sábado, 20 de março de 2021

ÁGUA E AS PANDEMIAS DA HUMANIDADE


A cada dia, em todas partes, as fontes de água diminuem e o uso das águas continua predatório (Unsplash/ Ritvik Singh)

Além da pandemia, vivemos uma crise que abrange toda a humanidade e afeta o planeta Terra

Marcelo Barros
Este é o segundo ano no qual celebramos o Dia Internacional da Água em plena pandemia. Lavar as mãos e cuidar mais da higiene pessoal são preocupações primárias para todos. No entanto, como cumprir essas exigências sanitárias em um Brasil no qual água e saneamento ainda parecem luxos aos quais grande parte das pessoas não têm acesso?

Conforme dados oficiais, quase metade da população do Brasil continua sem acesso a sistemas de esgotamento sanitário. Quase 100 milhões de pessoas, ou seja, 47% dos brasileiros, utilizam medidas alternativas para lidar com os dejetos – seja através de uma fossa, seja jogando o esgoto diretamente em rios. Além disso, mais de 16% da população, ou quase 35 milhões de pessoas, não têm acesso à água tratada, e apenas 46% dos esgotos gerados nos país são tratados.

O fato da ONU consagrar o dia 22 de março como Dia Internacional da Água nos recorda que, além da pandemia, vivemos uma crise que abrange toda a humanidade e afeta o planeta Terra. O modo de organizar o mundo, baseado na exploração de seres humanos e na destruição da natureza não tem mais sustentação. Dos mais de sete bilhões de pessoas que habitam a face do planeta, apenas 1% goza os privilégios desta sociedade consumista e predadora da humanidade e da Terra.

A consciência dos limites do planeta começou a surgir a partir da década de 60, mas aprofundou-se na década de 70 e generalizou-se a partir da década de 80. Entre todos os bens da Terra e da Vida, o mais ameaçado é a água. É o maior problema ecológico de nossos tempos e é motivo de conflitos e guerras entre vários povos em quase todos os continentes. Se um bilhão e duzentos milhões de seres humanos não têm acesso à água potável e milhões de crianças, em muitos países pobres, morrem em consequência do uso de águas impróprias para a saúde, não podemos mais não cuidar com prioridade desta questão. O uso que a sociedade faz da água aumenta sempre. Enquanto isso, por causa da poluição e do aquecimento global, os rios diminuem de volume normal. Muitos estão agonizantes, como o São Francisco. Na região amazônica, grandes rios contaminados por mercúrio. Em Minas Gerais e outras regiões do país, rios mortos pelos elementos tóxicos jogados pelas barragens das mineradoras. A cada dia, em todas partes, as fontes de água diminuem e o uso das águas continua predatório.

Essa realidade ainda se torna mais problemática porque a sociedade capitalista transforma a água em mercadoria e a privatiza. Empresas como a Coca-Cola, a Nestlé e Danoni se tornam donas de fontes de águas. Atualmente, todas as fontes minerais da cidade de São Lourenço, MG e a própria água que serve à cidade são propriedade particular da Coca-cola e são vendidas como mercadoria.

Muitos grupos da sociedade civil têm se mobilizado contra este crime. O Uruguai conseguiu passar uma lei na nova Constituição Federal que proclama claramente: "A água é uma necessidade e direito de todos os seres vivos. Por isso, não poderá ser privatizada nem mercantilizada".

A resistência contra a mercantilização da água continua difícil e violenta. Basta lembrar a lei que privatiza o saneamento, lei sancionada pelo atual presidente em 15/07/2020. Mas, a organização da sociedade civil mais consciente e os grupos ecológicos não descansam. Grupos organizados aceitam pagar os serviços da empresa que nos traz água até em casa, mas não pagar pela água.

Na Itália, em 2004, as comunidades se organizaram e conseguiram obter uma grande vitória: obrigaram 136 prefeituras a retirar a deliberação – já muitas vezes, implementada – de privatizar a água. De lá para cá, a luta se ampliou e espalhou-se por outras regiões e países.

É importante que todos(as) tomem consciência do problema. É urgente educar-se e educar os seus a tomar todo cuidado para poupar água, proteger rios e fontes próximos à sua casa ou em sua região. Além de cuidar do consumo da água na própria casa e outros espaços que frequenta, quem tem possibilidades, pode formar espontânea e civilmente comissões de defesa das bacias hidrográficas, previstas em lei federal ou participar ativamente nos Comitês de Bacias Hidrográficas onde eles já foram implementados.

No Brasil e em todo o mundo existem várias organizações consagradas à luta pela democratização da água. Elas pedem à ONU que proclame a água como bem comum da humanidade e direito universal de todo ser vivo. Em todas as regiões, se podem participar dessas associações. Assumir, individual e coletivamente, a responsabilidade desta questão vital e juntar-se a todas e todos que se propõem a ser guardiões da água é fazer com que a Paz e a Justiça possam ocorrer no mundo.

Marcelo Barros
Marcelo Barros é monge beneditino e teólogo especializado em Bíblia. Atualmente, é coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT). Assessora as comunidades eclesiais de base e movimentos sociais como o Movimento de Trabalhadores sem Terra (MST). Tem 45 livros publicados dos quais está no prelo: "O Evangelho e a Instituição", Ed. Paulus, 2014. Colabora com várias revistas teológicas do Brasil, como REB, Diálogo, Convergência e outras. Colabora com revistas internacionais de teologia, como Concilium e Voices e com revistas italianas como En diálogo e Missione Oggi. Escreve mensalmente para um jornal de Madrid (Alandar) e semanalmente para jornais brasileiros (O Popular de Goiânia e Jornal do Commercio de Recife, além de um jornal de Caracas (Correo del Orinoco) e de San Juan de Puerto Rico (Claridad). 

Domtotal

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