quinta-feira, 17 de dezembro de 2020
MORTOS NÃO SÃO NÚMEROS
Cemitério
Parque da Saudade em São Gabriel da Cachoeira (AM) em 13 de maio (Paulo
Desana/Dabakuri/Amazônia Real)
A população pobre é coisa
descartável para que os milionários continuem acumulando riqueza
A ganância pelo poder
e pelo dinheiro tem seu lado perverso e bestial. A violência atravessa a
história do Brasil. Os "conquistadores" europeus promoveram um
genocídio de 4 milhões de seres humanos logo que aqui chegaram. A população
indígena foi reduzida a menos de 1 milhão (IBGE/Censo 2010). Africanos também
foram exterminados. Dos 12.521.337 que embarcaram em navios de traficantes de
seres humanos mais de 2 milhões morreram na viagem.
Segundo o IBGE, o
Brasil tem mais de 13 milhões de pessoas na extrema pobreza, gente que vive com
menos de R$150/mês. 53 milhões na pobreza – com renda de até R$ 430/mês.
Pessoas que não possuem acesso à saneamento básico, água tratada e recolhimento
de esgoto são alvos fáceis da Covid-19. 14,6% da população brasileira está
desempregada. A pandemia agravou uma crise já existente.
A pandemia tem
demonstrado que algumas vidas valem mais que outras, e "quem tem pouco
valor" pode ser descartado. Há uma divisão entre vidas passíveis de luto
daquelas cujas condições de humanidade é negada: indígenas, negros, pobres,
gays, imigrantes, refugiados, idosos, desempregados, os periféricos.
Necropolítica! A 'prosperidade capitalista' não é para todos. A população pobre
é coisa descartável para que os milionários continuem acumulando riqueza. Tudo
aquilo que representa algum obstáculo a mercantilização da vida deve ser
eliminado, principalmente os "indesejáveis".
O papel de um governo
que arrecada impostos é devolvê-los à população em forma de serviços em várias áreas, como na saúde. A função do
Ministério da Saúde é prevenir doenças, tratar os pacientes e reduzir o número
de mortes. Mas deixou estragar 6,8 milhões de testes para Covid-19, não tem
estratégia para conter a segunda onda da pandemia, e nem plano de vacinação!
Analfabetismo científico.
Políticos tomam
decisões conscientes de que irão matar milhares de pessoas. O governo sabe que
um dos segredos é fazer desaparecer os corpos. Retirar números de circulação,
questionar dados, abrir covas em lugares invisíveis. O presidente e seus
generais vindos dos porões da ditadura militar sabem como fazer isso.
A violência é a matriz
do capitalismo brasileiro. Somos a pátria da guerra civil, dos genocídios sem
nome, dos massacres sem documentos, da acumulação de riqueza feitos à base da
bala, do fogo e do terror. A política de morte é executada de forma estrutural
no Brasil.
Bolsonaro está
cometendo um genocídio quando substitui profissionais experientes em epidemias
por militares inexperientes em saúde, quando distribui hidroxicloroquina para
povos indígenas, retém recursos destinados ao enfrentamento da pandemia, veta
medidas de segurança e estimula que as pessoas saiam às ruas sem máscaras,
boicota vacinas! Há quatro pedidos de investigação de Bolsonaro por
genocídio e outros crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional.
No país da
"ignorância ostentação", reina a deusa Estupidez rodeada de seu
séquito: fanatismo religioso, ódio, hipocrisia, superstição. Diante de tantas
evidências, a maioria da sociedade silencia e um terço aplaude. O país
normalizou o genocídio dos pobres. A morte, mais do que banalizada, é
celebrada. Famílias inteiras dilaceradas enquanto tantos festejam nos bares,
fazem festas madrugada afora, lotam os shoppings. Desprezam a dor profunda dos
atingidos pela morte. Muitos somente entenderão a gravidade da pandemia quando
os mortos forem seus mortos.
Um desastre!
Ultrapassaremos facilmente os 200 mil mortos. Devemos pedir perdão por nossa
indiferença estúpida como nação. Pedir perdão aos mortos cada um com seu nome,
sua história, seus desejos, seus sonhos, seus amores. Pedir perdão por aqueles
enterrados em covas sem nome, em caixas de papelão porque faltou caixão. Pedir
perdão aos profissionais da saúde que arriscam sua vida diariamente.
Receber a notícia da
perda de alguém que amamos é devastador. Não é apenas um cadáver. É uma pessoa
na grandiosidade da vida que viveu. A morte é um vazio. Somos carregadores de
ausências. Cada um sabe de sua dor. As despedidas importam! Quais seriam as
"últimas palavras" de uma pessoa que morreu de Covid? Qual seria seu
último pensamento, sozinho, entubado, testemunhando o próprio fim? Sem velório,
enterrado em uma vala de algum cemitério público.
Não somos um número!
"Ou seguimos o caminho da solidariedade ou a situação vai piorar. Não se
sai de uma crise da mesma forma que antes. A pandemia é uma crise. De uma crise
só se sai melhores ou piores. Temos que escolher. E a solidariedade é um
caminho para sairmos melhores da crise. Faço uma pergunta: penso nas
necessidades dos outros? Cada qual responda no seu coração. No meio de crises e
tempestades, o Senhor interpela-nos e convida-nos a despertar e a ativar esta
solidariedade capaz de conferir solidez, apoio e um sentido a estas horas em
que tudo parece naufragar" (Papa Francisco).
*Élio Gasda é doutor em Teologia,
professor e pesquisador na Faje. Autor de: 'Trabalho e capitalismo global:
atualidade da Doutrina social da Igreja' (Paulinas, 2001); 'Cristianismo e
economia' (Paulinas, 2016)
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