Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
A
sabedoria proverbial popular traz referência muito adequada para reflexões
sobre o momento atual quando diz que “de sábio e de louco todo mundo tem um
pouco”. De fato, a humanidade parece estar diante da bifurcação de um caminho
que pode levá-la à loucura ou à sabedoria. A civilização está, pois, em momento
decisivo de sua história. Vive esgotamentos sacrificantes que acentuam
processos de loucura e, ao mesmo tempo, constituem interpelação para uma virada
civilizatória. Para a mudança esperada, há necessidade de uma conquista
sapiencial capaz de reerguer sociedades em queda e ajudar o ser humano a se
recompor. A realidade exigente e pesada, vivida desde o ano passado, faz
sombras à esperança do ano novo recentemente iniciado. Indica que é preciso
recuperar, promover e defender a vida, em todas as suas etapas e
circunstâncias. Diante dos muitos problemas vividos em todo o planeta,
precisamos de respostas que requerem o tempero da sabedoria.
Na
bifurcação entre a loucura e a sabedoria, a humanidade carece de sábios para
conduzi-la nos processos de mudança, a partir de narrativas que possam
desencadear ciclos diferentes na história. Levar a humanidade a novos caminhos
é tarefa especialmente difícil quando se considera que tantas pessoas não
conseguem desempenhar minimamente o próprio papel e corresponder às suas
responsabilidades. Certamente, entre os veios da loucura contemporânea está a
ambição por assumir um ofício, um papel, ocupar uma cadeira confiada a
autoridades, julgando-se capaz, mas sem reunir as mínimas condições exigidas
para a posição social almejada. Também é sinal de insanidade querer
defender princípios inegociáveis, mas cair em contradições comprometedoras,
provando não ter qualificação para cumprir o que se propõe a fazer. Essas
loucuras acabam por afetar as instituições, enfraquecendo-as, desgastando-as.
Atrasam processos de reconstrução na sociedade, geram desgastes e desperdício
de energia.
Falas
desconexas dos que integram ou representam instituições não raramente são
apreciadas por muitos, vistas por milhares, sinalizando o atual estado de
loucura. Essas falas contribuem para acirrar posturas que são fruto de
polarizações, alimentam extremismos, prejudicando a abertura de novos ciclos
civilizatórios. Há, pois, lições a se aprender, para que cada vez mais cidadãos
conquistem sabedoria e a humanidade seja curada, preservada dos horrores da
loucura. Esse aprendizado é urgente, pois a insanidade chegou a tal nível que
negacionismos, interpretações equivocadas ou tendenciosas, levam a humanidade a
um percurso sem saída. Na história, não é novidade a coexistência de desvarios
em contraponto com incontestáveis possibilidades para constituir uma realidade
melhor. Trata-se da situação enfrentada pela sociedade brasileira, com seus
cenários graves que precisam ser vencidos a partir de reconfigurações culturais
e sociopolíticas.
Há
de se buscar os diagnósticos das muitas loucuras que ameaçam o tecido social
para que seja escolhida a estrada da sabedoria. Esse investimento é
indispensável, semelhante a uma vacina, em um processo de imunização para
garantir rumos novos a este tempo, com o aproveitamento inteligente de
oportunidades e conquistas já garantidas pela civilização contemporânea. Para
isso, são necessários os sábios, e não os loucos.
Sinaliza
sabedoria a capacidade de gerar a união, articulando diferenças, delas fazendo
riquezas. A sociedade precisa de cidadãos habilidosos na gestão de perspectivas
divergentes, humanisticamente preparados para promover, continuamente, diálogos
construtivos. Cidadãos comprovadamente preparados para amar seu
semelhante, sustentados por uma referência espiritual que ilumine suas visões e
fecundem a capacidade para poder ouvir cada pessoa, particularmente os clamores
dos deserdados e injustiçados deste mundo. Muitos campos existenciais, a
exemplo da política do bem, da economia solidária – na contramão daquela que
mata -, podem contribuir para cultivar a sabedoria no ser humano. De modo
especial, a espiritualidade tem importante papel para gestar a condição de
sábio, e não de louco.
A
genuína espiritualidade cristã tem propriedades para garantir equilíbrios e
saúde mental, sentido social alicerçado em solidariedades, reverência e
respeito à história, compromisso de se promover a vida de todos. Oportuno é
retomar o que a espiritualidade cristã indica como experiência sapiencial:
adotar estilo de vida profético e contemplativo que é fonte de duradoura
alegria – livre de sensações efêmeras motivadas pelo consumismo; suplicar ao
Criador – fonte única e inesgotável da sabedoria – que derrame bênçãos,
copiosamente, em cada coração, tornando-o sábio, jamais louco.
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