Sínodo,
literalmente, significa caminhar juntos (Luke Porter / Unsplash)
Somos
convidados a nos engajar nos processos de fortalecimento de uma cultura cristã
de comunhão, visando a conversão sinodal da Igreja
Felipe Magalhães
Francisco*
O povo de Deus só
assim se compreende, porque é povo peregrino. É no trilhar juntos, por
simbólicos 40 anos, ao longo do deserto, que a convivência com Deus - o
Companheiro - e com os irmãos e irmãs pôde fazer surgir a consciência de sua
identidade. O Pentateuco não se encerra com a narrativa da chegada à Terra
Prometida, mas com uma promessa que está sempre em aberto. É interessante
quando olhamos com atenção para a historiografia bíblica, e podemos perceber que
é a partir do momento em que aquele povo deixa de ser tribal (nômade) para se
assentar na Terra Prometida, que as dificuldades em relação à própria
identidade começam a surgir. Um aprendizado surge daí: é preciso usufruir do
cumprimento da promessa feita pelo Senhor, sem perder do horizonte que aquele
povo é povo a caminho.
O cristianismo,
enraizado na história do povo de Israel, compreende-se também na perspectiva de
ser povo peregrino na história. No catolicismo, inclusive, fala-se da Igreja
terrena como Igreja Peregrina. A peregrinação é na história: há quem pense que
a dimensão da travessia é sem consequências para a história do mundo, uma vez
que o destino é a pátria celeste. Não há, pois, acesso ao horizonte final sem
que os passos estejam bem firmados no chão da vida. Esse peregrinar precisa ser
vivido em comunhão: na fraternidade dos que se apoiam, sustentam-se uns aos
outros, no fortalecimento mútuo que torna o caminho menos difícil e mais
possível.
Há na caminhada do
povo de Deus aqueles e aquelas que assumem o papel do pastoreio, tarefa
importante no discernimento do ritmo, no tracejar das rotas, no apoio àqueles e
àquelas que têm mais dificuldade no caminhar, na motivação para que os passos
tenham ânimo… Mas esse não é, longe de dúvidas, um caminho sem dificuldades,
sem muitos obstáculos. É preciso gentileza e generosidade para compreender que
cada um e cada uma tem seu próprio tempo, seu próprio ritmo. É necessário
coragem para continuar avançando, quando tudo parece ser força contrária, de
estagnação.
A vivência prática,
concreta do ser Igreja, também precisa ser lida nessa lógica do caminhar
juntos. A Igreja não é uma democracia, pois é a Palavra de Deus que deve ser a
condutora da missão eclesial no mundo, e não a escolha da maioria, mas pressupõe-se
corresponsabilidade de todos os batizados e batizadas no processo de escuta,
discernimento e adesão a essa Palavra. Para isso, é preciso redescobrir a força
da comunhão, que só o Espírito do Ressuscitado pode garantir à Igreja, para que
sua missão seja efetiva no mundo. Urge que os batizados e batizadas, sobretudo
aqueles membros da hierarquia, ouçam o que esse Espírito diz à Igreja (cf. Ap
2,7).
Em sua natureza, a
Igreja é sinodal (sínodo, literalmente, significa caminhar juntos), por mais
que enrijecimentos ao longo da história aconteceram, é preciso sempre
abrirmo-nos à atuação do Espírito, a fim de que não nos percamos dessa
importante identidade, que nos constitui como povo de Deus. Diante dos apelos
cada vez mais urgentes, em vista de uma conversão sinodal da Igreja,
nosso Dom Especial da semana se dedica a refletir sobre o
tema, como convite aos cristãos e cristãs que se engajem, corresponsavelmente,
nos processos de fortalecimento de uma cultura cristã de comunhão.
No primeiro
artigo, Sinodalidade: rosto de uma Igreja comunhão, Denilson Mariano reflete o mistério do ser da Igreja, à luz do
tema da sinodalidade como expressão da comunhão. Antônio Ronaldo Nogueira, no
artigo Sinodalidade para além do clero, aponta para a fundamental compreensão de que a
corresponsabilidade eclesial diz respeito a todos os batizados e batizados. Por
fim, Francisco Thallys Rodrigues, traz um exemplo concreto de como a Igreja
pode construir um caminho sinodal, como expressão mesmo de seu ser, no artigo A sinodalidade da Igreja de Crateús.
Boa leitura!
*Felipe Magalhães Francisco é
teólogo e professor. Coordena os especiais de religião deste portal. É co-autor
do livro Teologia no século 21: novos contextos e fronteiras (Saber Criativo,
2020). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com
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