“Eu sou o pão da vida” (Jo 6,48)
Continuamos
com o tema do domingo passado: Jesus é “pão”, sua vida é alimento, é comunhão que nós partilhamos e
oferecemos, uns aos outros, sendo, dessa forma, Eucaristia.
Este
evangelho da comunhão, segundo o livro de João, começou em Cafarnaum, onde
Jesus se definiu como Eucaristia, pão partido e partilhado, comunicação
de Vida, junto ao mar da Galiléia.
Como
seres humanos somos marcados por profundas carências, fomes e sedes que nos
mobilizam a nos deslocar e a ativar o impulso da busca.
O
decisivo é ter fome de Vida que Jesus nos oferece: buscar, a partir do mais
profundo, encontrar-nos com Ele, abrir-nos à sua verdade para que nos marque
com seu Espírito e potencie o melhor que há em nós. Deixar que Ele ilumine e
transforme as dimensões de nossa vida que ainda estão sem evangelizar.
Então,
alimentar-nos de Jesus é voltar ao mais genuíno, ao mais simples e mais
autêntico de seu Evangelho; interiorizar suas atitudes mais básicas e
essenciais; acender em nós o impulso por viver como Ele; despertar nossa
consciência de discípulos(as) e seguidores(as) para fazer d’Ele o centro de
nossa vida.
Sem
cristãos que se alimentem da Vida de Jesus, a Igreja se definha sem remédio.
Com
isto, Jesus está dizendo que o procedimento para dar vida em plenitude, o que se costuma
dizer “vida eterna”, é o caminho da “descida”, do despojamento de toda grandeza e privilégio, o caminho trilhado e
vulgar dos mortais, onde se perde o poder e se ganha credibilidade, não pela
condição social a que pertence, mas pela autenticidade de sua vida.
O
comer e o beber são símbolos incrivelmente profundos daquilo que devemos fazer
com a pessoa de Jesus. É preciso nos identificar com Ele, temos de fazer nossa
sua própria Vida, temos de “mastigá-lo”, digeri-lo, assimilá-lo, apropriar-nos
de sua substância. Esta é a raiz da mensagem do evangelho. Sua Vida passa a ser
nossa própria Vida. Só desta forma faremos nossa a mesma Vida de Deus. Se
comungamos e não nos identificamos com o que é Cristo, produzirá indigestão.
Partir, repartir e compartilhar são três verbos relacionados com a palavra “parte”. O
termo “parte” indica que o todo não está concentrado em um só lugar, em uma só
mão. A palavra “parte” orienta para a pluralidade. Os três verbos supõem uma
ação que uma mesma pessoa pode realizar, mas com matizes diferentes. Partir é tomar um todo e fazê-lo em
pedaços. Repartir é tomar os pedaços e distribuí-los aos outros, sem
maiores implicações no ato de distribuir. Compartilhar, no entanto, supõe que a pessoa que parte e reparte,
desfruta conjuntamente com as outras pessoas do bem repartido.
Se
a primeira ação, partir, pode tornar-se um gesto egoísta, o momento do repartir pode ser um gesto indiferente
ou generoso. O que está claro é que o terceiro momento, o compartilhar, é um gesto de fraternidade, de
respeito para com os outros, um gesto de amor e proximidade. Compartilhar é
algo mais que estar juntos, pois se pode estar juntos sem estar unidos ou com
sentimentos opostos. Compartilhar é ter uma só alma e um só coração e, como consequência,
viver na alegria de ter tudo em comum, de forma que a ninguém lhe falte o
necessário. Quando o pão se reparte, todos comem E quando o pão é
compartilhado, além de todos comerem, vive-se na alegria, ativada pela mesa
onde é ativada este gesto oblativo.
Este
tríplice gesto foi realizado por Jesus na cena da multiplicação dos pães e
peixes; Ele tomou os pães, deu graças, partiu-os, repartiu-os e compartilhou-os com todos. Juntos comeram
festivamente os mesmos pães e os mesmos peixes. Neste gesto de partir, repartir
e compartilhar o pão, Jesus estava apontando para uma realidade muito mais
profunda e vital, pois no pão era o mesmo Jesus que se partia, se repartia e
finalmente se entregava aos seus, compartilhando sua própria vida e unindo sua
vida com a de seus seguidores (as). Jesus não compartilha só o que tem, não
compartilha só pão; Jesus se entrega a si mesmo, compartilhando sua vida para
ativar a vida atrofiada em muitas pessoas. Aqui revela-se o pleno sentido desta
forte expressão de Jesus: “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá
eternamente”.
