“O cego jogou o manto, deu
um pulo e foi até Jesus” (Mc 10,50)
A
imagem do cego à beira do caminho de Jericó pode ser uma ocasião privilegiada para
des-velar (tirar o véu) o sentido do nosso seguimento de Jesus. Seguimento que
implica, ao mesmo tempo, “ter os olhos fixos” em Jesus e “os ouvidos afinados”
para escutar o clamor que vem das margens.
Esta
cena pode também ser um momento oportuno para “descer” em nossa interioridade e
ali encontrar os “bartimeus” que nos habitam e que estão gritando por luz:
feridas, fracassos, traumas, experiências não integradas, fatos não
processados...
À
beira do caminho, Bartimeu é o símbolo da marginalização: está fora do caminho,
jogado na sarjeta, sem poder se mover, percebendo como os outros passam e
dependendo deles. O contexto social e religioso já tinha determinado ao cego o
seu lugar (a exclusão), mas ele não se resigna. Continua procurando superar sua
situação apesar da oposição das pessoas. Sentiu, na passagem de Jesus por ele,
a oportunidade única para expressar sua carência e gritou.
O
cego nunca imaginaria que a Luz estaria passando a seu lado e que tinha chegado para ele a ocasião
única de deixar-se iluminar por ela. Por isso, o único meio para expressar seu
profundo desejo de sair de sua escuridão era a sua voz; pôs-se a gritar com
todas as suas forças e a chamar o caminhante de “Filho de Davi”.
Seus
gritos despertaram uma reação negativa naqueles que acompanhavam Jesus e, em
seguida, tentaram levantar diante do cego um muro de recriminações e
proibições. Mas o cego continuou a gritar esperando que sua voz alcançasse
Aquele que estava do outro lado do muro, antes que continuasse caminhando e
afastando-se dele.
Mais
uma vez aparece a sutil ironia de Marcos: os que seguiam a Jesus eram um
obstáculo para que o cego se aproximasse d’Ele. Os mais próximos a Jesus
continuavam sem ver.
O
cego, imediatamente ouviu outra voz que se dirigia a ele e fazia saltar pelos
ares a distância que os separava: “Chamai-o” Em menos de uma linha se repete por três vezes o verbo “chamar”. O chamado antecede sempre ao
seguimento.
O
menor gesto de acolhida foi suficiente para o cego jogar o manto, dar um salto,
andar tateando e com cuidado e se aproximar junto d’Àquele que o havia chamado.
Agora confia, embora não veja ainda.
O manto representa o que havia sido até
o momento: era seu refúgio que agora se converte em um estorvo. Ao jogar seu
manto para o lado, poderíamos dizer que o cego abriu mão daquilo que o protegia
e retira a máscara, atrás da qual havia se escondido. Quer ir até o Mestre do
jeito que é: com toda sua necessidade e impotência; levanta-se com um pulo, como que eletrizado pelo
convite de Jesus.
Toda
sua esperança está agora focada no “Filho de Davi”. O Mestre não retira de
imediato a cegueira de Bartimeu. Primeiro quer conhecê-lo, verificar suas reais
motivações, se há um querer verdadeiro... Com sua pergunta - “o que queres
que te faça?” -,
Jesus o desafia a contar mais a seu respeito, dirige-se à sua vontade: o que
você quer realmente?
Essa
pergunta faz com que o cego entre em contato consigo mesmo e com seu anseio
mais profundo.
Jesus,
como um bom terapeuta pergunta ao paciente: “O que você quer de mim? Por que me procurou? O que deseja alcançar? E o que deseja que eu faça?”... São questionamentos desse tipo
que movem o paciente a voltar sobre si mesmo e a verificar se há um desejo
profundo de sair de sua situação ferida.
Assim,
ele assume sua parte na responsabilidade pelo processo terapêutico ou de ajuda
espiritual; ao mesmo tempo, a tarefa do terapeuta ou do acompanhante
espiritual é claramente definida.
Quando
Jesus se detém, chama Bartimeu e lhe dirige uma pergunta motivadora, abrindo-se
ao diálogo e concedendo voz e palavra, na realidade Ele está afirmando que o
mais decisivo não é a enfermidade, mas a humanidade da pessoa do cego. Sua
pergunta desata outras tantas possibilidades e recursos que ainda estavam atrofiados
no interior daquele homem.
