São
inúmeros os relatos de pessoas que se sentem culpadas por tirar um tempo para o
descanso (Unsplash/Jason Briscoe)
Não há atalhos na construção das
relações humanas e religiosas
Fabrício Veliq*
O ser humano
contemporâneo é marcado pela pressa. Hoje em dia, fruto de uma estrutura
capitalista e que visa a maximização dos resultados no menor tempo possível, é
comum vermos pessoas correndo o tempo todo para entregar alguma demanda a
alguém. Seja no trabalho, na escola, na universidade, na igreja, as tarefas são
todas para ontem, de maneira que o sentimento de que se está devendo algo é
latente.
Essa lógica, muitas
vezes, faz com que as pessoas se sintam úteis, afinal, se algo é demandado com
urgência, pressupõe-se que a pessoa solicitada para fazer determinada tarefa é
necessária para tal. Esse sentimento de utilidade, por sua vez, também traz o
medo da inutilidade e, por isso, não é difícil que essas mesmas pessoas – por
medo de perderem o emprego ou alguma outra vantagem adquirida por serem sempre
quem entrega tudo rapidamente – aceite se esgotar mental e fisicamente para
atender às expectativas cada vez mais abusivas de seus chefes em diversas
instâncias da vida.
Da mesma forma, são
inúmeros os relatos de pessoas que se sentem culpadas por tirar um tempo para o
descanso. Elas constantemente se sentem cobradas por estarem "fazendo
nada" ou "desperdiçando o tempo" com lazeres diversos, de
maneira que até mesmo tirar um dia para si mesmas é sentido como algo mau. Em
certa medida, a lógica da entrega a todo tempo se torna a senhora de muitas
vidas. Nesse sentido, não é difícil perceber por que atividades que visem a
saúde, ou até mesmo as de lazer, são vistas como "dívidas" a serem
pagas. As redes sociais nos mostram constantemente mensagens de "Tá
pago", para alguma atividade física, ou "tirando o dia para
descansar", como se tais pessoas tivessem que prestar contas ao mundo do
porquê não estarem em seus escritórios ou fazendo algo que a sociedade considera
produtivo. Essa pressa e essa cobrança, quando trazidas para os relacionamentos
interpessoais ou religiosos também se mostram perniciosos.
No caso da cobrança, é
comum encontramos pessoas que estão o tempo todo se sentindo mal por
supostamente nunca terem alcançado o que querem. Tal cobrança, seja de si
mesma, seja relativa às outras pessoas, muitas vezes se dá pelas comparações,
algo que as redes sociais potencializaram. Assim, a cobrança e a insatisfação
andam juntas, uma vez que sempre haverá alguém que aparenta ter uma vida e um
relacionamento mais feliz, ou uma casa maior, ou um emprego melhor, ou um
relacionamento com Deus mais profundo, e a lista segue indefinidamente.
No caso da pressa, é
comum observarmos como diversas pessoas não têm muita paciência para se dispor
a conhecer a outra pessoa ou fazer a caminhada necessária para o
estabelecimento de um relacionamento duradouro, sendo comum em nossos dias que
relacionamentos sejam descartáveis e que, a qualquer sinal de desgaste, a
primeira coisa que se pense seja na substituição de um companheiro(a) por
outro(a).
Essa pressa, por sua
vez, também se reflete no relacionamento com Deus. São diversas as pessoas que
tentam atalhar o caminho de intimidade com Deus, como se o tornar-se íntimo
dele fosse um passe de mágica em que basta dizer as palavras certas e pronto:
tornou-se o melhor amigo de Jesus Cristo. Em outras palavras, a disposição para
aprender sobre a pessoa de Deus, o estudo do texto bíblico para compreensão de
sua mensagem, uma rotina de devocional e oração são vistas como "tempo
demais" ou "chato demais" para se fazer.
Seguindo na lógica da
dinâmica capitalista, é possível se pensar que há algo que possa ser feito para
maximizar os resultados desses relacionamentos, alguma solução que traga todos
os benefícios da relação, mas sem os seus percalços e escolhas diárias em favor
de sua manutenção e crescimento. Contudo, uma vez que relacionamentos não devem
ser vistos pela ótica capitalista, tal atalho não existe. Seja nos
relacionamentos interpessoais, seja nos relacionamentos religiosos, a pressa
não é o melhor caminho.
Disposição e
perseverança, categorias essas que se maturam com o tempo, mostram-se como
fundamentais para relacionamentos duradouros em uma sociedade que tem pressa e
que cobra o tempo todo. Sem elas, todo relacionamento sucumbirá à "hora
do rush" capitalista e será facilmente descartável.
*Fabrício Veliq é protestante e
teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em
Filosofia e Licenciado em Matemática (UFMG). Autor do livro: Teologia no século
21: novos contextos e fronteiras. Editora Saber Criativo. E-mail:
fveliq@gmail.com. Site: www.fabricioveliq.com.br.
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