“Soprou sobre eles e
disse: ‘recebei o Espírito Santo’” (Jo 20,22)
Corre
pela rede este relato: uma pessoa idosa e com recursos econômicos contraiu o
Covid; os médicos, temendo por sua vida, aconselharam a colocar-lhe um
respirador; e ele começou a chorar. A enfermeira que o cuidava lhe perguntou: “O senhor está
chorando porque não tem dinheiro para pagar o respirador?”. “Não –
respondeu o ancião – choro porque estive respirando gratuitamente toda a minha vida e
só agora me dou conta do
valor desse grande presente”.
As
circunstâncias desse enfermo e a dos apóstolos fechados são semelhantes, pois
eles se encontram confinados, um com a Covid e os outros estão fechados no
Cenáculo. Em ambos os casos está presente o medo da morte: um, por um vírus
maligno e outro, pelas autoridades romanas, que querem acabar com o movimento de
vida iniciado por Jesus. Também coincide o método curativo: para o ancião
infectado, um respirador que lhe injeta oxigênio nos pulmões; para os
discípulos de Jesus, a chegada do sopro divino que fortalece seu espírito. A
grande diferença é que o hospital cobra enquanto que o Espírito é gratuito.
O
relato nos ajuda a tomar consciência da presença do Espírito em nossas vidas pois Ele, como
o oxigênio, sempre esteve ao nosso lado, mas nos acomodamos no habitual e
esquecemos desse “ar vital” que nos mantém sempre criativos, inspirados e
sonhadores. O Espírito é nosso “respirador” existencial. Por isso, é preciso,
de tempos em tempos, uma sacudida – interna e externa – para que nos recordemos
dessa presença, muitas vezes silenciosa como uma brisa, outra vezes como um
vento impetuoso.
A
liturgia cristã é muito sábia dividindo o ano com festas que indicam os marcos
mais importantes de nossa fé: a encarnação, ressurreição e agora Pentecostes,
que são como “toques” para despertar nossa atenção.
O Espírito Santo é o “oxigênio” que nos faz
respirar.
Descobrir,
no dia-a-dia, que o Espírito é essa Presença forte e terna ao mesmo tempo, e
que, como o oxigênio para respirar, nos envolve, nos habita e nos constitui;
despertar-nos para essa realidade é muito libertador. Mesmo estando em
confinamento, essa Presença percebida como silêncio, como proximidade, como
força, como alegria..., se converte em caminho, em Vida amassada com nossa
vida, e nos “levanta-ressuscita” do sonho quase apagado para conectar-nos com o
Sonho de Deus, seu Reinado.
A
festa de Pentecostes vem acompanhada de muitos símbolos. Um vento que levanta e dispersa o pó que
estava sedimentado em nossas vidas, um fogo que aviva as brasas que estavam apagadas em nosso interior; uma luz benfazeja que nos possibilita ver com
claridade o caminho que se abre diante de nós: a senda que Jesus indicou para
seus seguidores(as); uma força que afasta nossos medos e derruba as paredes que dão a falsa
sensação de segurança; o Espírito é a Vida mesma de Deus: na bíblia, é sinônimo de vitalidade, de dinamismo e
novidade. Vento, fogo, luz, força, vida... tudo grátis, ao alcance de
nossa mão; basta abrir-nos à presença inspiradora e mobilizadora do Espírito.
É
o Espírito dos mil nomes..., nas religiões, na arte, nas grandes descobertas,
nos momentos de inspiração, nas experiências fundantes de nossa vida. “A minha
direção é a pessoa do Vento” (M. Barros).
Foi
o Espírito que impulsionou a missão de Jesus e que agora se encontra também na
raiz da missão da grande comunidade de seus seguidores e seguidoras.
A
imagem do Ressuscitado “soprando” sobre os discípulos contém uma
riqueza instigante: significa parti-lhar o que é mais “vital” de uma pessoa,
sua própria “respiração”, seu mesmo espírito, todo seu dinamismo...
