"Nós vimos a sua
estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2,2)
A
festa da Epifania é a mais antiga que se conhece. Era a única festa de
Natal celebrada em toda a Igreja, até que no Ocidente passou a ser celebrada no
dia 25 de dezembro. A palavra “epifania” significa, em grego, “manifestação”,
referindo-se sobretudo à primeira claridade da manhã, antes do nascer do sol.
Depois passou a significar a “manifestação” de Deus a todos os povos, pois Ele
inunda com sua Luz todos os recantos escuros de nossa existência.
Mais
uma vez a Epifania grita para que nos levantemos e, iluminados pela Luz do
Nascimento de Jesus, sejamos espelhos que refletem essa mesma Luz, iluminando
toda a realidade envolta em trevas.
Tanto
no nível pessoal como comunitário, sejamos luz do mundo, e não nos cansemos de
proclamar a todos que nosso Deus se manifesta nas coisas simples e palpáveis,
próximas: como um menino que nasce, ou como uma expressão infantil de assombro
e surpresa frente ao diferente, ou como cada um dos gestos que podemos e
devemos fazer para abrir espaço ao Deus da Vida e àqueles que, como novos “magos”,
vêm ao nosso encontro...
A
celebração da Epifania nos lança para além dos estreitos limites de qualquer
instituição religiosa, de todo dogmatismo, fanatismo e intolerância... Deus se
manifesta sempre a todos os povos e em todas as épocas. Todos os homens e
mulheres estão sob a mesma mão providente de Deus. No momento em que nos
sentimos privilegiados por Deus, fazemos a mensagem desta festa virar pó. Todos
recebemos tudo de Deus e todos temos a obrigação de aprender e ensinar uns aos
outros; todos temos a nobre missão de acender uma luz, em lugar de maldizer as
trevas; todos temos uma estrela a nos guiar até à fonte da verdadeira Luz.
Aqui
não se trata de buscar, no relato da Epifania, um fundo histórico, no sentido
moderno da palavra. O importante não é o que está por “detrás” da narração, mas
o que nela se manifesta, a saber: os sábios do oriente representam a humanidade em busca de paz, verdade e justiça;
representam a aspiração profunda do espírito humano, a marcha das religiões, da
ciência e da razão humana ao encontro de Cristo.
O
caminho dos magos que buscam o Menino Jesus é o caminho de todos os homens e
mulheres, de todas as raças e religiões... O Jesus de Belém está sempre
disposto a receber o ouro da cultura dos povos, o incenso de todas as expressões
religiosas, a mirra de todas as dores.
Os Magos do Oriente são o símbolo de
tantos homens e mulheres que, em qualquer parte do mundo, a partir de outras
sendas e tradições espirituais, se perguntam, buscam e caminham.
Uma
lenda os apresenta como um rei jovem, outro ancião e outro negro, querendo
significar que a humanidade toda é mobilizada a “fazer-se caminho”.
Nesse
percurso, os Magos escutam outras palavras e sinais, aprendem a filtrar aquilo que
“ajuda para o fim” e a não seguir qualquer conselho. Herodes e os escribas
estarão sempre presentes e ameaçam reaparecer antes, durante e depois do
encontro com o Menino.
E
toda viagem que culmina na manjedoura, é ponto de partida para novos
caminhos.
O
ícone bíblico do relato dos Magos ilustra o risco do fechamento em nós mesmos, de enredar-nos nas
armadilhas da nossa própria inteligência, ou de petrificar-nos em nossas
sacralidades doutrinárias e legais. Isso se manifesta como rigidez para a
mudança, a intensa necessidade de manter a própria imagem, a resistência em
aceitar coisas novas que rompam nosso frágil equilíbrio ou os limites da nossa
vontade...
A
experiência da Epifania supõe uma capacidade de encontro e de escuta de Alguém
que chama, uma atenção especial para distinguir vozes diferentes da própria
voz, uma sensibilidade para escutar os gritos de nosso mundo e para receber a
palavra da comunidade cristã.
O
Deus, escondido na fragilidade humana, não é encontrado naqueles que vivem
encastelados em seu poder ou fechados em sua segurança religiosa. Ele se revela
àqueles que, guiados por pequenas luzes, buscam incansavelmente uma esperança
para o ser humano, na ternura e na pobreza da vida.
