quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

COMUNICAR A VERDADE, DESAFIO DOS NOVOS TEMPOS

Não se pode narrar os fatos da pandemia ou de Brumadinho apenas com os olhos dos ricos
Os meios de comunicação não podem ser censurados para agradar gente ignorante (Govesp)

Élio Gasda*

O relatório O vírus da desigualdade (01/21), da Oxfam, informa como a pandemia da Covid-19 escancarou e aumentou as desigualdades no mundo. A pandemia revela quem a sociedade privilegia e quem é castigado: Em nove meses os mil maiores bilionários do mundo recuperaram todas as perdas que tiveram com a pandemia. Os pobres levarão dez anos e meio! A contaminação e as mortes são maiores entre as populações mais pobres. Os 10 homens (brancos) mais ricos do mundo acumularam 500 bilhões de dólares desde o início da pandemia. Quantia suficiente para pagar a vacina contra a Covid para todos no mundo.

Essa é uma das formas de narrar a pandemia como pede papa Francisco na mensagem para o Dia mundial das Comunicações 'Vem e verás' (João 1, 46): Comunicar encontrando as pessoas. A mensagem é um convite a "contar a verdade da vida que se faz história, sair da presunção cômoda do "já sabia" e mover-se, ir ver, estar com as pessoas, ouvi-las, recolher as sugestões da realidade". Assim, a comunicação será "transparente e honesta: tanto na redação de um jornal como no mundo da web, tanto na pregação comum da Igreja como na comunicação política ou social".

Francisco enaltece e agradece a "coragem e determinação" do trabalho de tantos profissionais de comunicação. "Seria uma perda não só para a informação, mas também para toda a sociedade e para a democracia, se faltassem estas vozes". Elas nos mostram a condição das minorias perseguidas, os abusos e injustiça contra os pobres, contra a natureza, as tantas guerras esquecidas, os desvios de recursos públicos. Se não fosse a comunicação e seu variados meios, crimes como os cometidos pela Vale em Mariana e Brumadinho já teriam caído no esquecimento.

Entretanto, é importante sair do status de meros espectadores. "O método 'vem e verás' é o mais simples para se conhecer uma realidade; é a verificação mais honesta de qualquer anúncio porque, para conhecer, é preciso encontrar, permitir à pessoa que tenho à minha frente que me fale, deixar que o seu testemunho chegue até mim". Assim é realizado o trabalho jornalístico honesto.

O profissional honesto se envolve para nos mostrar a árdua tarefa de tantos outros profissionais que vão ao encontro dos sofredores. Foi assim em Mariana e Brumadinho. Foi, e continuam sendo os meios de comunicação a nos informar do esforço dos bombeiros a procura dos corpos assassinados pela lama da ganância, do descaso e da corrupção dos acionistas da Vale e dos poderes públicos. Os meios de comunicação nos revelam a verdade da dor das famílias das vítimas e a impunidade dos criminosos.

Em tempos de pandemia os meios de comunicação devem nos informar "sobre as vacinas e cuidados em geral, no risco de exclusão que correm as pessoas mais indigentes", sobre "a expectativa de cura nas aldeias mais pobres da Ásia, América Latina e África". Sem eles, ressalta o papa, "as diferenças sociais e econômicas ... correm o risco de marcar a ordem da distribuição das vacinas anti-Covid-19 com os mais pobres sempre em último lugar". No Brasil, segundo a imprensa, isso já está acontecendo.

Diante desse cenário o pontífice nos alerta para a tecnologia digital, que nos potencializa como "testemunhas de acontecimentos que poderiam ser negligenciados pelos meios de comunicação tradicionais". E alerta: "todos somos responsáveis pela comunicação que fazemos, pelas informações que damos... estamos chamados a ser testemunhas da verdade: ir, ver e partilhar". Não se pode narrar os fatos da pandemia apenas com os olhos dos ricos.

Cuidado com aqueles que negam ou distorcem os fatos. Em 751 dias como presidente, Bolsonaro deu 2335 declarações falsas ou distorcidas. Quanto mais uma pessoa se distancia da verdade, mais odeia aqueles que a revelam. Bolsonaro e os filhos fizeram 469 ataques a jornalistas e veículos de imprensa em 2020. Um governo integralmente baseado em mentiras.

Os meios de comunicação não podem ser censurados para agradar gente ignorante. Porque "aquilo que é conquistado com mentiras, só pode ser mantido com mais mentiras" (Gandhi).

Não basta "ouvir dizer". Assim como na fé, é preciso experimentar. Ouça a ciência. Opinião não tem o mesmo valor que evidencia científica. Pandemias são interrompidas pela ciência. Somente pela ciência. O papa ressalta que a fé cristã se comunica por meio de um "conhecimento direto, nascido da experiência, e não por ouvir dizer" tão comum nas mídias sociais.

Como adverte São Paulo, é preciso proclamar a Palavra sempre com cuidado, pois, haverá um tempo que muitos desviarão os ouvidos da verdade (2 Tm 4, 2-4).

Nada mais assustador que a mentira em ação. "Aquele que te faz crer em absurdos também pode te fazer cumplice das suas atrocidades" (Voltaire).

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: 'Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja' (Paulinas, 2001); 'Cristianismo e economia' (Paulinas, 2016)

Domtotal

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