Monumento
em homenagem a Antonio Tavares, trabalhador rural ligado ao MST assassinado por
policiais militares em 2000, no Paraná(Wellington Lenon/MST-PR)
O governo beneficia os criminosos
com a impunidade, além de perseguir e criminalizar aqueles que lutam pelo
direito à terra e à vida digna no campo, nas águas e nas florestas
A formação social e
econômica do Brasil, pautada na concentração de terra para monocultura/latifúndio/trabalho
escravo, somada às estruturas patriarcais e racistas, criou uma sociedade
extremamente violenta e desigual. A terra está concentrada em mãos de
pouquíssimas pessoas. 45% de toda a área rural do país é propriedade de menos
de 1% de latifundiários. Pequenos agricultores, aqueles com menos de 10
hectares, ocupam apenas 2,3% da área rural. Bolsonaro sucateou o Incra e
paralisou a reforma agrária.
O presidente se
aproveita da pandemia para ampliar o fosso das desigualdades sociais. Agudizaram
as violências em estado bruto contra os povos do campo, das florestas e das
águas. Em nenhum outro momento, desde 1985, a violência contra os
"trabalhadores da roça" foi tão alta: 1.576 ataques atingiram 171.625
famílias, ou cinco por dia! Os dados são ainda mais assustadores quando vemos
os números de ataques aos povos indígenas: 656 ocorrências.
A violência contra
homens e mulheres do campo segue seu método macabro. Foram registrados 18
assassinatos, 159 ameaças de morte e 35 tentativas de assassinato de
lideranças. São dados do Relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Conflitos no Campo Brasil. Os dados, publicados
nessa segunda feira (31/05), demonstram a catástrofe que o atual governo impõe
às milhares de famílias humildes e sem defesa que vivem da sua roça,
comunidades tradicionais, assalariados, indígenas, pescadores artesanais,
quilombolas.
À virulência mortal do
coronavírus, somou-se a violência dos poderosos endossada pela cumplicidade e
conivência do governo. No Brasil, a crise mundial sanitária tem aspectos de uma
trágica pandemia alimentada por um nefasto projeto político. Um país destroçado
pela crueldade do seu governante.
A combinação da
chegada da extrema direita neoliberal ao poder com Jair Bolsonaro em 2018, e a
pandemia em 2020, resultou em tragédia. Bolsonaro é declaradamente promotor da
agressividade para com as populações humildes e sem defesa. Seu governo não somente
faz vistas grossas para os crimes cometidos pelos poderosos, como propõe leis e
decretos que incentivam os ataques contra as os mais pobres.
O projeto de
destruição bolsonarista conta com muitos soldados nos fronts. Quando analisados
os responsáveis pela violência, temos os "fazendeiros" em primeiro
lugar, com 34,87% dos ataques, seguidos de "empresários nacionais e
internacionais", 21,52%, e o "Poder Público", com 13,75%. Nessa
última categoria, insere-se o governo federal.
Empresários,
fazendeiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros, pastores evangélicos, são
estimulados a invadir as terras de camponeses, territórios indígenas e
quilombolas, seringais e assentamentos. O governo beneficia os criminosos com a
impunidade, além de perseguir e criminalizar aqueles que lutam pelo direito à
terra e à vida digna no campo, nas águas e nas florestas. Entre os agentes
causadores está o poder público, em todas as suas esferas. A associação entre
sistema de Justiça, forças policiais e poder econômico se reflete na
criminalização de 40 líderes sem-terra, 20 posseiros e 9 quilombolas. Apesar do
medo da contaminação pela pandemia, lideranças enfrentam a perseguição por
lutar para assegurar direitos constitucionais negados.
Retornamos à violência
repressiva, à fome e à pobreza. A pandemia está sendo utilizada como política
de extermínio das populações vulneráveis. Os dados da CPT mostram um processo
contínuo de desrespeito aos direitos e dignidade dos trabalhadores rurais. A
situação piorou ainda mais em função da destruição da legislação de proteção
aos trabalhadores.
Os trabalhadores
rurais se encontram largados à própria sorte, foram literalmente abandonados
pelo Estado em plena pandemia. Os discursos e as práticas do governo federal
pendem para o lado dos ricos proprietários de terra, dos fazendeiros, do
agronegócio, dos madeireiros e garimpeiros. O Estado foi aparelhado por esses
setores.
Há uma interrupção
total da reforma agrária, paralisia de demarcação de territórios indígenas e
quilombolas. Bolsonaro quer exterminar os direitos já conquistados pelos
trabalhadores. Sim, crueldade é a marca registrada deste governo criminoso
apoiado pela plutocracia agro-industrial-financeira-midiática. Implacavelmente
perversos e corruptos.
As lutas pela terra e
pelos territórios são lutas pela vida. A CPT é uma ação pastoral da Igreja, tem
sua raiz e fonte no Evangelho. Deus ouve o clamor do seu povo e está presente
na luta dos trabalhadores e trabalhadoras (Ex 3, 7-10).
A luta pela terra é
uma questão de justiça e de direitos humanos. Com esperança e solidariedade.
Mas tal esperança não pode ser passiva e covarde. Para combater essa guerra
contra as forças da morte, devemos nos armar com a verdade e a justiça.
O acesso à terra é
direito garantido na Constituição Federal de 1988. Não teremos paz sem reforma
agrária, sem garantia da proteção dos direitos humanos dos trabalhadores e
trabalhadoras, de acesso aos bens fundamentais como terra, água, florestas e
demais bens ambientais.
"Quem souber
somar conflitos - e dividi-los por dois - ganha consciência de classe"
(Pedro Casaldáliga).
*Élio Gasda é doutor em Teologia,
professor e pesquisador na Faje. Autor de: 'Trabalho e capitalismo global:
atualidade da Doutrina social da Igreja' (Paulinas, 2001); 'Cristianismo e
economia' (Paulinas, 2016)
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