domingo, 2 de maio de 2021
O PERMANECER, A VERDADE, O AMÉM E OS LAÇOS DE ETERNIDADE EM JOÃO E NA PANDEMIA : REFLEXÃO SOBRE O EVANGELHO DO 5º DOMINGO DA PÁSCOA, JOÃO 15,1-8
Como
na experiência que relatamos, entre mãe e filhos, tronco e ramos, Jesus nos
mostra que a vida é esse nó de relações, de estar juntos (niko photos /
Unsplash)
O Evangelho sobre o
qual vamos refletir é Jo 15,1-18. Como temática quero propor a seguinte
reflexão: o permanecer, a verdade, o amém e os laços de eternidade. Jo 15,1-8 é
uma parábola, uma comparação que Jesus faz, quando diz "Eu sou a videira
verdadeira e meu Pai é o agricultor" (15,1). Qual o significado dessa afirmativa
de Jesus? É a penúltima vez, a sexta, que Jesus diz: "Eu sou". A
última será "Eu sou a ressurreição e a vida" (Jo 11,25). Jesus também
faz um forte apelo: "Permanecei em mim!" Aliás, sete vezes, em oito
versículos, aparece o verbo permanecer. Qual o sentido de permanecer?
Vou começar pelo
sentido de permanecer a partir de uma experiência que acabo de passar, que tem
muito a ver com Jo 15,1-8. Penso que muitos dos que estão nos lendo já podem
também ter passado por ela.
Vivenciei, de forma
solidária, fraterna e familiar, o sofrimento, a fé e a esperança diante da
morte de uma mãe, cuja causa morte foi o temível coronavírus. Seu nome era
Maria, a matriarca que morreu jovem, com apenas 65 anos. Quanta luta para
conseguir um hospital, um CTI, um tratamento digno para quem foi de uma
dignidade ilibada. Um sofrimento que arrastou intermináveis 21 dias.
Na fé em Deus, sob a
proteção de Nossa Senhora Aparecida, modo como ela educou seu filho, filhas e
neto, todos nós nos movíamos na firme esperança de que tudo sairia bem.
Infelizmente, veio a esperada e inesperada morte, seguida de um não velório,
como mandam as regras da pandemia. Muito sofrimento para ela e para nós.
Celebramos na inspiração da ressurreição de Lázaro, quando Marta diz a Jesus:
"Se o Senhor estivesse aqui, meu irmão não teria morrido" (Jo 11,21).
Eu nem me ousaria elencar aqui os vários "ses" que, se tivesse sido
diferente, não teria causado a sua morte.
Com a sua Páscoa,
ainda que fora de época, permanece a fé em Deus-Pai. Permanece a esperança de
que ela está na vida eterna junto com os seus. Permanece o sofrimento da
ausência que será substituída, no findar do luto, por uma terna lembrança de
tudo que ela foi, viveu e ensinou, numa eterna saudade. No trem da vida, na
luta por viver, não mais será possível sua presença física, mas, espiritual,
sim. Maria, que tinha o sobrenome de Georgina, coisa que poucos sabiam,
permanecerá para sempre na força do simbolismo de seu nome Maria, a "amada
de Deus".
Permanecer, esse o
verbo, a ação que nos moveu até aqui. Jesus é claro no seu chamado aos
discípulos para permanecer nele: permanecei em mim, que sou a videira
verdadeira. Trata-se da união entre o tronco e os ramos, Jesus e seus
discípulos. Permanecer é morar. Morar é estar dentro. Como namorar é entrar na
morada do outro. O desafio para os enamorados é saber se eles serão capazes de
morar dentro do outro por toda uma vida, na saúde, na doença, na alegria e na
tristeza. Quem permanece tem relação de afinidade.
Permanecer em Jesus é
deixar Deus morar dentro de nós. Que maravilha de experiência! O filho mora
dentro da mãe antes de nascer. A mãe mora dentro dele por toda a vida, mesmo
depois da morte.
Jesus, quando anuncia
a sua morte, diz que nos deixaria o Espírito Paráclito, o Espírito da Verdade, que
será o nosso defensor, nosso advogado para sempre. O Espírito é o da Verdade,
Jesus é a verdadeira videira. Por que isso? Verdade é muito usado em João. Deus
do Primeiro Testamento é o Deus da Verdade (Is 65,16).
Verdade é outro nome
de Deus, expresso no termo amen, que, em hebraico, tomando as
iniciais, diz: Deus, Rei e Fiel (Elohim Melech Neeman). Esse amém é
traduzido por verdade (Jo 3,3; Ap 3,14). Amém vem de aman, que
significa verdade, fiel. Jesus é a verdadeira videira. Outras videiras são
falsas. Ele é o caminho, a verdade e a vida. A ele, os discípulos e nós,
devemos estar unidos para sempre. Verdade é, por outro lado, é a presença de
governos negacionistas da pandemia. A esses não podemos dizer amém.
Como na experiência
que relatamos, entre mãe e filhos, tronco e ramos, Jesus nos mostra que a vida
é esse nó de relações, de estar juntos. Ninguém vive sozinho. Somos família, na
sua primeira experiência, somos sociedade, somos Igreja na fé. Jesus convoca
seus discípulos permanecerem Nele e, por conseguinte, no Pai, Deus que Ele
revela. Lembre-se de que o grande objetivo do Evangelho de João é demonstrar
como Jesus revela Deus, o Pai, o agricultor, aquele que cuida do tronco que é
Jesus, que une a comunidade de fé.
Quem não permanecer
nele, a Verdade-Deus-Filho, será cortado como ramo seco e queimado. Trata-se
dos que não produzem frutos de amor, não vivem no amor fraterno, na caridade, o
que será dito no oitavo uso do verbo permanecer, no versículo nove: permanecei
no meu amor. Amor fraterno é outro carro chefe do Evangelho de João.
Os que não permanecem
ligados ao tronco são os inimigos, os não cristãos daquela época, ou até mesmo
que participavam da comunidade, mas não eram fiéis aos ensinamentos de Jesus.
Um dos grandes desafios da Igreja é ser presença, comunhão. Jesus não veio
propor normas, dogmas, mas relacionamentos que nos fazem permanecer unidos por
laços de eternidade, na Verdade que é Deus. Amém! Amém! Amém!
*Doutor em Teologia Bíblica pela
FAJE-BH. Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto
Bíblico de Roma. Professor de exegese bíblica. Membro da Associação Brasileira
de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e
coautor de quatorze. Último livro: O Medo do Inferno e a arte de bem morrer: da
devoção apócrifa à Dormição de Maria às irmandades de Nossa Senhora da Boa
Morte (Vozes, 2019). Inscreva-se no nosso canal no You Tube: Frei Jacir Bíblia
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