O
presidente Jair Bolsonaro deixa de lado os pontos fortes do país na luta contra
a Covid (Marcos Correia/PR)
Na
vacinação, país poderia ser um exemplo mundial, mas o governo Bolsonaro não tem
vontade, competência ou a visão para organizar uma campanha
Eu tive Covid-19. De
forma moderada, com febre, dores de cabeça e um pouco de fadiga. Após 10 dias,
me senti bem novamente. Apenas a perda do olfato permaneceu, e provavelmente
ficará comigo por algum tempo. Admito que fico um pouco assustado quando leio relatos
sobre possíveis sequelas a longo prazo, como dores nas articulações e problemas
respiratórios - mesmo que eu não tenha sentido nada disso.
Onde fui infectado, eu
não sei. Pode ter sido no supermercado, no jantar de Natal com amigos, no
aeroporto, em um táxi ou na fila do caixa eletrônico. A única coisa que está
claro é que o vírus está circulando.
Quando descobri que
tinha Covid-19, fiquei nervoso, porque você não sabe como a doença vai se
desenvolver. O que antes era abstrato de repente se tornou concreto. Milhões de
brasileiros já passaram por isso e se sentiram assim.
Por isso estou
aliviado que a campanha de vacinação tenha finalmente começado, mesmo que tenha
sido apenas semanas após o início da vacinação na Europa, nos EUA e na vizinha
Argentina. O início da vacinação, porém, não é graças ao governo Jair
Bolsonaro, mas a alguns poucos governadores responsáveis.
Se o estado de São
Paulo não tivesse procurado a vacina chinesa Coronavac, o Brasil provavelmente
ficaria hoje com apenas 2 milhões de doses da vacina de Oxford e um avião de
carga vazio, que seria enviado para buscar doses de vacina da Índia - sem que
ao menos se tivesse combinado com os indianos.
Muitas vezes esquecida
no momento é a vacinação Sputnik V da Rússia. Ela em breve poderá ser aprovada
pela Anvisa. A Sputnik V também não foi adquirida pelo governo Bolsonaro, mas
pelos estados do Paraná e da Bahia.
A indiferença do
presidente à Covid-19 é óbvia. Ele não leva a sério a pandemia e os mais de 210
mil brasileiros mortos. Pior, ele reage como se a pandemia existisse apenas
para incomodá-lo pessoalmente e para obstruir seu governo.
Durante muito tempo
Bolsonaro negou o vírus e o perigo que ele representa. Agora ele está sabotando
a campanha de vacinação. Jair Bolsonaro é sempre "contra", não
consegue evitar. Seu combustível é provocação e distúrbio. Ele parece com o
menininho que, por ciúmes, destrói os castelos de areia das outras crianças no
parquinho. Com a diferença de que a destrutividade de Bolsonaro custa vidas
humanas.
Tudo isso é
especialmente trágico também porque o Brasil estaria bem posicionado para
realizar uma campanha de vacinação rápida e abrangente. O país poderia ser um
modelo para o resto do mundo. Assim como o Bolsa Família, a luta contra a fome
e os programas de alfabetização do Brasil serviram de modelo para outros
países, o Brasil também poderia se distinguir internacionalmente através de uma
ampla campanha de vacinação.
Mas este governo não
tem vontade, competência ou a visão de futuro para organizar tal campanha. A
única coisa que Bolsonaro consegue fazer bem: nomear militares para cada
problema e cada posto vago. Competência? Não importa.
O SUS oferece boas
condições para uma campanha de vacinação rápida e abrangente. A infraestrutura
e a experiência estão lá. Qualquer pessoa que tenha tido que ir ao SUS para
tratar um ferimento ou doença menor ou para obter uma vacina pode atestar isso,
inclusive eu. Você tem que esperar, mas chega a sua vez e você vai ser
atendido. Desde que não seja para cirurgias complicadas e doenças graves, o SUS
está na verdade em uma boa posição, considerando que ele é público e gratuito.
Mas o SUS tem uma
reputação péssima. É subfinanciado, e os recursos muitas vezes não são
utilizados de forma eficiente. Uma das razões para isso: a Emenda Constitucional
do teto de gastos (EC 95), criada pelo governo Michel Temer e endossada por
Jair Bolsonaro. Segundo o médico e professor da PUC de Campinas Pedro Tourinho,
o SUS já perdeu R$ 22 bilhões por causa disso.
E assim, mais uma vez,
o Brasil está jogando fora um de seus pontos fortes. O maior dilema do Brasil
é, sem dúvida, o de não fazer nada com suas enormes oportunidades. Poderia ser
um dos países mais ricos e bonitos do mundo. Em vez disso, é dilacerado por
conflitos internos, injustiça, violência e pobreza.
A vontade de destruir
é provavelmente o traço mais característico do governo Bolsonaro. A crise do
coronavírus confirma isso novamente. Está destruindo o meio ambiente do Brasil,
o maior tesouro desta nação. Ela prejudica instituições reconhecidas como o
Ibama, o Instituto Palmares ou o Ministério das Relações Exteriores, que está
sob o controle do teórico da conspiração Ernesto Araújo. Ele também destrói a
vida de milhares de brasileiros com suas políticas negacionistas na pandemia.
Ao fazer isso, está prolongando a crise.
Bolsonaro está destruindo o último pedaço de reputação que o Brasil já teve internacionalmente. É nos momentos de crise, costuma-se dizer, que o verdadeiro caráter de uma pessoa é revelado. O presidente e seus apoiadores revelam, acima de tudo, uma coisa: cinismo.
Philipp Lichterbeck queria abrir um
novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde
então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América
Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente
entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no
Twitter em @Lichterbeck_Rio.
Fonre: Deutsch Welle e Dom Total.
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