terça-feira, 12 de outubro de 2021
12 DE OUTUBRO: UMA PRECE PELAS MULHERES E CRIANÇAS À NEGRA MARIANA DE APARECIDA!
Negra Mariama de Aparecida,
ajude-nos a libertar dos dragões do nosso tempo (Thiago Leon/A12)
Frei Jacir de Freitas Faria*
A cada 12 de outubro, o Brasil católico
celebra o dia sua padroeira, Nossa Senhora Conceição Aparecida, e o Dia das
Crianças. Mãe e crianças estão no mesmo patamar. A experiência de Deus como mãe
já começa no útero materno. Não vemos o seu rosto, mas Ele/Ela está ali nos
alimentando e nos protegendo. A vida pueril uterina é tão boa que a criança nem
quer sair dele. Por isso, o nascimento de uma criança é marcado pelo choro de
medo, de pavor diante do mundo desconhecido e violento que a espera. Quem irá
interceder por ela?
Na Bíblia há vários textos que fazem
referência ao ser de Maria como mãe de seu Filho Jesus. Ressalto os textos de
Jo. 2,1-11 e o de Ap 12. No primeiro, Maria inaugura, segundo a comunidade
Joanina, a vida pública de Jesus com o milagre das bodas de Caná com a sua
intercessão por vinho para todos. No texto de Apocalipse temos a imagem de uma
mulher vestida de sol que gera uma criança que é perseguida por um dragão, a
Besta do Apocalipse. Que relação existe entre esses relatos com a o nosso tempo
presente? Interceder a Maria ou é ela que intercede por nós?
Estamos diante de dois acontecimentos
semelhantes: o das bodas de Caná e o de Aparecida do Norte. Ambos têm em comum,
na sua origem, uma festa. Jo. 2,1-11 relata o terceiro dia de uma festa de
casamento que durava sete dias, na pequena Caná da Galileia. Jesus e Maria eram
convidados. O vinho tinha acabado. Jesus, a pedido de sua mãe, transforma a
água em vinho, de modo que a festa pudesse continuar.
No milagre de Aparecida, trata-se de uma festa
que os donos de fazendas do vale do Paraíba queriam oferecer para o futuro
governador das capitanias de São Paulo e Minas de ouro, dom Pedro Miguel de
Almeida Portugal, que estaria de passagem pela região, naquele então mês de
outubro do Brasil Colônia. Os senhores fazendeiros da região exigiram e
ordenaram a três pobres pescadores, Filipe Pedroso, Domingos Garcia e João
Alves, que pescassem todos os peixes possíveis no rio Paraíba do Sul para serem
oferecidos na festa. Era o ano de 1717. Uma noite inteira de pesca, e nada. No
fim da noite, uma imagem quebrada de Nossa Senhora da Conceição é pescada por
João Alves em dois momentos: primeiro, o corpo e, depois, a cabeça. Logo em
seguida, quando a rede é lançada novamente, ocorre o primeiro milagre: uma rede
abarrotada de peixes que garantiria a festa no povoado e livraria os pescadores
de castigos.
A Nossa Senhora da Conceição Aparecida
realizou outros quatro milagres: o das velas da sua capela que se apagam e se
acendem sem intervenção humana; o das correntes do escravo fugitivo que se
abrem; o das patas de um cavalo que grudam nas escadarias da igreja, quando seu
cavaleiro queria desafiar a santa, entrando no recinto sagrado; e o da menina
cega que foi curada.
Com o evento de Aparecida, Maria passou a ser
presença na história do Brasil. Foi a princesa Isabel que ofereceu, de
presente, o manto e a coroa para a imagem de Aparecida. Já o papa Pio XI, em
julho de 1930, a condecorou com o título de rainha e padroeira do Brasil.
O que importa aqui não são os milagres, nem o
de Caná e tampouco o de Aparecida, mas o significado deles. Caná inaugurou uma
nova etapa na vida do filho adulto por causa da intercessão da mãe. Em
Aparecida, a mãe Aparecida trouxe vida para os negros e pobres pescadores. Ela
lhes devolveu a possibilidade de continuarem a festa da vida com a abundância
de peixes, isto é, a sobrevivência em tempos de escravidão. Os senhores
fazendeiros continuaram com a escravidão, mas a Senhora de Aparecida estava ali
para ampará-los e ajudá-los na resistência.
Ainda hoje, os romeiros que vão ao Santuário
de Aparecida clamam a sua intercessão junto a Deus não para ele, mas o parente,
o filho, para todos. Na saudosa memória do profeta e pastor, dom Helder Câmara
(1909-1999), peço a Nossa Senhora Aparecida, fazendo uso de suas palavras
poéticas e proféticas:
"Mariama, Nossa Senhora, mãe de Cristo
e Mãe dos homens! Mariama, Mãe dos homens de todas as raças, de todas as cores,
de todos os cantos da Terra. Pede ao teu filho que esta festa não termine aqui,
a marcha final vai ser linda de viver. Mariama, Mãe querida, problema de negro
acaba se ligando com todos os grandes problemas humanos. Mariama, Senhora
Nossa, Mãe querida, nem precisa ir tão longe, como no teu hino. Nem precisa que
os ricos saiam de mãos vazias e os pobres de mãos cheias. Nem pobre nem rico.
Nada de escravo de hoje ser senhor de escravo de amanhã. Basta de escravos. Um
mundo sem senhor e sem escravos. Um mundo de irmãos".
Permita-me, dom Helder, sem ser ousado,
acrescentar à sua oração uma prece pelas mulheres e crianças: Negra Mariama de
Aparecida, converta a nossa Igreja. Que ela saiba valorizar a presença das
mulheres como rosto materno de Deus. Sem elas, a Igreja nada seria, mas é
triste ver "homens de batina" subjugando-as aos seus caprichos do
altar e da discriminação. Que todos possamos entender que o ser mulher não é
somente o feminino, mas é a vida que gera vida em abundância. Basta de
misoginia, de machismo e de feminicídio.
Negra Mariama de Aparecida, ajude-nos a
libertar dos dragões do nosso tempo, sobretudo os que são capazes de usar, em
seus comícios, uma criança fardada de trajes militares apontando armas para
defender o seu projeto político genocida. E como o senhor, dom Helder,
profetizou, repito suas palavras: "que se acabe, mas se acabe mesmo a
maldita fabricação de armas. O mundo precisa fabricar é paz". E permita-me
ainda acrescentar: que as nossas crianças cresçam em sabedoria, no aconchego do
amor e da ternura do ser mãe de homens e mulheres. Livre-as dos pedófilos de
Igreja e fora dela que roubam a inocência de suas infâncias.
Mariama, interceda a Deus pelo nosso papa
Francisco que, em relação aos menores vítimas abusos sexuais cometidos por
padres e religiosos, na França, disse estar muito triste pelas feridas causadas
e grato com as vítimas que tiveram coragem de denunciar.
Negra Mariama de Aparecida, livre nossas
crianças também da violência das armas que ronda as nossas cidades e vilas, do
Oiapoque ao Chuí, nas "Brasílias" que rodam nas estradas do Brasil.
Cubra-nos com teu manto de Mãe. Amém!
*Doutor em Teologia Bíblica pela Faje (BH). Mestre em
Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma.
Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa
Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quinze.
Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apocrifos.
https://www.youtube.com/channel/UCwbSE97jnR6jQwHRigX1KlQ
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