Se as
pessoas do nosso tempo parecem saturadas de discursos, cansadas de ouvir e
imunizadas contra a palavra, o testemunho ainda encontra abrigo nos corações Foto
(Pixabay)
Pe. Rodrigo
Ferreira da Costa, SDN*
Toda comunicação exige
compromisso ético com a verdade para não trair a mensagem, nem tampouco enganar
o interlocutor. Mas, principalmente se tratando da Palavra de Deus,
"Palavra viva e eficaz" (cf. Hb 4,12), Palavra performativa que
realiza o que diz (cf. Gn 1; Is 55, 10-11), Palavra inspirada pelo Espírito
Santo, exige-se da parte do pregador um cuidado ainda maior, para não cair na
tentação de falar palavras bonitas e eloquentes, teorias e doutrinas doutas,
porém, vazias de ações, sem eficácia na vida.
O ofício de pregador
foi exercido por Santo Antônio com muito entusiasmo e sabedoria. E, não sem
méritos, a Igreja o concedeu o título de Doutor. Por isso, passados quase oito
séculos (1195-1231), os seus sermões continuam sendo estudados, as suas palavras
ainda ressoam em nossos ouvidos e as suas exortações permanecem válidas para o
nosso tempo. Tudo isso, por que a vida de Antônio também era mensagem, o seu
testemunho de caridade para com os pobres confirmavam a sua pregação. Como ele
mesmo afirma: "A palavra é viva quando são as obras que falam. Cessem,
portanto, os discursos e falem as obras. Estamos saturados de palavras, mas
vazios de obras".
Nós vivemos na era da
comunicação. A cada dia é despejado sobre nós um turbilhão de palavras e
informações. Com o avanço da tecnologia da comunicação as palavras criaram asas
e se tornaram capazes de girar o mundo em poucos minutos. Mas nem sempre há um
compromisso com a verdade. Talvez precisássemos repetir com Montaigne: “uma
cabeça bem-feita vale mais do que uma cabeça cheia”.
O impacto das novas
tecnologias da comunicação pode ser sentido também nas igrejas, mudando
radicalmente o ofício dos pregadores. Vimos multiplicar os pregadores. Qualquer
pessoa pode criar um canal no Youtube, abrir uma página no Instagram e etc. e
se tornar um pregador. Porém, sentimos falta de testemunhas. Em muitos casos, o
objetivo principal do pregador não é mais transmitir a Boa Nova do Reino, mas o
seu próprio sucesso, o lucro e, até mesmo, a manipulação dos seus
interlocutores. O foco nem sempre está na mensagem a ser
comunicada, mas no número de inscritos e seguidores em suas redes sociais. Por
isso, muitos acabam por esvaziar a mensagem do Evangelho, para fazer uma
pregação que "agrada" aos ouvintes. Para usar as palavras de Santo Antônio,
numa época de tantas palavras, estamos deixando a Palavra morrer, pois faltam
ações que deem vida à palavra.
Jesus associa à
bem-aventurada Virgem Maria os que ouvem e põem em prática a Palavra de Deus
(cf. Lc 11,28). Pois, para nós cristãos, não basta
sermos bons ouvintes da Palavra de Deus, mas precisamos praticar o amor
operante, como o Senhor viveu e nos pediu que vivêssemos. Como nos exorta São
Tiago: "sede praticantes da Palavra, e não meros ouvintes, enganando-vos a
vós mesmos" (Tg 1,22), pois a força da palavra está no seu testemunho. Se
essa exigência, porém, recai sobre os ouvintes da Palavra, ela se impõe com
muito mais rigor aos pregadores e anunciadores da Palavra. Pois na missão de
evangelizar, o anúncio não é feito somente com palavras, mas, sobretudo, com o
testemunho de uma vida consagrada a Deus para os outros. A vida do pregador
também é anúncio, "o mensageiro também é mensagem". Como ensinava São
Francisco de Assis aos seus confrades: "Pregue o Evangelho em todo tempo.
Se necessário, use palavras".
Quando olhamos, por
exemplo, os Santos e Santas da Igreja, não é tanto o ensinamento deles que nos
chama a atenção, mas o modo como eles viveram a fé e o seguimento de Jesus. Os
santos foram "evangelhos vivos", Palavra de Deus ambulante no mundo,
pois testemunharam com a vida a palavra que anunciavam e a fé que professavam.
Se as pessoas do nosso
tempo parecem saturadas de discursos, cansadas de ouvir e imunizadas contra a
palavra (cf. Paulo VI, EN, n. 42), o testemunho ainda encontra abrigo nos
corações. A Palavra, dizia São Paulo VI, "não adquire todo o seu
sentido senão quando ela se torna testemunho" (EN, 15) e reconhecia que
nossos contemporâneos escutam “com melhor boa vontade as testemunhas do que os
mestres […] ou então se escutam os mestres, é porque eles são testemunhas
[...], e acrescenta: "será, pois, pela sua vida que a Igreja há de
evangelizar este mundo; ou seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao
Senhor Jesus, testemunho de pobreza, de desapego e de liberdade frente aos
poderes deste mundo; numa palavra, testemunho de santidade" (EN, 41).
O ministério do
pregador é, talvez, um dos mais exigentes da Igreja. Pois se a palavra tem o
poder de consolar, animar e curar, ela também pode ferir e matar. Falar com
sabedoria e comprometimento com a verdade é o primeiro dever do pregador.
Porém, há que se prestar atenção no testemunho da Palavra proclamada. Como nos
adverte São Jerônimo: "Que as tuas ações não desmintam tuas palavras, para
que não suceda que, quando pregues na Igreja, alguém em sua intimidade comente:
‘Por que então tu não ages assim?’ [...] No Sacerdote de Cristo a mente e a
palavra devem estar de acordo".
O testemunho é, pois,
um dever de quem exerce o Ministério da Palavra. "Quem quiser pregar, deve
primeiro estar disposto a deixar-se tocar pela Palavra e fazê-la carne na sua
vida concreta. [...]. Por tudo isso, antes de preparar concretamente o que vai
dizer na pregação, o pregador tem que aceitar ser primeiro trespassado por essa
Palavra" (Papa Francisco, EG, n. 150). Quando faltam as ações na vida do
pregador, o seu anúncio fica em prejuízo. Assim sendo, precisamos de pregadores
que deem vida à Palavra, que traduzam na vida a mensagem anunciada, que façam
brilhar as suas boas obras diante dos homens, para que estes glorifiquem a Deus
(cf. Mt 5, 16).
Que o testemunho de
vida, os ensinamentos e a intercessão de Santo Antônio nos ajude nesse belo e
desafiante Ministério de proclamar a Palavra, com a boca e com a vida, e não
aconteça que falta de nossas ações venha a obscurecer a única Palavra que deve
ser ouvida: a Palavra eterna do Pai que feita carne habitou entre nós.
Dom Total
*Pe. Rodrigo, SDN, Missionário
Sacramentino de Nossa Senhora, licenciado em Filosofia (ISTA), bacharel em
Teologia (FAJE), com especialização em formação para Seminários e Casa de
Formação (Faculdade Dehoniana) e pároco da Paróquia de Santa Luzia Arquidiocese de
Teresina-Piauí.
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