“Vou cavar em volta da
figueira e colocar adubo” (Lc 13,8)
Temos
perdido as raízes? Como conectar-nos com elas? Quê raízes nos alimentam? Onde estamos
enraizados? Quais são as raízes que nutrem atualmente nossa vida? São as
melhores?
Enraizamento,
fincar raízes, viver da profundidade das raízes... O “novo” vem das raízes, vem de baixo,
da base, do chão da vida. É preciso relançar uma nova radicalidade. Viver a
partir das raízes, projetar a partir das raízes, criar a partir das raízes. Quaresma
é tempo para colocar novo adubo e fortalecer as raízes; e viver o tempo das
raízes para ser presença “diferenciada”, “enraizados” na realidade cotidiana.
“Descer” às raízes é uma oportunidade privilegiada para nos
descobrir e conhecer nosso reino interior, para encontrar nossos recursos mais
nobres e assim experimentar a transformação.
O
caminho para uma nova qualidade de vida passa pelo encontro com as próprias raízes. Mas essa descida nos
possibilita descobrir um mundo diferente que não conhecíamos, ou que havíamos
perdido.
Este
é o caminho da espiritualidade que brota do húmus; “descer” até o fundo,
mergulhar nas dimensões mais profundas onde estão escondidos os “tesouros” que
dão significado e sentido às nossas vidas.
Vivemos
um contexto social-político-religioso marcado por um profundo desenraizamento, onde somos mobilizados a viver
em mundos “sem raízes”, em espaços criados pela tecnologia, comunicando-nos
através de relações virtuais com pessoas distantes, desconectando-nos do nosso
próprio chão existencial; no emaranhado das imagens e sons perdemos a noção
daquilo que é essencial e decisivo para a vida; vivemos na superfície dos
acontecimentos e de nós mesmos; esvaziamos a consistência interior e fundamento
sobre o qual se apoia a nossa própria vida; congelamos toda proximidade e
relação com o outro; petrificamos todo compromisso com as causas mais nobres...
Desenraizar-se é desumanizar-se.
A “nova
radicalidade” é
a maneira original de seguir a Jesus. É uma radicalidade amável e expansiva,
porque quem chega às raízes descobre-se implantado na natureza humana, naquilo
que todos compartilham e, por isso mesmo, descobre-se e sente-se enraizado no
Outro.
Ninguém
pode viver sem raízes, pois não se sustentaria de pé. Quando perde suas raízes, o ser humano
se atrofia e fica privado de algo decisivo, essencial: de uma fonte de
vitalidade.
Superfície significa aqui o esquecimento da raiz, significa viver
na distância da vida, desconectado da fonte interior, desarticulado e ocupado
com o que não é essencial. Muitas pessoas passam pela vida assim, distraídas
como turistas, como “voyeurs”, que consomem, sem descanso, paisagens e imagens
de si mesmas, cujo olhar está sempre ocupado com as vitrines ou o próprio
umbigo e assim nunca repousam, nunca chegam à raiz de nada.
Jesus,
o “homem enraizado” em seu povo e sua cultura, traçou seu caminho em parábolas.
No
evangelho deste domingo Ele usa a imagem da “figueira estéril” que não recebera o nutriente
necessário. A figueira é uma das árvores mais comuns na Palestina e seu fruto,
muito apreciado, é abundante. As flores da figueira são um sinal da primavera. “Sentar-se
debaixo da videira e da figueira” é uma expressão proverbial da
paz e serenidade da vida no campo (cf. 1Rs 5,5; Mq, 4,4; Zc 3,10).
A
isso, precisamente, aponta a parábola da figueira plantada no meio da vinha.
Ela também destaca a paciência do vinhateiro. Apesar de “levar” três anos sem
dar frutos, o vinhateiro continua confiando nela, ao mesmo tempo que lhe
oferece todos os cuidados com esmero: “vou cavar em volta dela e colocar adubo”.
Jesus
quer destacar a paciência divina, porque compreende e respeita o momento e o
ritmo de cada pessoa. Conhecedor do coração humano, sabe dos condicionamentos
de todo tipo que pesam sobre ele: sofrimentos pendentes ou não elaborados;
vivências não integradas; feridas não “processadas”; mecanismos de defesa
ativados ao longo da vida para poder sobreviver; ignorância básica de quem é e
como quer viver...
