Da
esq. para a dir.) Os juízes Afonso José de Andrade e Wagner Cavalieri, com o
então formando em Direito, Samuel da Silva, e seu pai adotivo, José Inácio
Gomes (Mirna de Moura/TJMG)
História ocorrida em Contagem, na
Grande BH, é repleta de superação e gratidão
Era um simples debate
sobre teoria da posse no estacionamento do antigo fórum de Contagem, na Região
Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). O juiz Wagner Cavalieri, da Vara de
Execuções Criminais, gostava de parar ali e discutir temas do cotidiano com
servidores e colegas. Naquele dia, o funcionário da faxina que ouvia a conversa
defendeu um ponto de vista jurídico com afinco e atraiu a atenção curiosa do
magistrado.
O juiz achou a
situação inusitada. Investigou e descobriu que aquele rapaz, segurando vassoura
e saco de lixo, era um sobrevivente, que usou a paixão pelo saber jurídico como
combustível para lutar. Até então, uma das principais conquistas do jovem
Samuel Santos da Silva tinha sido frequentar, como universitário, por apenas
seis meses, a faculdade de Direito.
Sem conseguir pagar as
mensalidades do curso, foi obrigado a desistir dos estudos. Ao saber disso, o
juiz Wagner Cavalieri se juntou ao amigo e colega de profissão Afonso José de
Andrade, hoje aposentado, para apadrinhar o trabalhador terceirizado. O jovem,
então, conseguiu voltar à universidade. O apoio financeiro foi assumido durante
anos também por diversos juízes que estão no fórum ou que passaram pela
comarca. Aluno exemplar, Samuel se graduou cinco anos depois e hoje é
estagiário de pós-graduação na Procuradoria-Geral do Município de Contagem.
A luta que o jovem
enfrentou, no entanto, começou muito antes, aos cinco anos de idade. Ele era o
único companheiro da mãe, recém-separada do marido, quando saíram de São Paulo
com destino a Minas, em busca de uma vida mais digna. Aqui, passou fome, dormiu
em igrejas e praças e sofreu a fase mais difícil da sua vida em dias e noites
na rua. Por pouco, ele e a mãe não se tornaram mendigos, como faz questão de
enfatizar.
Com problemas
psicológicos, a mãe precisou ser internada. Apesar de mais um drama, Samuel
sentiu, durante aquele episódio, o gosto da compaixão e da solidariedade. Sem
lugar para ficar, foi adotado por um casal que tinha sido padrinho de casamento
dos seus pais. Um marceneiro e uma faxineira que deram a ele uma cama para
dormir, comida, educação e um lar com outros 11 irmãos. Viveu e cresceu de
forma simples.
Samuel
da Silva fez pós-graduação na USP (Mirna de Moura/TJMG)
Dia da adoção:
paixão
O dia em que o menino
entrou no fórum de Contagem para ser oficialmente adotado despertou, naquela
criança, o desejo que ele só foi entender quando adulto: a paixão pelo Direito.
Quis servir ao Judiciário, almejava ajudar outras pessoas e pensou em prestar
concurso para oficial de Justiça.
Fez vestibular para
Direito em duas universidades. Passou nas duas, mas só teve condições de pagar
a matrícula, mesmo assim porque uma antiga professora do ensino fundamental se
prontificou a quitar o boleto. Não tinha dinheiro para estudar e cursou todo o
semestre inadimplente. Por isso, não conseguiu fazer rematrícula e, antes de
trancar a faculdade, abraçou a oportunidade de ser voluntário conciliador no
local que sonhou trabalhar, o fórum. Era o ano de 2011.
O trabalho voluntário
permitiu a ele procurar alguma oportunidade de emprego no prédio. Entregou
currículos e descobriu que as empresas terceirizadas só contratavam para as
áreas administrativas e de serviços gerais. Depois de muito tempo, foi chamado
para trabalhar na limpeza. ?Admiro muito a profissão de faxineiro, que é a
profissão da minha mãe adotiva. Fui orientado a esperar um pouco porque, como
universitário, poderia surgir uma oportunidade melhor, mas eu comecei a
trabalhar com dignidade e fazendo as coisas com muito amor?, lembra.
?De repente eu estava
ali naquele fórum que me colocou em uma família adotiva, quando tudo começou a
dar certo, e as melhores oportunidades começaram a surgir. Meu sentimento foi
de enorme gratidão?, disse. Nas conversas com os colegas de faxina sempre
levantava alguma teoria sobre a aplicabilidade do Direito e foi despertando a
atenção de juízes e servidores.
O sonho é ser
juiz
?Ele tem grandes
virtudes, é perseverante e sempre procura se aperfeiçoar. As dificuldades não o
abalaram. Vê-lo graduado foi um prêmio pra mim, sensação de satisfação por ter
apoiado alguém que não poderíamos perder no mundo jurídico?, destaca o juiz
Afonso Andrade. ?Ele sempre disse que seria um grande operador do Direito?,
completou.
O juiz Wagner
Cavalieri lembrou que, ao longo de todo o curso, o rapaz fez questão de prestar
contas das notas que tirava, dos trabalhos na faculdade e projetos futuros.
?Desde o início, vimos que o Samuel não se fez de vítima e era extremamente
interessado em teorias e teses jurídicas?, disse.
Os pais adotivos
também admiram a persistência do jovem. ?Dos 12 filhos, apenas ele e uma irmã
conseguiram se formar na faculdade?, disse o pai José Inácio Gomes. A mãe,
Maria da Silva Gomes, recorda a primeira conversa que teve com os magistrados.
?Eles disseram que iam apoiar os estudos do meu filho. Os juízes me ajudaram a
criá-lo?, emociona-se.
Para o ex-faxineiro, a
dedicação em tudo que faz é uma maneira de honrar os pais e todos aqueles que o
ajudaram em algum momento. ?Imagina a situação. Os juízes me apadrinharam e
pagaram minha faculdade do 2º período ao final do curso e ainda quitaram a
minha dívida que ficou do primeiro período. Vários magistrados chegavam à
comarca e persistiam em querer ajudar, os servidores também. Foi muito
importante para mim viver tudo isso?, define o hoje pós-graduado.
Estágio, artigos em
revistas, trabalho em escritórios de advocacia e em instituições do sistema de
Justiça, convites para participar da autoria de livros, pós-graduação na
Universidade de São Paulo (USP) em gestão escolar e outros cursos em
universidades norte-americanas. Mas o sonho maior é se tornar juiz de direito,
?para poder ajudar?.
Fonte: TJMG
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