Crianças
choram na fronteira entre o México e os Estados Unidos, perto de Playas de
Tijuana, em 2 de dezembro de 2018 (Guillermo Arias/AFP)
Se
queremos salvar vidas, é urgente construir um mundo verdadeiramente sem
fronteiras
Elio Gasda*
Homens, mulheres,
crianças, milhares de pessoas debaixo de uma ponte a espera de oportunidade.
Entretanto, o que lhes é dado são chicotadas, caçados como animais. (Fronteira
do México com USA). Um corpo no deserto. Brasileira morreu de sede. Buscava
vida digna (USA). Barracas, colchões, fraldas, brinquedos, documentos de
venezuelanos imigrantes queimados na fogueira da intolerância (Chile).
"Humilhação inadmissível" (Felipe González/ONU). Histórias da vida
real. Cenários de uma crise humanitária. Representação das contradições
internacionais.
Quem são essas
pessoas? Deslocados, migrantes, refugiados. Acnur (Alto Comissariado das Nações
Unidas para Refugiados) define como refugiados aquelas pessoas que fogem de
conflitos armados ou perseguições. A extrema vulnerabilidade provocada pela
perda de seus direitos básicos, os deixa em uma situação-limite. Homens,
mulheres e crianças impossibilitados de viverem em seu próprio país. Migrantes
são definidos como aqueles que escolhem se deslocar em busca de melhores
condições de vida e trabalho. Podem migrar dentro do próprio país ou para o
exterior. Ao contrário dos refugiados, continuam a receber proteção de seus
governos.
A migração não é um
fenômeno novo. No entanto, nunca ocorreu em tão alta escala. Segundo o
relatório anual da Acnur, até o final de 2020, 82,4 milhões de pessoas foram
forçadas a deixar suas casas. Em plena pandemia, o número de refugiados no
mundo é recorde. 1% da humanidade está desabrigada, o dobro de dez anos atrás.
42% são adolescentes com até 18 anos. Uma em cada 95 pessoas do planeta está em
deslocamento.
2020 foi o nono ano de
crescimento seguido de deslocamentos forçados. Coincide com a concentração de
riqueza. Bilionários viajam pelo espaço enquanto milhões passam fome em uma
terra devastada pelo colapso climático e pela ganância. Desde 2000, a maioria
da população mais pobre do mundo recebe somente 1% do aumento da riqueza
global.
Em 2020, a fome
atingiu 811 milhões de pessoas. Pandemia, guerras, mudanças climáticas,
agronegócio afetaram a produção de alimentos (Relatório O Estado da
Insegurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI) 2021). Relatório da
OIT Perspectivas Sociais e do Emprego no Mundo: Tendências 2021, aponta que 220
milhões de pessoas estão desempregadas. Antes da pandemia eram 187 milhões.
A mobilidade humana
não é espontânea. É consequência direta do sistema econômico global. Um mundo
onde a lógica do capitalismo, o lucro, impera. Uma tecnologia que, a serviço de
poucos, transforma homens e mulheres em mercadoria descartável. Permite o
tráfico humano, a comércio de órgãos e a prostituição. Seres humanos
coisificados. A riqueza nas mãos de poucos, poucas pessoas, poucos países.
Sociedade da exclusão. Quem socorre os refugiados durante uma pandemia global?
Papa Francisco ensina
que "os nacionalismos fechados e agressivos (Fratelli tutti, 11) e
o individualismo radical (Fratelli tutti,105) desagregam e dividem o
nós, tanto no mundo como na Igreja. O preço mais alto é pago por aqueles que
mais facilmente se tornam os outros: os estrangeiros, os migrantes, os
marginalizados, que habitam as periferias existenciais".
A mais de 100 anos a
Igreja dedica o último domingo do mês de setembro ao Dia mundial do
migrante e do refugiado. Na mensagem deste ano, papa Francisco faz um apelo
a toda humanidade "para que não existam mais muros que nos separam, nem
existam mais os outros, mas só um nós, do tamanho da humanidade inteira".
Aos católicos ressalta: "a Igreja é chamada a sair pelas estradas das
periferias existenciais para cuidar de quem está ferido e procurar quem anda
extraviado, sem preconceitos nem medo, sem proselitismo, mas pronta a ampliar a
sua tenda para acolher a todos". E completa: "No encontro com a
diversidade dos estrangeiros, dos migrantes, dos refugiados e no diálogo
intercultural [...] é-nos dada a oportunidade de crescer como Igreja,
enriquecer-nos mutuamente".
Papa Francisco
continua seu apelo convidando homens e mulheres para juntos caminharem para
"recomporem a família humana, a fim de construirmos em conjunto o nosso
futuro de justiça e paz, tendo o cuidado de ninguém ficar excluído [...]. O
futuro das nossas sociedades é um futuro "a cores", enriquecido pela
diversidade e as relações interculturais. Por isso, hoje, devemos aprender a
viver, juntos, em harmonia e paz".
Cidadania universal!
Se queremos salvar vidas, é urgente construir um mundo verdadeiramente sem
fronteiras. Pensar a cidadania universal é recriar a solidariedade, o diálogo,
a justiça e a paz entre os povos.
Somos todos irmãos!
"Se quisermos, poderemos transformar as fronteiras em lugares
privilegiados de encontro, onde possa florescer o milagre de um nós cada vez
maior" (Papa Francisco).
*Élio Gasda é doutor em Teologia,
professor e pesquisador na Faje. Autor de: 'Trabalho e capitalismo global:
atualidade da Doutrina social da Igreja' (Paulinas, 2001); 'Cristianismo e
economia' (Paulinas, 2016)
Fonte:dom total.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário