A
partir de março de 2020, o desemprego atingiu 14 milhões de brasileiros e 19
milhões se situam abaixo da linha da pobreza (Roberto Parizotti/FotosPublicas)
O 1º de maio continua sendo uma data
simbólica que nos convoca para cuidarmos da vida, da segurança e da saúde das
pessoas
Marcelo Barros
A tragédia da pandemia
escancara para todo mundo ver que a divisão de classes é cada vez mais
forte. Não é por acaso que, no Brasil, a partir de março de 2020, o desemprego
atingiu 14 milhões de brasileiros/as e 19 milhões se situam abaixo da linha da
pobreza. No entanto, na mesma época, o lucro da elite mais rica do país
triplicou.
Na Europa, no início dos
anos 80, analistas sociais escreviam que se a taxa de desemprego chegasse a 8%,
a sociedade não aceitaria e haveria uma convulsão social grave. Hoje há países
como a Grécia, a Espanha e mesmo a Itália, onde a parcela de desocupados chega
a quase 30% e não acontece nada. Na sociedade atual, quem perde o emprego sabe
que não se trata de uma situação passageira. Quase certamente, não conseguirá
outro emprego em algumas semanas ou meses. O desemprego é estrutural. As
empresas são consideradas sadias e lucrativas quanto menos empregados
contratarem. E o mais grave de tudo isso é que essa situação é vista por muitos
como normal ou ao menos como inevitável. A maioria dos meios de comunicação
apregoa o neoliberalismo como um dogma e a exclusão social da imensa maioria
das pessoas como um sacrifício inevitável e positivo do progresso. O objetivo é
o lucro das empresas a qualquer custo e o progresso material. Os patrões se
protegem da pandemia, mas as empregadas domésticas e todas as pessoas que
trabalham têm de assumir os riscos de viajar em coletivos superlotados e
garantir o comércio e o lucro dos patrões.
Atualmente, diante da
crise estrutural do desemprego, às vezes, os próprios coletivos de
trabalhadores se sentem obrigados a propor redução das horas de trabalho para
evitar demissões em massa. O capitalismo continua em seu afã de manter os
organismos do Estado a seu serviço, de considerar a natureza como mercadoria a
ser explorada e encontrar sempre formas novas de explorar o trabalho dos outros.
Nestes dias em que a
educação e muitas atividades são obrigatoriamente reduzidas ao trabalho
virtual, as empresas de educação exploram o trabalho dos/as professores/as até
a última gota de sangue e nem sempre pagando horas extras. Quem assessora grupos
sabe que as pessoas simplesmente pedem lives e videoconferências, muitas vezes,
sem se darem conta de que isso é um trabalho que exige mais de quem o faz do
que os encontros presenciais. Nestes tempos de pandemia, o trabalho virtual
começa a tomar, em alguns casos, a configuração quase de trabalho escravo não
remunerado, mais exigente e pesado do que as formas clássicas de emprego.
É verdade que em um
mundo de trabalho virtual e no qual todas as profissões sofrem a ameaça de
ceder espaço para a revolução digital, o 1º de maio tem de ser celebrado de
modo diferente do que era nas décadas de grandes passeatas e concentrações. É
mais importante do que nunca mostrar que não existe a alternativa entre salvar
a vida das pessoas ou salvar o comércio. Além do fato de que, a longo prazo,
isso é falso, ao assumir abertamente a cara desumana do sistema que põe o lucro
acima da vida, a sociedade dominante se revela mais assassina do que o próprio
vírus da pandemia.
Infelizmente, a
ideologia neoliberal penetrou até nos ambientes das Igrejas e religiões. Na
encíclica sobre a fraternidade universal, o papa Francisco propõe que se passe
do mundo dos sócios ao mundo de irmãos e irmãs (FT 101). Neste contexto, o 1º
de maio não pode ser apenas o dia do trabalho, como se fosse uma data para
acentuar o valor do trabalho. É a pessoa dos/das trabalhadores/as que deve
merecer atenção e cuidado e não só como pessoas individuais e sim como
categorias e coletivos.
Como os profetas e
profetisas da justiça e da paz são sempre minorias, mas nunca deixam de atuar,
o 1º de maio continua sendo uma data simbólica que nos convoca para cuidarmos
da vida, da segurança e da saúde das pessoas. Quem é cristão recorda que o
evangelho chama Jesus de carpinteiro ou artesão, termo usado na época para qualquer
trabalhador braçal. Assim, os homens e mulheres que hoje assumem a missão de
participar da caminhada coletiva do mundo do trabalho sabem que ao lutar
pacificamente para transformar esse mundo estão sendo testemunhas de que o
reinado divino está vindo e Deus está presente na luta do povo pela justiça e
pela paz.
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