sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

A FÉ E SUA NECESSÁRIA MATURAÇÃO

A vida cristã é toda ela iniciação (Pixabay)

O comprometimento existencial em quem se crê pressupõe um caminho de amadurecimento

Ninguém já nasce com fé. Nasce-se, sim, em famílias religiosas, e isso, sem dúvidas, impacta a formação da personalidade do sujeito. A pessoa humana carrega, em sua constituição, uma abertura à transcendência: à nossa própria, à do outro e do mundo e à do Totalmente Outro. Experiências religiosas – que não se confundem com experiências de fé – vão agregando significações ao ser-no-mundo da pessoa. E isso pode se desdobrar em atos de fé. A fé, estágio ulterior, pressupõe adesão, consentimento. A fé, portanto, nasce de um processo: das experiências de transcendência que o sujeito em formação vai fazendo à elaboração de sentido e de identificação de um "lugar" no qual ancorar a confiança.

A palavra "Deus" existe. A afirmação absurdamente óbvia carrega nuances não tão explícitas assim. Por exemplo, a presença constante dessa palavra – com suas variantes mais afetivas, inclusive, do tipo "papai do céu" – impacta o imaginário religioso da criança, em seu processo de descoberta do mundo e de formação de sua personalidade. O manejo da linguagem, por parte das pessoas de referência para o sujeito em formação, influenciará muito na perspectiva de fé que este possa vir a desenvolver.

É por isso que dizemos que a fé nasce dos ouvidos. As Sagradas Escrituras comportam essa afirmação: o credo judaico nasce de um convite à escuta, o "Ouve, Israel!" (Dt 6,4); Paulo, a esse respeito, interpela: "[...] E como crerão naquele que não ouviram?" (Rm 10,14). O cristianismo antigo e o catolicismo se puseram a conferir o batismo a crianças: a teo-lógica é a de que, inseridos num lar cristão, a educação para a fé se efetivaria. Com tudo isso, podemos chegar à conclusão de que a fé não é um sentimento de que se passa a possuir: ela é o comprometimento existencial com aquilo ao qual se fia a própria vida e existência.

É por isso, pois, que se compreende que a fé precisa de um caminho de amadurecimento. A tradição sacramental incorporou isso de uma maneira bastante simbólica: os sacramentos da iniciação cristã são três, batismo, crisma e eucaristia. Os dois primeiros, celebra-se na vida do sujeito eclesial apenas uma vez. A eucaristia é o coroamento da iniciação cristã, que o fiel participa ao longo de toda a sua vida, e não apenas uma vez. A vida cristã é, então, toda ela iniciação. Isso significa, entre outras coisas, dizer que a fé precisa de um processo de amadurecimento.

É trilhando essa discussão a respeito do amadurecimento da fé, que nosso Dom Especial desta semana apresenta os três artigos. No primeiro, Ser simultaneamente criança e adulto na fé: eis o desafio diário de cada cristão, Edward Guimarães reflete a respeito do chamamento ao amor e ao serviço fraternos, que levem em conta o aperfeiçoamento das relações, inspirados em Jesus de Nazaré. Gustavo Ribeiro propõe o segundo artigo, A fé "embatumada" como alimento dos "terraplanismos", no qual provoca à necessidade de uma fé autônoma e existencialmente assumida e comprometida, para além dos ordenamentos religiosos externos, a fim de que seja, de fato, madura. Por fim, conclui o caminho reflexivo Rodrigo Ferreira da Costa, com o artigo Caminhos do amadurecimento da fé, no qual articula os processos de amadurecimento humano com o da fé, no encontro com o Deus amoroso, revelado em Jesus de Nazaré, o paradigma de uma humanidade realizada.

Boa leitura!

*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com

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