terça-feira, 27 de julho de 2021

"TUDO EM FAMÍLIA": DEPUTADOS BENEFICIAM FILHOS, IRMÃOS E PAIS COM EMENDAS SEM FISCALIZAÇÃO


'Emenda cheque em branco' cai na conta da prefeitura em cerca de 60 dias, sem passar pelo crivo de órgãos de controle. (Roque de Sá/Agência Senado)

Parlamentares distribuem R$ 27,6 mi de emendas 'cheque em branco' para prefeituras comandadas por parentes próximos

Como milhares de brasileiros, o deputado federal José Carlos Schiavinato (Progressistas-PR) foi uma vítima fatal da Covid-19, em abril deste ano. No seu lugar assumiu o suplente Valdir Rossoni (PSDB-PR). Assim que tomou posse, Rossoni utilizou a chamada “emenda cheque em branco” e destinou R$ 8,1 milhões ao município de Bituruna (PR), onde seu filho, Rodrigo Rossoni, é prefeito.

Criado no governo Bolsonaro, o mecanismo permite aos parlamentares enviar dinheiro público de suas emendas individuais para bases eleitorais sem um objetivo definido e livre de fiscalização federal. O que era para ser uma exceção virou regra, como revelou o Estadão, e 393 parlamentares optaram por esse caminho ao invés do tradicional, que exige indicar, com base em critérios técnicos, como os recursos do Orçamento devem ser aplicados. Nesse caso, o parlamentar identifica os problemas da cidade e direciona a verba para atendê-los.

O Estadão encontrou ao menos seis casos em que deputados determinaram a distribuição de R$ 27,6 milhões para cidades comandadas por seus filhos, irmãos, pai e sobrinho. O rastreamento é dificultado pela falta de transparência nesse tipo de repasse.

No início do ano, o deputado Schiavinato informou que utilizaria a modalidade de transferência especial para “alocar recursos para diversos municípios do Paraná”. Ele, no entanto, morreu no dia 13 de abril e não teve o desejo atendido. O suplente Valdir Rossoni assumiu o mandato no dia 27 e colocou todo o valor na prefeitura do filho. Procurado, alegou que fez a distribuição “dentro do que achava necessário”.

Enquanto emendas com destinação específica demoram de um ano a um ano e meio para serem pagas, na modalidade transferência especial o dinheiro cai na conta da prefeitura em cerca de 60 dias, sem passar pelo crivo de órgãos de controle. De acordo com especialistas, isso pode abrir margem para a corrupção. Parlamentares, porém, defendem o modelo pela rapidez do pagamento em relação a outras emendas, que têm entraves burocráticos.

A modalidade também foi usada pela deputada Clarissa Garotinho (PL-RJ), que enviou R$ 4,5 milhões para Campos de Goytacazes, onde o irmão, Wladimir Garotinho, é prefeito. A cidade é reduto eleitoral da família de Clarissa. Tanto o pai de Clarissa, Anthony Garotinho, quanto a mãe, Rosinha Garotinho, já foram prefeitos do município.

O deputado federal Genecias Noronha (Solidariedade-CE) transferiu um total de R$ 8 milhões para Parambu, cidade governada pelo sobrinho, Rômulo Noronha, após aprovar a emenda no Orçamento alegando direcionamento a “todas as necessidades da população cearense”. No ano passado, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará cassou o mandato do deputado por abuso de poder político na campanha em Parambu em 2018. Genecias recorreu e continua no cargo.

Alcides Rodrigues (Patriota-GO) também enviou uma emenda “cheque em branco”, de R$ 3,3 milhões, para o município de Santa Helena (GO), onde o filho João Alberto Vieira Rodrigues é prefeito, fazendo da cidade a que mais recebeu recursos de transferências especiais no Estado de Goiás.

‘Agradecimento’

O deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), por sua vez, enviou R$ 3,1 milhões para Aracati (CE), município onde o pai, Bismarck Maia, é prefeito. O deputado é um dos principais defensores das transferências especiais no Congresso. Em 2019, ele presidiu a comissão especial da Câmara que formulou a PEC das emendas sem carimbo. Em resposta à reportagem, ele disse que repassou o dinheiro como “agradecimento” aos votos recebidos na cidade do pai.

O deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), filho do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), transferiu R$ 500 mil para Petrolina (PE), onde o irmão Miguel Coelho é prefeito.

Além dos familiares, o modelo foi usado em outros casos. Aécio Neves (PSDB-MG), relator da PEC que criou a transferência especial, em 2019, enviou R$ 300 mil para o município de Cláudio (MG), onde o Ministério Público investigou a construção de um aeroporto em um terreno da família do deputado. No total, Aécio destinou R$ 4,7 milhões em emendas sem carimbo ao governo estadual e a municípios mineiros, alegando “investimentos em diversas cidades do Estado de Minas Gerais, melhorando assim a qualidade de vida da população.”

O fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco, critica o instrumento e diz que as transferências especiais agilizaram os repasse aos demais entes, mas reduziram a transparência e o controle social dos recursos do orçamento da União. “O histórico de escândalos sobre as emendas parlamentares e a relação promíscua do Executivo com o Legislativo no uso de recursos públicos é impressionante. Durante décadas, a gestão discricionária pelo Executivo das emendas parlamentares ao orçamento foi o instrumento utilizado como barganha política às vésperas das votações no Congresso Nacional. Mas o custo está subindo”, afirmou.

Pesquisador do Insper e ex-chefe da Assessoria Especial do Ministério da Fazenda, o economista Marcos Mendes disse que o “cheque em branco” faz parte de uma personalização do orçamento. “São valores muito elevados. As dinastias políticas se beneficiam disso”, completou.


Domtotal vi o O Estado de São Paulo 

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