A
imagem do cego à beira do caminho se revela como instigante e provocativa:
muitas vezes, nossa vivência do seguimento de Jesus pode cair no marasmo,
sonolência, estagnação, medo, repetição, inércia e fixismo. Mas ela pode ser
conduzida também com sabedoria e imaginação; há um momento em que é preciso
“dar o salto”: isso requer coragem, ousadia, agilidade e mobilidade para ir
adiante na longa jornada que a vida nos apresenta.
Nosso interior contém potencial para vencer a
inércia e superar o medo do desconhecido, do fracasso, da desilusão...
Carregamos sonhos e desejos, mas podemos correr o risco de convertê-los em uma
contínua espera, em algo que não se materializa. Para alcançá-los, temos
de saltar, temos de nos separar do solo para poder chegar até eles. Esse
instante, ou esse tempo, produz-nos vertigem, o medo pode nos paralisar.
O solo são nossas seguranças, o
conhecido, o que já temos. O solo é nossa realidade. Renegar o solo que nos
sustenta é viver maldizendo nossa realidade, não a aceitando.
Aquele
que não conhece e não aceita o solo no qual pisa não pode saltar. Outros, no
entanto, estão tão apegados ao solo que é impossível para eles dar o salto. A
realidade para eles é como o asfalto nos dias calorosos de verão: os calçados
ficam colados ao chão. Estão tão presos ao presente imediato, impedidos de
serem ousados no salto criativo.
Para
dar o salto ousado é preciso fazer como o cego Bartimeu: desvencilhar-nos de
nosso manto, fardo inútil e peso que nos imobiliza à beira do caminho. É ele
que impede nossa agilidade e mobilidade no seguimento de Jesus; são nossos
apegos, nossas falsas seguranças, nosso comodismo...
É
preciso também recordar, ao mesmo tempo, que não podemos lamentar o solo que
pisamos; ativar a atitude de gratidão por cada trecho do caminho, por cada
salto feito, pelos momentos de risco e frios na barriga. No fundo, é preciso
ter a tranquila certeza de que saltar é humanizador e plenificante.
É
importante descobrir o real significado do salto que nos arranca do passado
paralisante e nos lança na aventura que modela a vida pessoal, social, ética,
religiosa, histórica...
O salto inteligente estimula a
criatividade e rejeita a mediocridade.
Para
isto, devemos suscitar e cultivar o legítimo “salto”, que é fenômeno inovador e fecundo.
Isso implica pisar o solo com a confiança de que sabemos que a vida está cheia
de novas possibilidades, de metas que ainda não superamos, de encontros que
ainda não se realizaram, de chamados aos quais ainda não respondemos, de
compromissos ainda não assumidos...
Construir
a vida que queremos implica saber saltar, saber partir e deixar para trás nossa
situação de comodidade, os lugares cotidianos onde nos movíamos como peixe na
água, onde nos sentíamos seguros.
O salto lúcido mantém o olhar
vigilante, de discernimento: em que direção saltar?
Texto bíblico: Mc. 10,46-52
Na oração: O salto autêntico reclama coragem àquele que está prostrado; de tempos em
tempos precisamos de saltos que nos ajudem a superar o medo e nos garanta a
autonomia e a construção de nossa própria história.
Há
um impulso interior que nos convida a saltar, do conhecido ao novo: um novo
projeto, um novo compromisso, uma nova missão. Isso implica momentos de risco,
mas também ali está a serena confiança de que podemos e queremos saltar. Não no
vazio, mas no encontro.
A oração é o ambiente natural para
concentrar-se e preparar-se para o grande salto da vida.
-
O que lhe impede desapegar-se do “manto” que lhe dá a falsa sensação de
segurança e conforto?
-
Quê saltos mais ousados você está precisando realizar neste momento de sua
vida?
-
“Faça memória” dos “saltos” que foram significativos em sua vida...
Pe.
Adroaldo Palaoro sj
Fonte: centroloyola.org.br
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