Só Jesus era capaz de mover as pessoas, de fazer
seguidores e não meros obedientes às suas ordens (LUMO project/Free Bibble)
Reflexão do Evangelho Marcos
10,35-45 do 29º domingo do Tempo Comum
Adroaldo Palaoro*
"Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se de
Jesus..." (Mc
10,35)
Jesus viu claramente
que o perigo mais grave que ameaçava a sua nova comunidade era a tentação do
poder. Não há dúvida de que isso é o que causa o maior prejuízo a todos, o que
mais nos desumaniza, o que mais nos divide e o que, por isso mesmo, torna
praticamente impossível a convivência em paz, sem agressões e sem violência.
Por essa razão, Jesus não tolerou, de maneira alguma, as pequenas ou grandes
ambições das quais os apóstolos deram sinais evidentes. Ele viu que tinha de
cortar pela raiz, inclusive brotos à primeira vista insignificantes, as
rivalidades e as pretensões de poder de uns sobre outros, por mais que tais
pretensões aparecessem camufladas com as melhores intenções.
Por isso, Jesus não
quis se relacionar com as pessoas e com os discípulos com base na superioridade
ou no poder, mas na exemplaridade. Mais ainda, não só nunca quis agir como
superior que se impõe com poder, mas também viu em semelhante comportamento uma
conduta radicalmente inaceitável.
Marcos é o evangelista
que se mostra mais duro frente ao que qualifica como "cegueira e
surdez" dos discípulos para ver e entender a mensagem de Jesus. A
contraposição com as atitudes do Mestre se põe às claras, de um modo especial,
nos chamados "anúncios da paixão". Enquanto Jesus apresenta seu
caminho como "entrega" até o extremo, os discípulos são flagrados
quando discutem entre si questões de poder ou de "quem é mais
importante" dentro do grupo.
Sabemos que a busca de
poder, em todos os níveis, é tão antiga como a humanidade. Também no reduzido
grupo de Jesus, que sempre denunciou isso com força, aflorou um conflito
interno por esse motivo.
O poder, em qualquer
de suas formas e intensidades, constitui uma das tentações mais fortes para o
ser humano. Que tem o poder que tanto seduz e se converte em objeto prioritário
de desejo?
O motivo é simples:
nasce da necessidade do ego de autoafirmar-se. E a ele se vinculam sensações
(mesmo que ilusórias) de segurança e de liberdade. Com efeito, acredita-se que,
ao ter mais poder, alguém se sentirá mais seguro e poderá fazer o que lhe
apeteça. Se temos em conta que a busca de tais ideais constitui a essência
mesma do ego, ser-nos-á fácil advertir que o poder apareça como uma das
tentações mais intensas.
Onde se enraíza a
armadilha? Como em qualquer outro caso, na mentira. Tudo o que nos afasta da
verdade que somos produz necessariamente confusão e sofrimento. Ou, em outras
palavras, sempre que experimentamos confusão e sofrimento é sinal de que
estamos desconectados (afastados) da verdade que somos.
O ego prepotente se
afirma na comparação, confrontando-se com os outros e marcando sua imaginária
superioridade. O poder lhe promete uma posição de superioridade e inclusive de
domínio. A partir de sua pretensão de que a realidade responda a seus desejos,
crê encontrar no poder a posição privilegiada para conseguir tudo o que se
propõe.
O ego inflado, como
vazio que é, tem fome de segurança. Assim nasce sua necessidade compulsiva de
apegar-se a tudo aquilo que pode lhe sustentar: posses, bens, títulos, imagem.
Pois bem, o poder promete conferir-lhe uma sensação de força e de
superioridade, fazendo-o crer que está acima de todos.
Isso é o que o poder
promete. Mas a realidade é bem diferente: o que realmente produz é divisão e
enfrentamento. E é aqui onde se faz clara a sabedoria de Jesus, constatando
como funciona o exercício do poder, prevenindo de sua armadilha ("não deve
ser assim entre vós") e partilhando seu próprio caminho de serviço. O
poder nunca é mediação de salvação. E o poder que mais desumaniza é o poder
religioso, pois alimenta diferentes medos nas pessoas.
Sabemos que o poder
corrói os relacionamentos, criando um ambiente carregado de tensão e
desconfiança. Sem níveis básicos de confiança as instituições desmoronam.