A viagem dos Magos se torna, assim, o
símbolo da vida cristã, entendida como seguimento, como discipulado, como busca.
A
viagem exige desapego, coragem, movimento, esperança. Quem está prêso à terra pelo
peso das coisas, pelos apegos, pelos egoísmos, não é capaz de se tornar peregrino. Não pode peregrinar aquele que não se dispõe
sinceramente a ultrapassar as fronteiras e os esquemas pré-concebidos que
muitas vezes lhe fecham e lhe dão segurança. Isto não o deixa livre para
encontrar o Deus da Vida que se manifesta.
Quem
está convencido de possuir tudo, inclusive o monopólio da verdade, não tem a
gana da busca
contínua;
é semelhante aos sacerdotes de Jerusalém, frios exegetas de uma Palavra que não
os atrai nem converte. Quem está bem instalado na cidade não precisa ir a Belém; ao contrário, Belém se reduz a um insignificante vilarejo
de província.
Quando
aprende a aceitar e amar a sua própria viagem, novamente a estrela surgirá à sua frente, indicando o
sentido de sua existência e mantendo acesa a chama da busca inspiradora.
Os “magos” somos todos. Esta é a festa do
Deus que atrai a todos em seu amor. Quando parece que tudo está definitivamente
fechado vem os Magos para abrir as portas da vida. Quando parece que o céu está
escuro, brilha uma estrela para aqueles que querem continuar caminhando.
O
Menino Jesus, Messias de Deus, não está fechado no templo e na estrutura religiosa,
mas é coração aberto em Belém para todos os que dele se aproximam. Não é rei
que impõe seu direito, mas criança necessitada, nos braços de sua mãe. Não é
sacerdote que controla a sacralidade divina a partir do tabernáculo do tempo,
mas menino ameaçado que se faz imigrante, assumindo assim a história de todos
os excluídos.
Nós somos “magos” para anunciar a todos que há
estrelas que apontam para a Gruta onde um Menino é acolhido, na rota da vida,
que continua sempre aberta. Devemos mobilizar a todos para criar um mundo onde
nenhum menino-Deus morra abandonado.
Somos “magos” quando experimentamos e anunciamos que a vida é um dom,
que o ouro do mundo é um presente para todos os homens e mulheres, que os bens
da terra estão a serviço da vida, que toda riqueza é para ser compartilhada
para o bem de todos.
Somos “magos” quando temos de dizer a todos, com nosso exemplo, que a
vida é prazer e glória, é incenso de admiração e de ternura, de intimidade
orante e de proximidade. É preciso proclamar que não buscamos a glória do
poder, a vitória da imposição, o incenso da mentira, mas buscamos e
compartilhamos o incenso do amor que pode ser celebrado na intimidade da família, nas
relações pessoais e sociais, no compromisso solidário. Diremos que sempre
haverá um perfume ao nosso lado, ao lado de todos os homens e mulheres que
poderão festejar, sonhar...
Somos “magos” quando revelamos que a vida é feita também de mirra. Somos todos “mirróforos(as)”,
portadores do perfume, para levar o agradável odor em meio aos ambientes
fétidos de ódio, intolerância e violência. A mirra é o perfume de amor, mas
também é o bálsamo da morte. A mirra é como uma flor preciosa que pode nos
acompanhar na vida, no crescimento de cada dia, na comunhão com os outros, na
tristeza e na esperança de cada despedida.
Que
cada morte seja tempo de amor, esperança de amor e não fruto da violência.
Enfim,
a Epifania nos destrava e nos coloca a caminho, seguindo as “pegadas” dos Magos, fazendo opções,
usando desvios, lançando-nos pessoalmente a ações concretas..., movidos pela
experiência de encontro com a Vida, no despojamento de uma Gruta.
Texto bíblico: Mt 2,1-12
Na oração: Às vezes tenho de me deter na vida, como os magos, para
pensar e sempre me perguntar: onde estou? Em quê momento da vida me encontro? A
quê estrela sigo? Meu caminho tem coração?... É a arte do discernimento.
A
Graça também me precede, me acompanha sempre e libera meus melhores recursos e
minha inteligência para abrir-me ao novo, a abertura que permite reconhecer o “Mistério” e deixar-me inspirar por Ele.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
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