Só
vidas compartilhadas são capazes de despertar um movimento vital, onde aquilo
que é mais nobre e humano, que está escondido no mais profundo de cada um, se
visibiliza em gestos de proximidade, acolhida, serviço..., reforçando os
vínculos e a comum união entre todos, independentes de pertencer ou não a uma
determinada expressão religiosa. Vidas compartilhadas que conectam vidas
diferentes, possibilitam a realização do sonho do Pai: a unidade na diversidade.
Aqui
está o gesto que revela a verdadeira identidade dos(as) seguidores(as) de
Jesus; é impossível ir mais além do compartilhar.
Temos
esvaziado o sentido profundo da Eucaristia, esquecendo-nos de que é, sobretudo,
sacramento (sinal) do amor e da entrega aos outros, compartilhando os próprios
dons, recursos internos, sonhos... A finalidade da eucaristia não é tanto
consagrar um pedaço de pão e um pouco de vinho, mas de tornar sagrado
(consagrar) todo ser humano, identificando-o com o mesmo Jesus, para que se
parta, se reparta e se entregue no serviço e no compromisso em favor da vida.
Sem compromisso com a vida, a Eucaristia torna-se estéril, um gesto piedoso
desencarnado, longe d’Aquele que partiu, repartiu e compartilhou sua Vida em
favor de todos. “E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo” (v. 51).
Esta
é a verdade radical do Evangelho: lendo e aplicando aos cristãos aquilo que
Jesus diz de si mesmo, porque Ele é Eucaristia e porque compartilhamos sua
vida, somos mobilizados a fazer-nos comunhão de vida, pois todos somos “pão de
eucaristia”. Eucaristia
que desperta outras fomes e outras sedes.
Que
um homem como Jesus se faça “eucaristia” (e mobilize a todos para ser
eucaristia, pão compartilhado): essa é a revelação central do evangelho de
João. Em sua dimensão humana, cada ser humano que se entrega a outro ser humano
como “pão”, é princípio de vida eterna.
Dessa
forma, a mensagem de Jesus (discurso do Pão da Vida) apresenta-se como o
programa mais completo de vida. Frente à economia neo-liberal do livre mercado
e do triunfo dos interesses egoístas, à custa dos demais, Jesus revela o
programa da vida que se faz “pão” para ser compartilhado.
Aplicando
aos cristãos aquilo que Ele diz de si mesmo, Jesus insiste na exigência de
“fazer-se pão”, isto é, de converter não só as riquezas, mas a vida mesma, em
alimento (capital) para os pobres.
O
verdadeiro “capital” não é o “dinheiro externo” (manipulado pelos grandes
bancos). O verdadeiro capital é o ser humano que se faz pão-capital para os
outros.
O
grande pecado é o “deus Mamon” (capital divinizado). Frente a esse pecado está
a revelação da verdade de Deus: que homens e mulheres sejam (se façam) pão, uns
para os outros, na doação e na partilha.
Sem
um novo Capital Humano (sem a conversão do ser humano em pão para os outros),
esta humanidade não terá saída. Só podem ser cristãos de verdade aqueles que
acolhem e seguem as palavras e gestos de Jesus neste evangelho: que se façam
pães uns para os outros.
O
único pão que sacia a um ser humano e lhe dá vida (palavra, amor, esperança) é
outro ser humano, seja na expressão de pai ou de filho, de filha ou de mãe, de
irmão ou irmã, de esposo ou de esposa, de amigo ou de amiga... Em suas diversas
formas de expressão de encontro, acolhida, fraternidade, diálogo..., um ser
humano é “pão” para outro ser humano.
Texto bíblico: Jo 6,41-51
Na oração:. É no mais íntimo que experienciamos o verdadeiro encontro com Aquele que se fez
pão de vida e vinho de salvação. É no mais profundo de nossa interioridade que escutamos ressoar sua
voz, nos inspirando a ser pão para os outros.
-
Eucaristia e compromisso com os últimos e excluídos: você consegue fazer esta
conexão, toda vez que se aproxima do altar?
-
A Eucaristia tem sido momento privilegiado para despertar em você outras fomes
e sedes? De quê você tem fome e sede?
-
O que é que nutre sua verdadeira identidade de filho(a) de Deus e irmão(ã) de
Jesus?
Pe.
Adroaldo Palaoro sj
centroloyola.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário