O diagnóstico da doença tem influência hereditária,
emocional e ambiental Foto (Divulgação)
A fibromialgia
é uma síndrome clínica que se manifesta com dor no corpo todo, principalmente
na musculatura
Sônia Regina Soares Maciel recebeu o diagnóstico de fibromialgia em
2017. Os sintomas eram basicamente muitas dores pelo corpo e nos pulmões.
Atualmente, ela tenta administrar as emoções diante do quadro de saúde.
"Eu tenho dores principalmente quando está muito frio. Depende muito do
dia. Tem vezes que não sinto quase nada, mas tem momentos que 'só Deus', aí,
afeta meu cotidiano. Às vezes, até pentear os cabelos se torna uma tarefa
difícil", relata.
Ao enfrentar problemas nas tarefas do dia a dia, Sônia se sente abalada
emocionalmente. "Mexe muito com minhas emoções. Tem dia que estou muito
nervosa, irritada, chorando, aí, sinto mais forte os sintomas. Hoje sigo um
tratamento com uma reumatologista tomando medicação para amenizar as dores. Mas
o que me ajuda é o artesanato. Me sinto ótima e inclusive faço lives de vendas
de material de arte", conta.
A fibromialgia é uma síndrome clínica que se manifesta com dor no corpo
todo, principalmente na musculatura. A influenciadora Layla Brígido sabe que
tem fibromialgia há quatro anos. "Eu sentia muita dor, dormia mal, tinha
bastante enrijecimento, enjoos, um pouco de tontura, síndrome do intestino
irritável e uma fadiga fora do normal", lembra.
Hoje os sintomas seguem e aparecem, mas de forma mais pontual e menos
intensa, segundo ela. "Com todos esses anos tratando e incluo nisso a
terapia, as coisas são bem diferentes de 2018. Consegui me manter mais estável,
as dores têm interferido menos no meu dia a dia e, por ter uma rotina flexível,
posso ajustar quando preciso. Antes, toda a minha rotina se baseava no meu
nível de dor, era tudo bem instável e frustrante", desabafa.
Sobre saúde mental e fibromialgia, Layla percebe que tem mais
sensibilidade. "Inicialmente a dor me deixa um pouco chateada, mas chega
um ponto que ela estressa, fico mais irritada, mais nervosa, porque é um
desgaste físico e emocional enorme lidar com uma dor constante e forte! Acaba
sendo um dilema porque a dor mexe com as emoções e as emoções também podem
afetar e interferir na dor", explica.
Hoje, Layla, que faz psicoterapia, consegue lidar melhor com a situação.
"Aprendi a entender esse sentimento e a não invalidar a existência dele.
Sou humana, preciso me permitir também sentir isso e não querer abafar, né? Mas
tento trazer também um pouco de leveza para que o foco não fique só na dor, o
que não quer dizer que ela não exista, mas me faz enxergar possibilidades para
lidar com ela", conclui.
Causas e principais sintomas
As causas da doença são multifatoriais. O diagnóstico tem influência
hereditária, emocional e ambiental. "Como principal hipótese, baseada em
estudos científicos na área da neurociência observa-se que o fator 'estresse
crônico diário' e, principalmente, a forma como reagimos ao estresse emocional
desencadeia uma neuroplasticidade cerebral (mudança nas conexões dos
neurônios)", esclarece Levi Jales Neto, reumatologista da Rede de
Hospitais São Camilo SP.
O quadro clínico reduz neurotransmissores como a serotonina,
noradrenalina e dopamina, o que causa uma queda no limiar de dor dessas
pessoas, tornando-as mais sensíveis aos estímulos dolorosos.
Os principais sintomas da fibromialgia são: dor muscular difusa crônica
associada a fadiga, depressão e distúrbio do sono, mas outros sintomas podem
vir associados, como a enxaqueca, síndrome do cólon irritável, parestesias,
zumbido e vertigem.
Como não existem exames laboratoriais que complementam o diagnóstico,
muitos pacientes sofrem com o preconceito. "É muito exaustivo para a
pessoa que passa por uma verdadeira maratona até ser diagnosticada. Além da
humilhação de muitas vezes ser chamada de 'Maria das Dores' e os familiares
acharem que ela está inventando doenças", ressalta a doutora em Psicologia
Magda Pearson.
O diagnóstico precoce é difícil pois, na avaliação do reumatologista
Levi Jales Neto, esta é uma doença que passa despercebida por falta de
conhecimento. Para chegar a fibromialgia, os especialistas realizam uma
avaliação clínica, com a junção de sintomas e exame físico dos pontos
dolorosos.
"Excluir doenças associadas, como as reumáticas autoimunes, é
essencial para um diagnóstico correto. Portanto, é importante procurar
atendimento médico quando esses sintomas forem persistentes por mais de 3 meses
para que seja possível uma investigação precoce", conclui o reumatologista.
Lado emocional
Imagine sentir dores intensas pelo corpo durante 24h do seu dia? Assim é
a rotina dos pacientes que têm fibromialgia. E estar assim, como já contamos no
início da reportagem, é sentir-se, por vezes, incapacitado de realizar as tarefas
mais básicas do cotidiano.
"Essa condição pode levar à depressão e a transtornos de ansiedade.
Isso decorre da cronicidade das dores e do difícil diagnóstico que, a partir da
clínica médica, envolve sempre um aspecto psicológico. Então, o paciente, às vezes,
se culpabiliza por ter a fibromialgia, como se algo ali fosse de sua
responsabilidade", analisa o neuropsicólogo Fábio Roesler. Para ele, além
do médico especialista, é preciso buscar o auxílio de um neurologista e
psicólogo, pois trata-se de um tratamento multidisciplinar.
