“Quem vem a mim não terá
mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (Jo 6,35)
Depois
da multiplicação dos pães, Jesus, ao perceber que o povo não tinha entendido
nada do que acontecera, pois tentava fazê-lo rei, retirou-se a uma montanha,
sozinho. A multidão ficou satisfeita por ter se alimentado; ela segue Jesus por
aquilo que Ele pode dar. No entanto, a identificação com Ele e seu projeto
passa longe. Seus interesses vão em sentido contrário à atitude de Jesus de
despertá-la para a compaixão e a partilha. Jesus ensina como repartir, isto é, como as pessoas
precisam ser umas com as outras.
Jesus
empenha-se por uma nova humanização, onde as pessoas possam ser livres, mas elas preferem
continuar dependendo de outro (rei). Enquanto as pessoas buscam alguém que se
responsabilize por elas, Jesus ensina a responsabilidade mútua, a corresponsabilidade.
A abundância de alimento é graça de Deus, mas é igualmente empenho de cada
pessoa e de todas juntas.
A
solução para uma nova humanidade não é o dinheiro, o poder, o domínio ou um
milagre externo, mas saber compartilhar tudo com todos. O problema não se
soluciona comprando, o problema se soluciona compartilhando. A verdadeira
salvação não está em que alguém solucione nossos problemas, nem sequer em
ajudar a solucionar todos os problemas dos outros. A verdadeira liberdade está
em superar o egoísmo e estar disposto e dividir com os outros o que cada um tem
e o que cada um é.
“Não temos em nossas mãos a solução de todos os problemas do
mundo, mas diante dos problemas do mundo temos nossas mãos” (Congresso de jovens
latino-americanos).
No
entanto, segundo o relato de João, a multidão continua buscando a Jesus. Há
algo n’Ele que a atrai, mas ainda não sabe exatamente por que o busca nem para
quê. As pessoas começam a intuir que Jesus está lhes abrindo um novo horizonte,
mas não sabem o que fazer, nem por onde começar.
“Do outro lado do mar” Jesus começa a conversar com elas. Há coisas que convém
aclarar desde o princípio. O pão material é importante. Ele mesmo lhes ensinou
a pedir a Deus “o pão de cada dia” para todos.
Comer nunca significa um mero ato biológico de ingerir alimentos; é
sempre um ato comunitário e um rito de comunhão. À mesa, onde se parte o pão do Senhor, o cristão aprende a partir e a partilhar o “pão de cada dia” com os outros.
Além
disso, o pão que comemos esconde toda uma rede de relações anônimas; antes de chegar à
mesa, ele passou pelo trabalho de muitos braços; há muitas lágrimas e suores
escondidos em cada pão, como também há muito de solidariedade e partilha.
Portanto, o pão que é produzido junto deve ser repartido junto e consumido junto. O
Senhor resgata em nós a fome e a sede mais profunda de encontro, partilha e
vida. A mesma necessidade básica nos iguala a todos; a satisfação coletiva
nos confraterniza. Só então podemos, verdadeiramente, pedir: “Senhor,
dá-nos sempre desse pão”.
A
conversa de Jesus com o povo, com os judeus e com os discípulos é um diálogo
bonito, mas exigente. Jesus procura abrir os olhos do povo para que aprenda a
ler os acontecimentos e descubra neles o rumo que deve tomar na vida. Pois não
basta ir atrás de sinais milagrosos que multiplicam o pão para o corpo. Não só
de pão vive o ser humano. A luta pela vida sem uma mística que inspira, não
alcança a raiz do próprio ser.
Enquanto
vai conversando com Jesus, o povo fica cada vez mais contrariado com as palavras
dele. Mas Jesus não cede, nem muda as exigências. O discurso parece um funil.
