“Jesus, cheio de compaixão, estendeu
a mão e tocou nele...” (Mc 1,41)
O caminhar de Jesus pela Galiléia
gera situações de alívio; sua missão é aliviar o sofrimento da humanidade.
Pelos caminhos, Jesus se encontra com as pessoas “deslocadas”, sem lugar e fora
do convívio social. A partir do “Deus vivo” Jesus se move em direção àqueles
que estavam sobrando; sua presença entre os excluídos é portadora de vida. Olhando-as
nos olhos e acolhendo-as com suas mãos, Ele se deixa afetar por eles.
Jesus não se esquiva da dor, da
solidão e da morte; encara-as, toca-as, revela as entranhas compassivas de Deus
onde a lei vê impureza, ativa a compaixão do Pai nas entranhas das pessoas
indefesas e estas encontram e recuperam sua fortaleza, sua dignidade de ser
humano.
Assim procede Jesus; suas mãos deixam
transparecer um coração compassivo, solidário e comprometido.
Muitas vezes, Ele cura os doentes
através do toque, da imposição das mãos, da bênção...
O evangelho está cheio de momentos
nos quais as pessoas querem tocar em Jesus, mesmo que fosse a franja
de suas vestes; em outras circunstâncias, é o próprio Jesus que rompe os
“protocolos sanitários” e toca os doentes, leprosos... correndo o risco de se
contaminar.
Um leproso tinha, no contexto
daquela época, a obrigação de viver separado, fora das povoações e distanciado
da família, para evitar o risco da contaminação. E tinha o dever de gritar aos
outros, prevenindo-os para que não se aproximassem. No relato deste domingo,
porém, o leproso quebra o protocolo e vem ao encontro de Jesus. E faz isso,
certamente, porque pressentia no profeta de Nazaré a abertura para tal.
Ora, Jesus não fica apenas na
palavra: “quero”. Estende também sua mão, tocando o leproso. Podia simplesmente
mandá-lo lavar-se setes vezes nas águas do rio Jordão, como o profeta do AT
(2Rs 5,10); mas Ele prefere incorrer no perigo da contaminação, desejando tocar
a ferida do outro, querendo compartilhar, como só o toque pode revelar, aquele
sofrimento, ajudando o leproso a vencer o ostracismo interiorizado por aquela
separação forçada.
Jesus não pensa nas severas
restrições da Lei, mas deixa aflorar a compaixão, aquele sentimento
divino que Ele encarna e torna visível. É a compaixão que o leva a quebrar o
distanciamento social e compromete-se. Quando as mãos estão carregadas de
compaixão, elas se tornam oblativas, abertas, servidoras... A compaixão é o
sentimento que faz a conexão das mãos com o coração. Ter compaixão é ter
coração nas mãos.
Tocar é algo mais que uma
simples experiência psicológica; tocar é sentir que uma corrente de vida passa
de um para outro. O leproso é tocado no sentido de encontrado, assumido,
aceito, reconhecido, resgatado, abraçado. Quando toda a distância é vencida, o
toque de Jesus reconstrói a humanidade ferida. Ou seja, a pessoa se sente
reconstruída em sua integridade; a acolhida incondicional e o reconhecimento
que Jesus lhe confere, fazem o leproso recuperar a confiança em si mesmo,
abrindo-lhe um horizonte de esperança.
Sabemos que um doente, quando tocado
de forma respeitosa e não invasiva, recebe estímulos de humanidade, de
autoestima e confiança que facilitam o curso da sua recuperação. Um
profissional de saúde deve saber que, por vezes, um simples toque ajuda a
amenizar a perturbação, tranquiliza sentimentos agitados e transmite um
conforto que nenhuma máquina ou medicamento transmite.
A imposição das mãos também está
sendo redescoberta em seu significado sanador. Ao impor as mãos em outra
pessoa, o Espirito curador de Deus inunda-a, invade suas áreas de tensão, suas
paralisias, seu caos interior.
“Tocar” é uma experiência
especial; o tato é o mais visceral, originário e delicado dos
sentidos; e a sensação de tocar e ser tocado é primária; basta ver como os
bebês querem tocar em tudo e se acalmam quando se sentem tocados.
O toque é primordial na comunicação
mútua. A chamada “fome da pele” é experiência reconhecida na vida
humana. O mais leve toque pode despertar emoções, expressar calor humano que
não se consegue com palavras. Reduzir os sentimentos a meras palavras cessa
qualquer mensagem do coração.