Na
sua conversa noturna com Nicodemos Jesus tinha dito que “o vento sopra
onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim é também
todo aquele que nasceu do Espírito” (Jo 3,8). O vento é livre; e tem tanta liberdade que ninguém pode segurá-lo. O que
Jesus destaca é a “liberdade” do vento, que não se deixa escravizar, submeter
ou dominar. É o símbolo perfeito da liberdade indomável; uma liberdade que está
ali onde está o Espírito.
O
evento de Pentecostes nos remonta ao coração mesmo da experiência cristã e
eclesial: uma experiência de vida nova com dimensões universais.
O
dia da festa de Pentecoste é, de verdade, a festa dos homens e mulheres livres
como vento, festa do novo nascimento. E, neste mundo, começará a ser possível a
harmonia da liberdade com a igualdade, a comunhão com o respeito à diversidade,
a verdade com a acolhida do novo...
Viver
uma “vida segundo o Espírito” é deixar-nos recriar,
deixar-nos mover, transformar, alargar.
Soltar
as asas nos momentos mais petrificados e pesados de nossa vida é sinal de sua
silenciosa Presença.
De
imediato, nos sentiremos livres do peso que fomos arrastando durante tanto
tempo e, por uns instantes, nos atreveremos a “viver como filhos e filhas do Vento”.
O
Santo Espírito é o sopro que vivifica, anima, restaura e congrega.
Pela linguagem do amor, Ele acende a luz da paixão e permite desenvolver os
dons da alegria, do entusiasmo, da compaixão, do cuidado, da esperança e da fé
inabalável. Tais atitudes construtivas não são obra nossa, mas dom e fruto do Espírito,
que se revela como algo agradável, fascinante, belo, alegre, espontâneo,
saboroso como um fruto.
Nós
as vivemos, sim, mas é a “Ruah” que as desperta em nós, pois elas estão
presentes como “reservas de humanidade” em nosso interior.
Somos “filhos e
filhas do Vento”, a Ruah de Deus.
Homens
e mulheres do vento somos todos nós, quando nos deixamos mover de acordo com os
movimentos do coração de Deus e da paixão pela humanidade. Movidos pelo
Espírito de Deus, acreditamos e construímos mediações libertadoras que
promovem, incentivam e enobrecem o espírito humano. Passamos a preferir a
proximidade à distância, o dinamismo à inércia, a criatividade à normose...
Nosso
tempo pede que sejamos homens e mulheres do Vento, que ajudam o mundo a respirar e
sentir a vida palpitar; que buscam, na terra, viver o sonho do Reino; que
alimentam as chamas da esperança nos corações sonhadores; que se reconhecem
humildes ante a misericórdia e o infinito de Deus; que acreditam na força dos
pequenos e dos gestos simples; que vibram com as conquistas justas e que se
compadecem da miséria do humano; que cuidam de tudo e de todos com ternura e
carinho.
Como
“filhos e filhas do Vento” basta deixar-nos envolver, escutar o Sopro daquela voz que habita a
dimensão mais profunda da vida e que se aninha nas cavidades mais secretas de
nossa existência.
É
o Sopro que nos faz viver, e viver em plenitude.
Texto bíblico: Jo 20,19-23
Na oração: Precisamos do Sopro que verdadeiramente nos agite, nos
empurre, nos arranque de nossa vida estreita e estéril.
O
Espírito é um dom para os fundamentos, não para a maquiagem.
-
Abra seus pulmões e deixe o “oxigênio” da Vida chegar até às dimensões mais
profundas de sua vida, talvez ainda não bem integradas; deixe que Vento levante
a poeira da acomodação, do medo, da insegurança... para o despertar de um novo
impulso vital., criativo e aberto.
Pe.
Adroaldo Palaoro sj
Fonte: centroloyola.org.br
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