Em entrevista em 2019 à revista Carta Capital, onde
os dois assinavam artigos, Ticão falou: 'Não vou dizer que Deus é maconheiro,
eu realmente não sei. Mas com certeza ele é canabista' (Reprodução Twitter)
Uma de
suas marcas foi a criação da Escola da Cidadania, espaço para discussão sobre
temas sociais e políticos nos moldes da Escola de Governo, da USP
Morreu na noite dessa sexta-feira (1º) o padre Antonio Luiz Marchioni,
conhecido como padre Ticão, aos 68 anos. Liderança religiosa e social na zona
leste de São Paulo, era pároco da Paróquia de São Francisco de Assis, em
Ermelino Matarazzo, desde 1982.
Com forte atuação nos movimentos de moradia, nos últimos anos, assumiu a
defesa pelo uso medicinal da cannabis, atraindo críticas de braços mais
conservadores da igreja e até ameaças. Sua morte foi lamentada nas redes
sociais pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) e por vários políticos de esquerda
neste sábado, (2), como Fernando Haddad e Eduardo Suplicy (PT), pela deputada
federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) além do o ex-vereador Gilberto Natalini.
"2021 começa com triste notícia do falecimento do padre Ticão.
Grande defensor da população mais carente da Zona Leste de São Paulo. Um
guerreiro na luta pela diminuição das desigualdades sociais. Descanse em
paz", publicou Covas em sua conta no Instagram.
Ele estava internado desde quinta-feira (31) no Hospital Santa Marcelina,
após apresentar sintomas como falta de ar e cansaço. De acordo com Waldir
Augusti, o professor Waldir, amigo e parceiro de Ticão, o hospital chegou a ser
testado para Covid-19 mas deu negativo. Ele afirma que Ticão tinha um problema
cardíaco de taquicardia, mas estava bem até então. No hospital também foi
identificada água em seus pulmões.
Comunicado divulgado pelo hospital aponta que ele "deu entrada na
unidade em decorrência de uma arritmia cardíaca e o diagnóstico de edema
pulmonar, permanecendo internado sob cuidado intensivo e cardiológico".
Segundo o hospital, ele morreu "após nova descompensação da arritmia
cardíaca, seguida de parada cardiorrespiratória".
História
Nascido em Urupês (interior de SP), Ticão chegou à capital nos anos
1970, após apoiar greves de bóias-frias e de professores na região de
Araraquara (SP). Na década de 1980, ao apoiar movimentos por moradia que
cobravam do então governador Franco Montoro a construção de conjuntos
habitacionais, participou da invasão à Secretaria de Estado da Habitação.
Professor Waldir conta que Ticão sempre teve preocupação grande com os
mais carentes, mais pobres, atuando para levar mais moradia, saúde e educação
para a população. "Em 2020 completamos 35 mil moradias construídas. Ele
trabalhou para que fosse construído o Hospital de Ermelino Matarazzo e unidades
básicas de saúde. Até a USP Leste veio para cá graças a um trabalho dele",
disse.
Do amigo dom Angélico Sandalo Bernardino, bispo emérito de Blumenau, mas
que atuou por décadas em São Paulo, o chamava de "trator de Deus",
pela coragem e determinação com as quais encarava suas causas.
"Padre Ticão, para a Zona Leste, significou mudança no modo de
pensar, representou apoio e encorajamento às pessoas, representou formação
político-cidadã, e representou a verdadeira igreja de Jesus Cristo na opção
preferencial pelos pobres. Ele sempre viveu no coração o lema que aprendeu com
dom Paulo Evaristo Arns, que era de coragem, de esperança em esperança. Assim
ele nos ensinou", afirmou Waldir.
Uma de suas marcas na região foi a criação da Escola da Cidadania,
espaço para discussão sobre temas sociais e políticos nos moldes da Escola de
Governo, da USP. O sociólogo Rudá Ricci presidente do Instituto Cultiva, contou
nas redes sociais que conheceu Ticão nessa escola. "Era uma escola de
formação de lideranças sociais na zona leste de São Paulo. Acabei sendo
convidado para dar uma palestra para esta escola. Lembro que quando cheguei,
fui recebido por um padre alto e corpulento com um sorriso contido no rosto",
escreveu no Twitter.
"Trocamos algumas palavras e fui conduzido para um enorme salão
paroquial, no subsolo da igreja. Ali começava o primeiro impacto: seiscentas
pessoas aguardavam o início da atividade, numa sexta-feira à noite, sentadas em
cadeiras brancas, dessas de plástico. O debate correu solto e muito animado.
Para um educador popular, esta é uma das utopias que motivam nosso engajamento:
seiscentas pessoas discutindo o Brasil".
Nos últimos anos, ele se engajou na defesa do uso medicinal da cannabis.
"Há 5 ou 6 anos começamos a nos preocupar com os problemas do SUS. Por
muitos anos o foco foi mais na construção de unidades básicas de saúde e menos
em como deveria funcionar. Aí começamos a pesquisas sobre saúde preventiva,
integrativa, mais natural e descobrimos a cannabis. Conversamos com o professor
Carlini (Elisaldo Carlini, da Unifesp, um dos principais defensores do uso
medicinal da substância no Brasil, morto em 2020) e vimos que tinha um monte de
propriedades que vinham ao encontro do que procurávamos", conta Waldir.
Em entrevista em 2019 à revista Carta Capital, onde os dois
assinavam artigos, Ticão falou: "Não vou dizer que Deus é maconheiro, eu
realmente não sei. Mas com certeza ele é canabista".
Segundo Waldir, Ticão começou a realizar cursos sobre a substância em
parceria com a Unifesp. O primeiro reuniu cerca de 330 pessoas e o quarto, e
mais recente, já tinha atraído 4,5 mil pessoas. "Foi chamado de
maconheiro, de defensor de uso de drogas, mas ele não desistiu. E nós vamos
continuar a seguir sua bandeira", disse Waldir.
Em 2015, Ticão e professor Waldir lançaram o livro Dom Paulo
Evaristo Cardeal Arns - Pastor das periferias, dos pobres e da justiça,
lançado em comemoração aos 94 anos do arcebispo (morto em dezembro de 2016).
Coletânea de artigos de 55 pessoas e ilustrado com 160 fotos, o livro foi
publicado pelas Associação Casa da Terceira Idade Teresa Bugolin, com apoio da
Imprensa Oficial, do governo do estado.
O velório estava marcado para ser realizado até as 14h deste sábado, na
Igreja São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo. Em seguida, o corpo será
enterrado no Cemitério do Carmo I, em Itaquera.
Agência Estado/Dom Total
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