De acordo com Magda Pearson, cuidar da saúde mental ajuda a enfrentar os
sintomas físicos. "E eles geralmente aparecem depois que a pessoa passa
por um trauma psicológico ou situação de um estresse permanente. As intensas
dores levam a pessoa a ter distúrbios do sono, fadiga intensa e por vezes
alterações cognitivas. Por ter consequências deletérias na vida do indivíduo, a
psicoterapia é fundamental. Não só trabalhar os traumas psicológicos, mas
também para a aceitação e enfrentamento causado por essa síndrome", diz.
Para falar mais sobre o lado emocional da fibromialgia, a reportagem do
Estadão entrevistou a psicóloga, coordenadora da Psicologia da Liga de Dor da
Faculdade de Medicina da USP e colaboradora do Grupo de Dor do HC-FMUSP. Ela
também é autora do livro Psicologia da Dor. Confira:
Pacientes com fibromialgia sofrem com dores crônicas nas articulações.
Como esse estado físico pode mexer com o lado emocional das pessoas?
A falta de indicadores físicos e informações sobre a doença leva muitos
a percorrerem uma verdadeira "via crucis" pelos consultórios de
diversos profissionais antes de obter diagnóstico e tratamento adequados. À
medida que estes sintomas permanecem, começam a interferir no trabalho, na
convivência familiar e até mesmo com os momentos de lazer destas pessoas.
No início a situação do paciente provoca sentimentos de preocupação e
solidariedade naqueles que o cercam, entretanto, à medida que a condição se
mantém, resulta em descrédito social por parte de amigos, parentes e até mesmo
de alguns profissionais. A demora para obter um diagnóstico e/ou terapia
efetivos faz com que horários antes eram dedicados a outras atividades comecem
a ser usados para consultas, exames, sessões terapêuticas etc.; a preocupação
com a saúde física passa a ocupar um espaço cada vez maior; os projetos de vida
de médio e longo prazo começam a ser questionados e em alguns casos,
paralisados.
A fibromialgia passa, lentamente, a fazer parte da vida e a interferir e
a modificar a organização do cotidiano do paciente. Expectativas de cura
constantemente frustradas resultam em ressentimentos e vão tornando cada vez
mais baixos os limiares de tolerância à frustração e à dor. Alguns pacientes se
tornam agitados e agressivos, outros, passivos e alienados. Aparecem fantasias
mágicas de cura, ou o medo de estar sofrendo de alguma doença terrível e
incurável. Ansiedade e hostilidade são constantes, depressão e desamparo também
- e com isso surgem novos fatores que mantém ou agravam o quadro da SFM.
Como o diagnóstico de uma pessoa com fibromialgia pode influenciar na
dinâmica familiar? E como as famílias podem se envolver para ajudar esse
paciente?
A incapacidade, a mudança de papéis e possíveis problemas financeiros
causados pela dor crônica em um dos membros da família poderão afetar adversamente
os demais. Quando um dos elementos da família se encontra limitado ou
incapacitado pela dor, as tarefas e responsabilidades que antes lhe eram
atribuídas precisarão ser redistribuídas, o que poderá resultar em sobrecarga
para outros membros ou em conflitos diversos. Isso irá alterar o equilíbrio da
dinâmica familiar em maior ou menor grau e poderá resultar em estresse e
enfermidades para outros indivíduos na família.
Em algumas famílias a condição dolorosa de um de seus membros pode
desempenhar um papel estabilizador na medida em que se torna um recurso útil
para escapar ou evitar conflitos familiares. O tempo e a energia dedicados ao
problema da dor são como álibis que justificam e legitimam o adiamento e a
evitação do enfrentamento de outros aspectos da vida e das relações humanas. Em
muitas destas famílias, cuidar da doença de um de seus membros pode ser a única
maneira de continuar funcionando.
Na sua opinião, o sofrimento emocional poderia ser um dos agentes
causadores da doença?
A etiologia da fibromialgia ainda não está esclarecida. Boa parte dos
doentes não consegue identificar com segurança quaisquer eventos que possam ter
iniciado seus sintomas; quando o fazem, referem-se a infecções virais, traumas
físicos e/ou emocionais e mesmo a alterações no uso de certos medicamentos.
Entretanto, nenhum destes fatores foi comprovado como causa responsável da
fibromialgia. É mais provável que as alterações psicológicas sejam
consequências da dor crônica e que a presença de uma situação psicológica anormal
não seja requisito para o desenvolvimento da síndrome.
Qual a importância do cuidado para a saúde mental nesse quadro clínico?
E onde procurar ajuda?
Pessoas com fibromialgia aparentam ser saudáveis, mas não o são, e
também não são suficientemente "doentes" para convencer a si mesmas e
aos outros de sua condição. Psicologicamente se encontram presas a um passado
sem dor, ao qual não podem mais retornar, mas que também não desejam abandonar.
Ao longo do tempo esta situação de ambiguidade resulta em perdas, desgastes e
tentativas frustradas de resgatar sua própria identidade.
Os cuidados de saúde mental na SFM são essenciais porque o sofrimento
psíquico destas pessoas é solitário, profundo e tende a agravar-se ao longo do
tempo. A ajuda pode ser obtida através de profissionais de saúde mental
especializados em dor, através de programas específicos realizados em hospitais
escola e clínicas psicológicas escola. Alguns grupos de apoio a pessoas com SFM
tem surgido espontaneamente, geralmente por iniciativa dos próprios pacientes.
Agência Estado
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