popular (AP).
Homem multitalentoso,
autor de O Evangelho e a revolução social (1962), conhecia em
detalhes a vida e a obra de Santo Tomás de Aquino. Além da teologia, dominava
filosofia, psicologia, ética, economia política e comunicação social. Em março
de 1963, reuniu em São Paulo uma equipe de talentosos jornalistas, entre os
quais Maria Olympia França, Josimar Melo, Roberto Freire e Ruy do Espírito
Santo, e fundou o semanário Brasil Urgente, de alcance nacional,
cujo lema era "A verdade, custe o que custar; a justiça, doa a quem
doer". Jornal apartidário, propagava politicamente as encíclicas sociais
do papa João XXIII e defendia as reformas de base do governo João Goulart, em
especial a reforma agrária.
O jornal foi empastelado
e fechado pela ditadura militar em abril de 1964, quando frei Carlos Josaphat,
antevendo os rumos do país, já se havia autoexilado na Europa. A manchete da
última edição do tabloide, de número 55, prenunciava: "Fascistas preparam
golpe contra Jango!"
Nossa igreja no bairro
de Perdizes, na capital paulista, onde frei Carlos proferia concorridas
homilias e dava cursos de doutrina social da Igreja, teve seus muros pichados:
"Fora padre comuna!"
Em 1965, na França,
obteve tese de doutorado sobre ética da comunicação social. Instalou-se depois
por quase trinta anos na Suíça, onde foi professor de ética da comunicação no
Instituto de Jornalismo e Comunicação Social da Universidade de Friburgo, da
qual era professor emérito.
De retorno ao Brasil em
1994, voltou a lecionar na Escola Dominicana de Teologia em São Paulo e em
várias universidades, além de atender sucessivos convites para proferir conferências.
Publicou mais de vinte obras, entre as quais se destacam os estudos pioneiros
sobre frei Bartolomeu de las Casas; a ética tomista; e a convergência entre
Tomás de Aquino e Paulo Freire.
Frei Carlos era homem de
permanente sorriso e visceral otimismo. A simplicidade de sua mineirice evitou
que ostentasse sua vasta erudição. Publicou 63 livros e inúmeros artigos.
Nesses últimos anos, trocou o convento de São Paulo pelo de Goiânia para
merecer os cuidados que a sua avançada idade exigia. Foi sepultado em sua terra
natal, Abaeté (MG), como tanto queria.
Fonte:domtotal,com
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