O toque alivia a dor, a
depressão, a ansiedade; o toque afetuoso dá segurança, faz a pessoa
sentir melhor consigo mesma e com o seu ambiente; seu efeito é positivo sobre o
desenvolvimento humano, provoca mudanças naquele que toca e é tocado.
É fácil dizer que na vida é preciso
andar “com tato”. É verdade que com o corpo e com as mãos, expressamos ternura,
abertura, proteção, acolhida, vinculação... O amor também é físico. E hoje,
quando há muito contato físico sem amor, ou muitos contatos sem entrega, é
necessário sentir essa unidade.
O amor toca, e assim se expressa, de
muitos modos, a relação mais profunda, mais intensa e estável. O amor, atento
ao outro, se expressa fisicamente de mil maneiras.
O coração é o lugar onde o ser
humano se revela. As mãos são expressão daquilo que está presente no
coração; um coração cheio de ternura, bondade, compaixão... se expressa através
das mãos ternas, bondosas, compassivas, que praticam a partilha... Um coração
cheio de violência, arrogância, ambições, malícias... se expressa através de
mãos violentas, maliciosas, fechadas... As mãos... o espelho da alma.
É o coração transformado que dirige
a mão santificada, delicada. É o coração agradecido que transforma
as mãos em instrumentos de graça.
As mãos, portanto,
adquirem uma infinidade de expressões (mãos estendidas, enérgicas, punho
fechado, mãos abertas, governar com mão de ferro”, “bordar
com mão de fada”, “escrever com mão de mestre”,
“abrir mão de algum direito”, “dar uma mão a alguém”,
“estar de mãos atadas diante de um problema”, “lançar mão de
um estratagema”, “estender a mão para alguém”, “pedir a mão da
moça em casamento”, “pôr mãos à obra”, “estar nas mãos de
alguém”, “impor as mãos”...
Observando estas expressões,
encontramos a “mão” como metáfora para a “força, energia,
domínio”.
A aplicação figurada provém do fato
de as mãos serem o instrumento mais universal de que o ser
humano dispõe. Além de instrumento, as mãos são ainda meio de
comunicação entre pessoas de línguas diferentes. Através das mãos comunicamos
energia, rompemos distâncias...
Mas também, através das nossas mãos, podemos
comunicar algo maior e que não nos pertence. Na nossa mão há a Mão
da Vida; encontramos esta expressão em diferentes tradições
religiosas: “a Mão de Deus”. Algumas vezes podemos nos sentir
guiados, como se tivéssemos uma Mão pousada em nosso ombro, em nossa cabeça,
nas nossas costas, para nos fazer avançar, para nos manter de pé. Em hebraico,
a mão simbolizada pela letra y (yod), é encontrada
no tetragrama YHVH, que significa Javé.
As mãos estão sempre
associadas à ação, como a cabeça à razão e o coração aos sentimentos.
“Mãos à obra” é uma expressão
acertada e precisa. Não é possível continuar fazendo elucubrações vazias sobre
as coisas, divagando sobre o legalismo e o moralismo, especulando ideias
piedosas e estéreis... Às vezes, em nosso meio cristão, sobram grandes ideias e
palavras em excesso, mas sempre faltam mãos abertas, mãos estendidas, mãos
ativas, dispostas a se sujar, a gastar-se e empenhar-se no esforço por
construir, por abrir as portas à vida daqueles que estão à margem. Sempre serão
mais urgentes mãos capazes de reconciliar e de elevar quem está mais afundado,
mais quebrado, mais ferido; mãos capazes de suportar a própria carga e a carga
alheia, daqueles que não tem quem os ajude ou de quem os defenda, a de quem não
tem forças, nem esperança...
Textos bíblicos: Mc
1,40-45
Na oração: Para rezar com
o tato você deve, ainda, aprender outras linguagens: das mãos (cumprimentos,
abraços, carícias, aplausos); dos lábios (beijos, consolos, palavras
agradáveis); dos olhos (sorrisos, lágrimas); do coração (sensibilidade
e afetos...)
Ninguém toca ninguém “de
longe”. Você também estará tocando em Deus ao se aproximar d’Ele com uma
visita, um telefonema, uma mensagem, uma saudação na rua, um favor, um serviço
prestado com amor, um serviço voluntário...
Há templos famosos pela
liturgia da oração tátil: orfanatos, hospitais, cárceres, periferias,
sanatórios, asilos, favelas... Não deixe de frequentá-los.
- Na sua oração, sinta-se próximo de
todos. Toque tudo. Acaricie todas as suas recordações. É uma forma fabulosa de
rezar a vida.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Fonte:centroloyola.org.br
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