Dom Helder Câmara foto (reprodução)
Histórias
vividas por Dom Helder se repetem na atualidade
Élio Gasda*
“Excesso de chuva provoca desastres e semeia a morte”: Jornal do
Commercio de 13 de junho de 1965, Recife.
“Bombeiros retiram mais seis corpos de vítimas de deslizamentos
no Grande Recife e total de mortos vai a 106”: g1.globo.com de 31/05/2022.
Rios transbordando. Desabamentos, casas arrastadas pelas águas
que engolem estradas, carros, lojas, fábricas, bairros, cidades. Gente
desparecida, soterrada. Desesperadas! Centenas de mortos. Descaso!
“As inundações... apenas rasgaram o véu da miséria... nós
deveríamos declarar guerra à miséria!”: Palavras de Dom Helder Câmara, ditas em
1965! 57 anos se passaram! Nada mudou! Dom Helder continua tão atual quanto o
descaso pelos pobres.
Em junho de 1965, após chegar ao Recife, Dom Helder, o bispo das
favelas, presenciou a inundação que deixou centenas de desabrigados. Solidário,
iniciou uma campanha de arrecadação de mantimentos e de mobilização da
sociedade – partidos políticos, governo, maçonaria, paróquias e escolas, todos
em socorro aos flagelados.
A história se repete, agora muito pior! Mas a sociedade civil
aprendeu com o Dom Helder e se empenhar em ajudar os que tudo perderam. Já os
políticos e os ricos prestam solidariedade às vítimas pelas redes sociais.
Classificam o problema como “triste desastre”, como declarou Bolsonaro. Para os
ricos tudo, para os pobres a desgraça.
É preciso resgatar o legado de Dom Helder. A partir da tragédia
de 1965 ele articulou ações entre e Igreja, sociedade civil e o poder público.
Nasceu a Operação Esperança Urbana: reduzir desigualdades, melhorar as
condições de vida dos pobres. A construção de casas populares envolveu os
próprios moradores das comunidades. O Programa estimulava a formação de
cooperativas de geração de renda, como a das lavadeiras. Organizou conselhos de
moradores para discutir soluções como a coleta de lixo e saneamento. Mas não
só.
“Quanto mais escura a noite, mais carrega em si a madrugada”
(Dom Helder). Em plena ditadura, o “santo rebelde” estimulou a conscientização
crítica da população e a capacitação de lideranças para o trabalho conjunto em
prol da comunidade. Sua preocupação era organizar o povo. Pobres como
protagonistas. Por isso, Dom Helder foi perseguido e censurado pela ditadura.
Mas nunca se intimidou: “[...] O que fiz foi defender a justiça. Se combato as
injustiças quando são cometidas em qualquer parte do mundo, por que haveria de
calar quando as injustiças e arbitrariedades passam dentro do meu país?”
"Bispo vermelho", incompreendido e criticado: “Quando
dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são
pobres, chamam-me de comunista”. Em 1990 afirmou que o Brasil deveria ter como
meta a erradicação da miséria e da pobreza absoluta, como meta o ano 2000. Em
1991, iniciou um movimento contra a fome e lançou a campanha “Ano 2000 Sem
Miséria”. 22 anos depois, a fome e a miséria estão maiores. O nível de
insegurança alimentar no Brasil é de 36%, índice maior que a média mundial
(Marcelo Neri, Centro de Políticas Sociais FGV).
Em sua pequenina casa aos fundos da Igreja de Nossa Senhora da
Assunção das Fronteiras, em Recife, recebia a todos. Contudo, seus visitantes
preferidos eram os pobres: “[...]a maioria das visitas que recebia era de
mendigos e pessoas desesperadas pedindo ajuda. [...] O bispo deve ter a porta
aberta a todos e não se esconder por trás das grades das cúrias diocesanas e
dos palácios episcopais” (José Comblin).
O idealizador da Conferência Nacional dos Bispos era considerado
por Paulo VI um místico que havia recebido de Deus a missão de pregar a justiça
e o amor como caminho para a paz. João Paulo II o chamava de “Irmão dos Pobres,
meu Irmão”.
Era junto aos pobres que se sentia próximo de Deus. Dom Helder
costumava frequentar uma ponte sempre no mesmo horário. Ali ficava por um tempo
e depois descia para estar com os pobres que viviam sob a ponte. Um dia alguém
lhe perguntou o porquê. Dom Helder teria respondido: - Aqui de cima faço minha
adoração ao Santíssimo. Quando desço recebo o sopro do Espírito Santo que vem
do bafo daqueles meus irmãos.
“O clamor dos sem-vez e sem-voz é a voz de Deus. [...] quem é
despertado para as injustiças, captará os protestos dos pobres. E o protesto
dos pobres é a voz de Deus. A voz dos países injustiçados é a voz de Deus” (Dom
Helder).
Dom Helder fez sua Páscoa em 1999, com 90 anos. Em 2015, foi
declarado “Servo de Deus” pela Congregação para a Causa dos Santos. No final de
maio foram enviados ao Vaticano meia tonelada de documentos para a continuidade
do processo de sua canonização.
“Quando se sonha sozinho é apenas sonho. Quando sonhamos juntos
é apenas o começo da realidade” (Dom Helder).
Dom Total
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