O Papa Francisco fala sobre vícios e virtudes num livro-entrevista do Pe. Mario Pozza.
O
Corriere della Sera antecipa trechos do novo livro-entrevista do pe. Marco
Pozza ao Papa dedicado aos vícios e às virtudes: “As crises de fé revelam a
necessidade de entrar cada vez mais profundamente no mistério de Deus.” O
dilúvio bíblico e o que corremos o risco de ver “se continuarmos na mesma
estrada”.
VATICAN NEWS
“Vícios
e virtudes” (Editora Rizzoli) é o título do novo livro-entrevista do pe. Marco
Pozza com o Papa Francisco que será lançado no dia 2 de março. O capelão da
prisão de Pádua conversou com o Papa para um programa de televisão que será
proposto em breve no canal Nove e se desdobra em 7 episódios dedicados ao
confronto entre vícios e virtudes. O conteúdo do livro foi antecipado, neste
sábado (27/02), pelo jornal italiano Corriere della Sera. O fio de
reflexão segue a representação das sete virtudes e vícios opostos que Giotto
pintou na Capela Scrovegni: justiça/injustiça, fortaleza/inconstância,
temperança/ira, prudência/tolice, fé/infidelidade, esperança/desespero,
caridade/ciúme. Francisco afirma: “Existem pessoas virtuosas, existem pessoas
viciosas, mas a maioria é uma mistura de virtudes e vícios. Alguns são bons
numa virtude, mas têm algumas fraquezas. Porque somos todos vulneráveis. E essa
vulnerabilidade existencial devemos levar a sério. É importante saber disso,
como guia do nosso caminho, da nossa vida”.
Ira e intimidação
“A
ira destrói”, explica o Papa no livro. “A ira é uma tempestade cujo propósito é
destruir. Pensemos no bullying entre os jovens. O bullying hoje é terrível.
Está muito presente nas escolas. Mesmo os mais pequenos têm a capacidade de
destruir o outro. (...) O bullying surge quando, em vez de buscar a própria
identidade, se desvaloriza e se ataca a identidade dos outros. E quando ocorrem
episódios de agressão e bullying nos grupos de jovens, na escola, nos bairros,
vemos a pobreza de identidade de quem agride. A única maneira de se 'curar' do
bullying é partilhar, viver juntos, dialogar, ouvir o outro, ter tempo porque é
o tempo que faz o relacionamento. Cada um de nós tem algo de bom para dar ao
outro, cada um de nós precisa receber algo de bom do outro”.
O dilúvio bíblico e o que corremos
o risco
Francisco
fala então da ira de Deus, que “é contra a injustiça, contra Satanás. É
dirigido contra o mal, não aquele que vem da fraqueza humana, mas o mal de
inspiração satânica: a corrupção gerada por Satanás, atrás da qual vão homens e
mulheres, sociedades inteiras. A ira de Deus pretende trazer justiça, 'limpar'.
O dilúvio é o resultado da ira de Deus, diz a Bíblia. É uma figura da ira de
Deus, que segundo a Bíblia viu muitas coisas más e decide cancelar a
humanidade”. O Papa explica que o bíblico, segundo exegetas e biblistas, “é um
conto mítico. Mas o mito é uma forma de conhecimento”. Para os arqueólogos, “o
dilúvio é um relato histórico porque eles encontraram vestígios de inundação em
suas escavações. Um grande dilúvio, talvez devido ao aumento da temperatura e
ao derretimento das geleiras: o que acontecerá agora se continuarmos no mesmo
caminho. Deus desencadeou sua ira, mas viu um justo, o pegou e o salvou. A
história de Noé mostra que a ira de Deus também é salvadora”.
Prudência
Francisco
então fala de prudência. “Para alguns, a prudência seria uma virtude pura, sem
contaminação. É como se fosse um ambiente esterilizado. No entanto, a prudência
é a virtude do governo. Não se pode governar sem prudência, pelo contrário.
Quem governa sem prudência, governa mal e faz coisas ruins, toma decisões ruins,
que destroem o povo, sempre. A prudência no governo nem sempre é equilíbrio. Às
vezes, a prudência deve ser desequilibrada para tomar decisões que produzem
mudanças. Mas a prudência é uma virtude essencial para quem governa: os homens
passionais, e é preciso algo que nos diga 'Pare, pare e pense'. Não é tão fácil
ter prudência. É preciso muita reflexão, muita oração, mas acima de tudo, é
preciso empatia. O asséptico, aquele que nunca se suja, aquele que se lava com
desinfetante, não é muito prudente. A prudência anda de mãos dadas com a
simpatia, com a empatia, para as situações, as pessoas, o mundo e os problemas
(...) ”
Fé e dúvidas
Entre
os trechos do livro antecipado pelo Corriere della Sera, também é significativo
aquele dedicado às dúvidas que podem acompanhar a vida do fiel. “Pode a fé
crescer de mãos dadas com a dúvida?” se pergunta o Papa Francisco. “Isso
acontece porque somos humanos, e a fé é um dom tão grande que, quando a
recebemos, não podemos acreditar. Será algo possível? O diabo coloca dúvidas,
depois a vida, as tragédias: por que Deus permite isso? Mas uma fé sem dúvidas
não funciona. Pense em Santa Teresinha do Menino Jesus: você acha que ela não
tinha dúvidas? Leia o fim de sua vida. Ela conta que, nos piores momentos de
sua doença, pediu para levar água benta ao seu leito, para pegar a vela
abençoada a fim de afastar o inimigo. O problema é quando você não tem
paciência. Jesus homem, no Horto das Oliveiras, estava feliz? 'Por que você me
abandonou?'. Pensar em ser abandonado por Deus é uma experiência de fé que
muitos santos tiveram e também muitas pessoas hoje, que se sentem abandonadas
por Deus, mas não perdem a fé. Eles guardam o dom: neste momento não sinto
nada, mas guardo o dom da fé. O cristão que nunca passou por esses estados de
espírito perde alguma coisa, porque isso significa que ele se contenta. As
crises de fé não são faltas contra a fé. Pelo contrário, revelam a necessidade
e o desejo de entrar cada vez mais profundamente no mistério de Deus. Uma fé
sem essas provações me faz duvidar de que seja uma fé verdadeira”.
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