Duas aeronaves C-99 da FAB decolaram de Manaus/AM em 21 de janeiro transportando 36 pacientes para Vitória/ES (FAB)
Descaso e omissão têm gerado mortes.
O Brasil assiste, atônito e impotente, enquanto o maior estado do pais, o Amazonas, mergulha no caos. Em uma triste ironia, o chamado "pulmão do mundo" sufoca enquanto enfrenta a falta de oxigênio para pacientes vítimas da Covid-19, a escassez de leitos nos hospitais e a absoluta ruína dos sistemas de saúde e funerário em razão da crise sanitária.
Em Manaus, a capital
do estado, pacientes estão morrendo sem oxigênio. O caos na região, porém, é
uma tragédia anunciada, e tem raiz, entre outras coisas, na negligência e
descaso do presidente Jair Bolsonaro com a pandemia. O "negacionismo
suicida" do qual o papa Francisco tanto nos alertou, já está fazendo
vítimas no Brasil.
Hoje, vivemos duas
crises: a da pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 200 mil pessoas
no Brasil; e a do negacionismo científico, adotado pelo governo federal e por parte
da população que se mantém fiel ao presidente Bolsonaro e ao bolsonarismo de
extrema-direita.
Desde o início da
crise sanitária gerada pela Covid-19, em março de 2020, quando chamou de
"apenas uma gripezinha" a doença que viria a ceifar a vida de mais de
2 milhões de pessoas ao redor do mundo, ficou claro que Brasil escolheria a via
da descrença, e que agora revela suas terríveis consequências.
Em dezembro, o
governador do estado do Amazonas, Wilson Lira, ignorou o apelo de cientistas
pelo endurecimento das medidas de quarentena e o fechamento do comércio não
essencial. Especialistas emitiram uma série de alertas e, na época, a decisão –
que hoje se revelou desastrosa – foi comemorada por apoiadores incondicionais
do presidente Jair Bolsonaro, inclusive seu próprio filho, o deputado federal
Eduardo Bolsonaro.
O que vemos hoje é
reflexo do descaso e omissão de um presidente que não apenas minimizou os
efeitos da pandemia, mas incentivou aglomerações, desdenhou do uso de máscaras,
insistiu em remédios e tratamentos precoce sem comprovação científica e tentou
instrumentalizar o uso da vacina contra Covid-19 para agradar a sua base
eleitoral.
Enquanto isso, em
Manaus, pacientes diagnosticados com Covid-19 precisam ser transferidos com
urgência para outros estados. Uma corrida contra o tempo para salvar vidas.
Quase 200 enterros são registrados por dia na cidade, que acumula 109.021 casos
confirmados da doença desde o início da pandemia, além de 4.746 mortes, segundo
últimos dados divulgados pela prefeitura.
Enquanto isso, de
acordo com pesquisa de dezembro de 2020 divulgada pelo Instituo Datafolha,
cresce o número de brasileiros que não pretendem tomar uma vacina contra o novo
coronavírus, apesar de dois imunizantes – CoronaVac e AstraZeneca – já terem
recebido a aprovação para uso emergencial da agência reguladora brasileira
Anvisa.
Diante deste cenário
de escárnio e incredulidade, as palavras do papa Francisco nunca foram tão
oportunas: é o "tempo do nós" para superar a crise.
Em abril do ano
passado, quando o Amazonas registrava mais de 3,6 mil casos confirmados da
doença e os mortos, por causa da carência de estrutura do estado, eram
enterrados em valas comuns, o pontífice telefonou para o arcebispo de Manaus,
dom Leonardo Steiner, manifestando a sua solidariedade e proximidade às vítimas
da doença, principalmente os povos indígenas, os ribeirinhos e os pobres.
Na última sexta-feira
(15), o arcebispo lançou um dramático apelo à comunidade – "pelo amor de
Deus, nos enviem oxigênio" –, enquanto a Igreja Católica local tenta fazer
o que pode para ajudar a frear a esteira da morte do coronavírus e do
negacionismo. A Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) pediu medidas urgentes de
socorro à população, enquanto a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) e a Arquidiocese do Rio de Janeiro auxiliam Manaus com envio de
cilindros de oxigênio.
Mas talvez,
infelizmente, isso não seja o suficiente. O povo brasileiro, hoje, precisa
também de "oxigênio" para a alma, uma vez que a crise não é a penas a
sanitária. Como nos ensinou o papa Francisco: a oração de louvor "deve ser
praticada não só quando a vida nos enche de felicidade, mas sobretudo nos
momentos difíceis (...) louvar é como respirar oxigênio puro que nos purifica a
alma e nos faz olhar distante, e a não permanecer aprisionados no momento
escuro, de dificuldade".
O L'Osservatore
Romano, jornal oficial do Vaticano sob a tutela do Dicastério para a
Comunicação da Santa Sé, departamento da Cúria Romana que responde diretamente
ao papa Francisco, estampou reportagem na sua edição de 18 de janeiro sobre o
início da vacinação contra o novo coronavírus no Brasil e destacou o
"pesadelo na Amazônia", classificando a crise como uma "situação
angustiante".
Mergulhado em um mar
de Fake News sobre as vacinas contra a Covid-19, que colocam
cada vez mais vidas em risco, a liderança e inspiração do papa Francisco podem
ser o antídoto que o Brasil precisa para navegar para fora da pandemia. No
país, com mais de 60% da população declarando-se católica, as palavras do
pontífice encontram eco em grande parte da população. Em contraponto ao
descrédito lançado pelo presidente Bolsonaro sobre as vacinas – chegou a travar
uma verdadeira "guerra" ideológica contra o imunizante chinês – a
defesa de Francisco da vacinação como uma ação "ética", e não uma
opção, já que não está em risco apenas a nossa vida, "mas também a vida
dos outros", é o farol de luz que todos precisam enxergar.
Em 27 de março de
2020, diante do nada e de todos ao mesmo tempo, quando caminhou, solitário, sob
a chuva, em uma Praça de São Pedro deserta, para rezar pelo mundo
enclausurado em suas casas e nos leitos de hospitais, o papa Francisco nos
entregou, talvez, a cena histórica mais pungente desta pandemia, mas também nos
lembrou que esta tempestade deixou a todos à mercê da nossa própria
fragilidade, e que dela não sairemos sozinhos. É o "cuidado" com os
outros, a "vacina para o coração" que o mundo, e o Brasil, agora
tanto precisam. Enquanto a campanha de vacinação ainda começa tímida pelo país
e Manaus sufoca, estrangulada, pelo colapso da sua saúde pública e privada,
consequência da pandemia, mas também pelo vírus da indiferença e do
negacionismo, me parece o remédio sugerido pelo papa o mais eficaz neste
momento: "ou nos salvamos todos com o 'nós' ou não se salva ninguém".
*Thales Reis é jornalista,
especialista no estudo das Escrituras Sagradas do Cristianismo pela
Universidade de Harvard, em Diplomacia Pontifícia pelo Centro de Religião, Paz
e Assuntos Internacionais da Universidade de Georgetown, dos EUA, e em Relações
Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo. Têm expertise
na cobertura de assuntos relacionados ao Vaticano e no estudo e análise das
relações de poder estabelecidas pela Santa Sé com os diversos players do
cenário internacional.
Fonte:domtotal.com
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