O seguimento de Jesus
não passa pelo caminho do acúmulo de poder, mas pelas trilhas despojadas do
serviço até a entrega da própria vida. A busca do poder é o programa do ego
inflado, que terminará em frustração. O espírito de serviço brota do nosso ser
mais original e, por isso, mais nos humaniza, pois reforça os vínculos entre as
pessoas, alimenta a circularidade de vida e não a pirâmide hierárquica.
A distinção entre
poder e autoridade talvez possa nos iluminar e permite compreender o necessário
ministério dos diferentes responsáveis na comunidade de Jesus.
Toda comunidade
precisa de uma mínima organização. Mas os responsáveis por ela não devem comportar-se
como aqueles que governam neste mundo, que se aproveitam de sua posição e
tratam os outros como subordinados. Pelo contrário, na comunidade de Jesus,
todos devem atuar como servidores e serem exemplos para os demais. Neste
"ser exemplo" está a diferença entre poder e autoridade.
Autoridade procede de
autor. Tem autoridade aquele que tem capacidade, crédito, estimação, verdade,
apreço, reputação; tem autoridade quem ativa a autoria e a autonomia no outro.
Poder, por sua vez,
tem a ver com potestade, força, poderio, dominação, mando. Enquanto a
autoridade tem capacidade de atração e convencimento, o poder se impõe a partir
de fora e pela força. No exercício da autoridade o centro é o outro; no poder,
pelo contrário, é o próprio ego que se faz centro e manipulador.
Para os seguidores de
Jesus a autoridade não funciona como poder, mas como serviço. Jesus tinha muita
autoridade, mas se negou a utilizar o poder. Surpreendeu a seus contemporâneos
"porque lhes ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas"
(Mc 1,22).
Nos Evangelhos, a
autoridade de Jesus nunca é entendida como ação de domínio ou de imposição que
violenta as pessoas. A exousia (autoridade, em grego) de Jesus
é autoridade para perdoar, para curar, para ensinar. Tal ensinamento não era imposição
doutrinal e normativa dos letrados que oprimiam as pessoas com cargas
religiosas insuportáveis.
O contraste era
evidente: os dirigentes religiosos tinham poder, mas não tinham autoridade
diante das pessoas. No caso de Jesus, a situação era exatamente o inverso: não
tinha poder sobre o povo, mas gozava de uma enorme autoridade, que seduzia,
atraía e entusiasmava as pessoas.
A autoridade de Jesus
nascia da experiência de sua filiação divina, e não de titulações. Era uma
autoridade competente, a daquele que vai adiante expondo sua vida, e não o
poder "daqueles que carregam as pessoas com fardos insuportáveis e, nem
com um só dedo, não tocam nesses fardos" (Lc 11,46).
Jesus tinha autoridade porque era alguém que se definiu, sabia o que queria,
tinha uma causa em seu coração, não abria mão de alguns valores fundamentais,
tinha clareza onde queria chegar. Só Ele era capaz de mover as pessoas, de
fazer seguidores e não meros obedientes às suas ordens.
Texto bíblico: Mc 10,35-45
Na oração: Liderar com autoridade implica espírito de confiança, tratar o
outro com bondade, ouvir atentamente, ter verdadeiro respeito para com os
talentos do outro, ter real interesse por ajudar o outro para que tenha êxito,
confiar responsabilidade, manter acesa a chama do sonho para que cada um possa
tirar o melhor de si mesmo a favor da comunidade, sintonizar com os princípios
profundos e permanentes da vida, expressar consideração, elogio e
reconhecimento pela atuação do outro. Enfim, liderar a serviço dos outros nos
livra das algemas do ego e da concentração em nós mesmos, destruindo a alegria
de viver.
Não somos
"filhos(as) de Zebedeu"; somos companheiros(as) de Jesus e amigos(as)
entre nós, e compreendemos que só esse companheirismo energiza nossos esforços
e potencializa nossas iniciativas.
Que há em mim de busca
de poder, mesmo que seja em minhas relações mais próximas; que há em mim de
serviço gratuito?
*Adroaldo Palaoro é padre jesuíta e
atua no ministério dos Exercícios Espirituais
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