Na medida em que a conversa avança, é cada vez menos gente que sobra para ficar
com Ele. No fim só sobram os doze, e nem assim Jesus pode confiar em todos
eles. Esse é o eterno problema da vida cristã: quando o evangelho começa a
exigir compromisso, muita gente se afasta; quando se trata de seguir e se
identificar com uma Pessoa (Jesus), muitos se refugiam na doutrina, no
legalismo, no ritualismo..., vivendo um seguimento estéril.
O
dinamismo do seguimento é gerar vida, fazer o(a) discípulo(a) viver a partir da verdade mais profunda de
si mesmo(a); ou seja, viver a partir do coração, do “ser profundo”.
“Trabalhai não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que
permanece até a vida eterna”.
No
gesto da multiplicação dos pães se condensou todo o caminho de Jesus: vida
doada na luta contra todo tipo de sofrimento e fome, na mesa partilhada onde as
relações humanas alimentam a fraternidade do Reino. Aqui se conecta a essência
da Vida de Jesus com a vida dos seus seguidores.
Para
a mentalidade bíblica, o pão é um dos sinais primordiais da graça e do amor com que Deus nos
sustenta e nos protege. Diante do pão estamos face a uma realidade santa. O pão é tratado com respeito e veneração.
O pão é santo porque está associado ao mistério da vida que é sacrossanta. Em cada
pedaço de pão há mais presença da mão de Deus do que da mão do ser humano.
Para
o cristão o pão é ainda mais santo porque simboliza a reconciliação final de todos no banquete definitivo
do Reino; o pão carrega a promessa de uma plenitude de vida.
O “pão do Reino” já se antecipou e é Jesus mesmo
em sua vida e mensagem; Jesus continua presente na história e na vida de cada
um através do “pão eucarístico”, alimento dos peregrinos rumo à pátria celeste. Somos
eternos insatisfeitos; nunca nos saciamos de pão e milagres; queremos mais e
mais. Isso nos revela que nosso interesse é ter vida assegurada e o estômago
cheio.
Esta
realidade nos leva a perguntar: que pão nos sacia?
Porque
há pães que, enchendo o estômago, nos tiram a liberdade. São pães repartidos em
escravidão, pães seguros com sabor de suor e lágrimas; pães de Egito, pães que
dão a falsa sensação de saciedade.
Há
pães que nos despertam para confiar em Deus; são pães que chegam
providencialmente e de maneira gratuita. Aparecem quando menos esperamos e tem
o sabor do caminho e do encontro. Para qual pão trabalhamos? Ou ainda, a
partir de onde pedimos pão? A partir da segurança e da escravidão ou a partir
da insegurança e da confiança?
Jesus
se apresenta a nós como o alimento que não perece. Buscá-Lo é descobrir o que
Deus quer de nós e agradecer o que nos dá para o caminho. Quem o rejeita fica
atado aos pães deste mundo que exigem fadiga, competição e escravidão. Quem o
aceita, liberta-se dos tempos e espaços e se sacia de confiança.
Que
pão buscamos? Que pão desperta outras fomes em nós?
“O que é que nutre realmente o nosso ser essencial?”
“Não somente o nosso corpo, não somente nosso psiquismo, não
somente nossa afetividade, mas o que é que nutre aquilo que não morrerá em
nós?”
“O que é que nutre a eternidade em nós?”
“O que é verdadeiramente nutritivo? O que é que nutre a nossa
identidade?
Texto bíblico: Jo. 6,24-35
Na oração: Não é possível reconhecer o Corpo do
Senhor presente
na Eucaristia se não se reconhece o Corpo do Senhor na comunidade onde alguns passam necessidades. Pois, se
fechamos os olhos às divisões e às desigualdades mentimos ao dizer que Cristo
está presente na Eucaristia.
Enquanto
não nos mobilizamos a mudar nossa sociedade de maneira que mais pessoas aceitem
a alegria de compartilhar o pão e a vida, faltará algo em nossa Eucaristia. Essa “ferida” o cristão deve sempre
tê-la presente.
Pe.
Adroaldo Palaoro sj
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