Precisamos
tempo e paciência para crescer em lucidez e em consciência, assim como em
liberdade interior, frente aos próprios medos e necessidades, para podermos ser
coerentes e fiéis ao melhor de nós mesmos.
A
partir dessa fidelidade, tudo começa a adquirir sentido: abrimo-nos a quem
somos e vamos construindo relações harmoniosas. Isso é o que significa, segundo
o evangelho, “dar fruto”.
Numa
chave de leitura interior, a parábola da figueira ativa a virtude da esperança que alimenta, dá sentido à
nossa existência e ilumina as profundezas de nosso ser cristão. Na vivência do
evangelho, a terra interior também pode ser cavada e adubada, através de diálogos e
do encontro com nossa verdade pessoal.
A
parábola da “figueira” toca o nosso “eu” mais profundo; é preciso escutá-la e
deixá-la ressoar em nosso coração, a terra do nosso campo interior que é cavada
e fertilizada. Mas a parábola não só alimenta a esperança; ela também nos
desafia a corresponder ao “divino agricultor”, dando frutos.
Talvez
tenhamos que parar de exigir certos frutos da nossa árvore; basta os frutos
menores ou a sombra que a árvore providencia.
Escavar a terra é o primeiro requisito a ser cumprido para que a árvore
interior dê fruto. O segundo é o adubo, que pode ser símbolo para a
atenção e o amor, que nos fazem bem e podem nos conduzir ao florescimento e frutificação
da nossa árvore. Normalmente, usamos esterco para fertilizar a terra, o esterco
da nossa própria biografia pode ser usado como adubo.
Dia
após dia, o agricultor leva o esterco ao campo, e, após um ano, o campo dá seus
frutos. É uma imagem consoladora, pois, justamente aquilo que consideramos o
esterco da nossa vida – os fracassos, as feridas, as derrotas, as fragilidades
– se torna o adubo para a nossa árvore da vida e a faz florescer.
A
questão está em como cavar, que adubo depositar e que frutos esperamos
alcançar. É importante cavar para sanear as raízes, nossas raízes mais
profundas onde está a força de Deus vitalizando nossa existência; o alimento,
talvez seja conectar mais com a mensagem de Jesus, com o Evangelho e entrarmos
em sintonia com o Deus da Vida. Os frutos, sem dúvida, terão mais a cor e o
sabor da visibilidade, da ousadia, da liberdade, da denúncia daquilo que atenta
contra a dignidade humana, de atrever-nos a abandonar o rotineiro e gerar novas
formas de viver o Evangelho nestes tempos tão conflitivos.
Deus
é o “paciente Cuidador” e nos alcança na medida em que nos abrimos à sua ação;
Sua presença expande e multiplica o melhor de nossa vida. Ao contrário, quando
permanecemos reclusos na identificação com nosso ego, irremediavelmente, dia
após dia, nossa existência se atrofiará e se empobrecerá.
É
fora de dúvida que, dentro de cada um de nós, continuam existindo “figueiras
estéreis”, experiências com pouca profundidade, vivências asfixiantes e
atrofiantes... que limitam a liberdade de Deus em atuar em nós. Mas, o
ponto de partida é que comecemos por reconhecer nosso terreno interior,
reconciliando-nos com ele, abraçando-o com humildade. É no meio da “vinha” que
está situada nossa “figueira”.
Desse
modo, ao crescer em unificação – integrando também os aspectos mais obscuros e
vulneráveis de nossa própria vida -, um bom “húmus” estará se disponibilizando
e constituindo a “terra boa” onde a figueira crescerá por si mesma e dará
frutos. Devemos descobrir, em cada um de nós, o que atrofia, limita e bloqueia
o fluxo da seiva que brota das profundidades de nossa terra interior.
Texto bíblico: Lc 13,1-9
Na oração: Uma vida que se enraíza, é uma vida firme, consistente. Por outra parte,
as raízes na planta, são as que se introduzem na terra e crescem em sentido
contrário do tronco, servindo-se como sustentação.
Graças
a elas, a planta pode absorver o alimento necessário para seu crescimento.
-
o que está “estéril” em sua vida?
-
quais são e onde estão as raízes onde seu coração se alimenta? Quais raízes precisam ser sanadas,
adubadas... para que deem frutos?
Pe.
Adroaldo Palaoro sj
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