O contrário do medo não é a coragem, é a fé (Melanie Wasser)
Forças
conservadoras incutem em muitos a insegurança, de modo que troquem a liberdade
pela segurança
Frei
Betto
Neste
mundo desprovido de utopia, senso histórico e confiança na representatividade
política, o medo ocupa cada vez mais espaço. As forças conservadoras incutem em
muitos tal insegurança que, como cordeiros a serem tosquiados, aceitam trocar a
liberdade pela segurança. Essa doença tem nome: eleuterofobia, medo de ser
livre. Deixa-se de melhorar a qualidade de vida ou fazer uma viagem de lazer
para manter intocado o dinheiro no banco.
Temos
medo do desemprego, da inflação, da recessão. Medo da pandemia. Medo do governo
neofascista. Medo do ódio destilado nas redes digitais. Medo da velhice. “O
medo é uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem caminho” (Guimarães
Rosa in “Conversa de bois”, Sagarana). A toda hora soa o alarme:
Cuidado! A fera está solta!
Nem
sempre identificamos a fera com nitidez mas, como manada, disparamos em
atropelos para nos afastar o mais possível do seu alcance.
Quem é
a fera? É o “outro”, o imigrante que vem roubar nossos empregos. É o
estrangeiro que ameaça subverter o nosso estilo de vida. É o muçulmano que, por
baixo da túnica, carrega um cinturão de dinamites. É o refugiado que obriga o
nosso governo a desviar recursos para socorrê-lo. É o homossexual encarado como
promíscuo. É quem pensa diferente e cujas ideias nos parecem conter material
explosivo...
Assim o
medo se dissemina pelo país. Penetra em nossas casas. Impregna-nos a mente, os
olhos, os ouvidos, o olfato e o paladar. Medo do alimento que engorda, do
tabaco que envenena, da bebida que embriaga. Medo de tudo e de todos.
Esquecemos que a sabedoria recomenda ter medo do medo.
Cresce
a síndrome do medo. Isso vale para Rio, São Paulo, Nova York, Paris ou qualquer
outra grande cidade. Medo de assalto, o que induz o cidadão a tonar-se
prisioneiro de sua própria casa, trancada a mil chaves, dotada de alarme de
segurança, e quebrada, no visual, pelas grades que cobrem as janelas.
O medo
viaja a bordo do desconhecido. O porteiro do prédio deve exigir identificação,
o nome é anunciado por interfone, o visitante conferido pelo olho mágico e, por
fim, as fechaduras, de roliças chaves dentadas, abertas uma a uma.
Doença
da moda é a agorafobia - medo de lugares públicos. Teme-se que a praça esconda
ladrões atrás das árvores, e crianças pedintes se transformem em perigosos
assaltantes ao se aproximar do carro. Aumenta o número de pessoas que preferem
não sair à noite, jamais usam joias e entram em pânico se alguém se dirige a
elas para perguntar onde fica tal rua. O homem é, enfim, o lobo do homem.
"Quem vive sob o domínio do medo nunca será livre", dizia Horácio.
De onde
vem tanto medo? Da sociedade que nos abriga, marcada por desigualdade e
preconceitos. Se não somos iguais em direitos e nas mínimas condições de vida,
por que se espantar com reações diferentes? Como exigir polidez de um homem que
sente na pele a discriminação racial e, na pobreza, a social? Como esperar um
sorriso de uma criança que, no barraco em que mora, vê o pai desempregado
descarregar a bebedeira na surra que dá na mulher? A discriminação humilha, e a
humilhação gera ressentimento, amargura e revolta.
O medo
decorre também das autoridades civis e religiosas que, na falta de argumentos,
atemorizam com ameaças, bravatas, terrorismo psicológico, evocações do demônio
e do inferno.
O
contrário do medo não é a coragem, é a fé. Não apenas religiosa, mas cívica,
política, utópica. Acreditar que o futuro pode ser melhor e diferente. E
começar, hoje, a semear os bons frutos a serem colhidos no futuro.
Fonte:domtotal.com
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