Ato em defesa da Democracia feito por deputados de oposição na Câmara
durante a terça-feira (10) (Gabriel Paiva)
Ministro da Defesa teria comunicado ao presidente da Câmara
dos Deputados que 'se não houver voto impresso e auditável em 2022, não haverá
eleições'
Frei Betto
Onde há fumaça, há fogo, reza o ditado popular. A maioria dos
brasileiros e a opinião pública mundial sabem que o Brasil é governado por um
homem de convicções fascistas. Bolsonaro sempre exalta torturadores da ditadura
militar implantada no Brasil em 1964 e lamenta que não tenham sido fuzilados
"ao menos 30 mil subversivos".
Eleito presidente na onda do moralismo desencadeado pela fraudulenta
operação Lava Jato, Bolsonaro nomeou para importantes funções civis no governo
mais de 6 mil militares; desencadeou orquestrada veiculação de fake
news; ignorou a gravidade da pandemia, que qualificou de
"gripezinha"; recomendou medicamentos sem comprovação científica;
demorou a importar vacinas e, apesar de quase 600 mil mortos pela Covid-19, o
Ministério da Saúde até hoje não adotou um protocolo de testagem e imunização
nacional e, agora, é investigado pelo Senado como antro de corrupção na compra
de vacinas superfaturadas, na qual haveria militares envolvidos.
Bolsonaro repete: "só Deus me tira do poder". Isso apesar de
15 milhões de desempregados, 30 milhões de pessoas na miséria, 19 milhões
padecendo fome crônica e uma inflação de mais de 8% ao ano.
Haverá eleições presidenciais em 2022. Todas as pesquisas apontam Lula
como candidato preferido dos eleitores. Embora muitos deles se arrependam de
ter votado em Bolsonaro em 2018, e outros continuem a recusar voto ao PT, o
fato é que, até agora, não se encontrou um candidato alternativo à polarização
Lula x Bolsonaro. Há vários nomes em pauta, mas nenhum que angarie suficientes
votos para ameaçar um dos dois candidatos e representar uma alternativa entre a
esquerda e a direita.
Ao prever que Lula pode derrotá-lo em 2022, como indicam as pesquisas,
Bolsonaro passou a defender o voto impresso. Há 25 anos o Brasil adota urnas
eletrônicas, e jamais houve qualquer suspeita de fraude. O passado eleitoral
brasileiro ensina que o voto impresso é, sim, vulnerável à fraude. Eleitores de
baixa escolaridade e renda costumam ser pressionados por "coronéis"
(milicianos, policiais, fazendeiros, patrões, pastores e padres) para dar seu
voto a determinado candidato em troca de dinheiro, favores ou por medo de
ameaças.
No voto eletrônico não há como comprovar o voto do eleitor. Mas o voto
impresso passa recibo. Há comprovação no papel se o eleitor votou de fato no
candidato indicado. E isso favorece a fraude eleitoral – o único recurso com o
qual Bolsonaro conta para tentar evitar uma derrota no próximo ano.
Para o retorno do voto impresso, que se somaria ao eletrônico (à urna
seria acoplada uma impressora) é preciso de emenda constitucional aprovada pelo
Congresso Nacional. A questão deveria ter sido votada pela Câmara dos Deputados
na primeira metade de julho. Quando os deputados bolsonaristas perceberam que
seriam derrotados, fizeram uma manobra que transferiu a decisão para agosto,
após o recesso parlamentar.
A democracia brasileira não estaria ameaçada se dependesse do Supremo
Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, contrários ao voto impresso.
Ocorre que, a 9 de julho, o comandante da Aeronáutica, Carlos Baptista Junior,
declarou ao jornal O Globo que cabe às Forças Armadas
tutelarem a democracia brasileira. Na mesma entrevista, afirmou: "Não
abriremos mão disso". E pontificou: "Homem armado não ameaça".
Lembro-me do Brasil às vésperas do golpe de 1964, que implantou 21 anos
de ditadura militar. Líderes da esquerda, na qual eu militava via movimento
estudantil, diziam não temer golpe, as instituições democráticas eram sólidas,
o presidente Jango contava com forte respaldo militar contrário à violação da
Constituição.
Agora ouço o mesmo discurso de solidez das instituições democráticas e
de falta de condições conjunturais para uma volta à ditadura, inclusive de
vozes da direita. Contudo, nenhum militar da ativa ousou discordar da ameaça
golpista do comandante da Aeronáutica. Nenhum jamais se manifestou perante as
repetidas bravatas golpistas de Bolsonaro. E, a 8 de julho, o ministro da
Defesa, que comanda as três armas, general Braga Netto, teria comunicado ao
presidente da Câmara dos Deputados que "se não houver voto impresso e
auditável em 2022, não haverá eleições". No mesmo dia, Bolsonaro declarou
em público: "Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos
eleições". Ele teme que o parlamento rejeite a emenda constitucional que
visa a permitir o voto impresso.
Autoridades civis receberam as manifestações golpistas como
"blefe'", na opinião de um ministro do STF que não quis se
identificar. Mas, repito, onde há fumaça, há fogo. É preocupante o ensurdecedor
silêncio dos militares da ativa. Nenhum ousa discordar.
O povo brasileiro tem ocupado as ruas em massivas manifestações
contrárias ao governo Bolsonaro. Este é o recurso que temos para salvar a
democracia. Mas se os militares optarem pelo golpe, institucionalizando
Bolsonaro como ditador, basta rever o passado entre 1964 e 1985 para se ter
ideia do futuro que nos aguarda.
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